domingo, 6 de maio de 2012

O PÃO NOSSO DE CADA DIA

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje... Mateus 6:11.
Estive recentemente com parte de minha família em Istambul. Lá, fomos visitar o Mercado das especiarias em busca de alguma das muitas que preenchem as prateleiras de suas lojas. Queríamos comprar uma essência especial que gostamos. Mas, que aroma escandaloso! O perfume dos temperos inebriava o olfato e me reportou à história universal.
Talvez, o que vou dizer aqui tenha começado com as Cruzadas, no século XI. Na busca pela conquista de Jerusalém, que se achava nas mãos dos turcos, os cruzados tomaram conhecimento das especiarias orientais. Os europeus não tinham uma culinária mais requintada. A cozinha dos romanos não era nada de excelência e a influência dos bárbaros, nesta área, foi de uma rusticidade, própria da sua flora. Faltavam-lhes os temperos.
O contato com estes condimentos despertou nos europeus um interesse especial por tais produtos, uma vez que o seu lucro chegava a 10.000%. Uau! Nada mais animador para o comércio do que um resultado astronômico como este.
O tempero que excitou a expansão das grandes navegações, nos séculos XIV e XV, foi o sabor e a lucratividade dos condimentos. A descoberta do Continente Americano, por exemplo, tem o gosto e o lucro das especiarias. Muito da nossa história se deve ao “cheiro verde” do Oriente. Foram os ingredientes culinários que abriram os caminhos das Índias e que acabou dando as caras no Brasil por causa das tais calmarias.
A história do pecado também teve o seu começo pela boca. Foi um fruto, bom para se comer, que despertou o apetite insaciável pela teomania de Adão e Eva.
Daí para frente a raça humana ficou alucinada com a ideia de ser como Deus. A loucura pela primazia veio de uma fome visceral por importância que não tem a mínima importância para a condição inerente aos filhos de Deus. O filho é filho e pronto.
O estômago tem governado o anseio da insatisfação pessoal e muita gente vive para compensar a sua carência de significado, comendo qualquer coisa a qualquer custo. Veja por exemplo: Esaú acabou vendendo a sua primogenitura por um PF de lentilhas, ou seja, um prato feito. Comerciou barato aquilo que é caro para Deus.
Isaque, o patriarca “cegueta” físico, e míope espiritualmente falando, movido por uma famigerada ambição paternalista de poder coroar o primogênito às pressas, abençoou Jacó, o filho assaltante, depois que ele se tornou o chefe do restaurante da Trapacearia, sob a influência de uma especialidade: guisado de cabrito em lugar da caça.
A caçada do espertalhão deu “bode” e causou uma indigestão emocional de gerações em gerações, até o dia de hoje. Esse banquete bancou uma desintegração de proporções universais "jantando" a amizade da família para sempre.
O ser humano faz parte de uma espécie caída que sofre de uma fome crônica em busca de uma identidade que mereça a credibilidade pública. Essa fome tem despertado uma variedade de cardápios químicos no sentido de tentar saciá-la. A humanidade busca satisfação em todo tipo de iguaria ou droga para matar a fome de sua alma.
Os inimigos da cruz de Cristo vivem dos estímulos viscerais. Eles vendem a alma por migalhas de atenção e negociam a sua aceitação por qualquer quirera. Mas veja como o apóstolo os avalia: O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas. Filipenses 3:19.
Quando o apetite “carnal” governa o cérebro, temos uma obesidade emocional sem limite. A fome de ascendência e o medo da rejeição geram vassalos com este perfil: porque esses tais não servem a Cristo, nosso Senhor, e sim a seu próprio ventre; e, com suaves palavras e lisonjas, enganam o coração dos incautos. Romanos 16:18.
Os temperos, neste mercado, são variados, mas a fome da alma é única. Todos nós temos fome de aceitação e nada que seja finito consegue satisfazer o apetite por um amor eterno e incondicional. Eu tenho fome de Pão do céu e não de pão francês ou dos brioches, que segundo as más línguas, resultaram na revolução francesa.
Na tentação do ermo, no momento da solidão, quando o Maligno propunha uma transformação de pedras em pães, para matar a fome de Jesus, ele respondeu: não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Mateus 4:4.
A Palavra que sai da boca de Deus é o próprio Cristo, o Verbo encarnado ou a Palavra viva que veio como o Maná para satisfazer a fome de significado da alma esfomeada. Só ele pode matar a fome de aceitação incondicional, que habita nessa alma insatisfeita.
Muitos querem saciar a sua fome de significado com o saber; mas o conhecimento incha. Há muita gente empanturrada de informações e completamente vazia de afetos. São sabidas, sem saber que são ocas de amor. Têm um armazém abarrotado de sapiência e um terreno baldio de afeições, enquanto morrem de fome espiritual.
Outros fazem do ter a base de sua satisfação. Amealham o máximo que podem na tentativa de suprir o déficit emocional de sua alma. Eles pensam que o superávit bancário pode bancar o vazio de significado que consome alucinadamente o seu íntimo.
Ainda há aqueles que investem quase todo o seu tempo no fazer, supondo que as suas realizações vão compensar a carência existencial que circula em seu coração, clamando por aceitação irrestrita. Fazem tudo, e de tudo, esperando serem vistos pela plateia.
Por outro lado, os críticos, invejosos e gananciosos, membros do sindicato dos inconformistas, aparecem nos bastidores da cena exercendo o seu papel indigesto de insatisfação crônica. Ninguém, neste mundo de carências, consegue viver satisfatoriamente feliz.
O fato crucial da existência humana é que a alma continua faminta e gritando por significado incondicional. Há uma fome intrínseca no mais íntimo do ser humano que não consegue ser satisfeita com os farelos do saber, ter e fazer.
A fome da alma requer o Pão do céu que a mitigue com o amor pleno da graça, ao transformar o mendigo carente, num filho legítimo de Abba.
Saul odiava Davi; contudo o seu ódio não impediu ao seu neto Mefibosete, o filho de Jônatas, um aleijadinho dos pés e indigno de participar do banquete real, que tivesse um lugar de honra à mesa do rei Davi. Além do seu lugar como celebridade, aquele, cujo nome significa: “exterminando o ídolo”, celebrava a ágape da aceitação imerecida.
O verdadeiro Maná que mata a fome de importância do ser humano é a condição de ser feito filho de Deus pela Pessoa e a obra vicária do Cordeiro de Deus.
A vida que dá vida está contida na essência do Pão celeste. Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo. João 6:33. Este Pão, não só alimenta a alma faminta, como gera a vida que tem sentido eterno. A vida sem acessórios interinos.
A metáfora bíblica que define esta realidade espiritual se resume nestas palavras sagradas: Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede. João 6:35. Isto não é apenas “fome zero”. É a satisfação plena na suficiência de Cristo.
Cristo Jesus, além de ser a própria vida espiritual é também o pão que lhe sacia a fome. Neste caso, o cristianismo não se trata de uma evolução da vida adâmica, mas da substituição desta vida terrena de Adão pela vida celestial de Cristo, bem como a satisfação existencial promovida pela própria Pessoa daquele que é o Pão da vida.
O pão nosso de cada dia nada mais é do que o Maná que desceu do céu, isto é, Cristo, que também é a essência encarnada da existência espiritual. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. João 6:55. Cristo é, ao mesmo tempo, a raiz da redenção, o tronco da santificação e a seiva que nutre a fome da alma.
O único banquete que satisfaz a fome permanente de sentido para existência humana é a Pessoa e obra do Cordeiro de Deus. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele. João 6:56.
Certamente essa linguagem aqui não trata de antropofagia, mas da metáfora ligada à assimilação da vida de Cristo Jesus em nossa experiência espiritual. Uma vez que não vivemos mais governados pelo egoísmo sufocante, já que fomos crucificados juntamente com Cristo; então a vida de Cristo passa a ser o Pão diário e o apetite da nova criação.
A fome de significado que consome a nossa existência só poderá ser satisfeita pela suficiência da aceitação de Deus em Cristo Jesus. Quando nos apropriamos desta aceitação incondicional, pela fé, gerada através da Palavra de Deus e doada por Jesus, nós nos tornamos como criancinhas em festa de aniversário: alegres e descontraídas.
O Pão nosso de cada dia é uma iguaria celestial comida à mesa, até mesmo com a presença dos adversários, ou seja: os opositores são transformados em amigos pelo milagre da aceitação. Não existe mais medo do colidente. Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo; o meu cálice transborda. Salmos 23:5.
Não há inimizade inflexível no coração do Anfitrião na casa da Misericórdia. Além do que, o preço do ingresso foi pago integralmente e o convite é genérico. Não há desculpa, pois não há mais nenhuma oposição que possa dissuadir a universalidade do amor incondicional. O chamado da graça ao banquete é ecumênico.
Por outro lado, amigo convidado, não me venha com a sua marmita preparada em sua casa, nem espere pelas “quentinhas” servidas nos presídios. O Pão nosso de cada dia é-nos dado no descanso da alma pela suficiência do dono da Casa. Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados ele o dá enquanto dormem. Salmos 127:2.
Quero enfatizar: o seu saber, o seu fazer, o seu ter, bem como a sua religião não vão lhe satisfazer a fome da sua alma. Jesus foi enfático com o seu povo. Este é o pão que desceu do céu, em nada semelhante àquele que os vossos pais comeram e, contudo, morreram; quem comer este pão viverá eternamente. João 6:58.
François Fenelon disse: “é fácil confundir curiosidade intelectual com fome espiritual”. Se tivermos fome espiritual de fato; só o Pão nosso nos satisfará diariamente.

Solo Deo Glória

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