quinta-feira, 10 de maio de 2012

O ABC DO OBEDECER

O melhor juízo para avaliar uma vida espiritual, não é seu enlevo ou arrebatamento, mas sua obediência voluntária. No cristianismo autêntico, a fé e a obediência são sinônimas. O destaque da fé salvadora não incide em quanto você acredita, mas em como você age em relação ao que você crê. Como afirma J. Blanchard, a obediência não é a essência de um relacionamento correto com Deus, mas a evidência desse relacionamento. Nem todo o que diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Mateus 7:21.
O pecado tornou o homem num ser geneticamente rebelde. Há uma revolta inata contra a vontade de Deus no coração do homem natural, pois a essência do pecado é a rejeição ao senhorio divino e a insubmissão à vontade de Deus. O levante da iniqüidade produziu uma raça indisciplinada e desobediente, que insurge contra aquilo que Deus estabelece como fundamental para o desenvolvimento de uma vida equilibrada e sadia, e assim, essa obstinação só vem avultar a ira de Deus contra a resistência do homem. Ninguém vos engane com palavras vãs; porque, por estas coisas, vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. Efésios 5:6.
Ora, se o cerne do pecado é a rebeldia, a essência da salvação é a obediência. Ninguém pode considerar-se salvo por Jesus Cristo se continua sendo birrento em relação às leis de Deus. Todo cristão verdadeiro obedece naturalmente os sinais de trânsito na estrada apertada que se destina ao céu, uma vez que sua nova natureza, agora, está equipada com o propósito dócil de fazer a vontade de seu Pai celestial. Agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração está a tua lei. Salmo 40:8.
Muita gente nobre, para fugir do equívoco da salvação através da obediência à lei, denominada salvação pelas obras, tem desabado no erro oposto da salvação, sem obediência à lei. Todavia, onde a norma da palavra de Deus é soberana, o normal é obedecê-la normalmente, como bem sustenta George Swinnock: Onde o correto é absoluto, a obediência não pode ser condicional. A fé que salva é uma fé que obedece de modo habitual e voluntário, pois antes de serem atos do homem, a fé e a obediência são dons de Deus, equipando os salvos para uma vida de submissão natural. No coração, tem ele a lei do seu Deus; os seus passos não vacilarão. Salmo 37:31.
Mas, é conveniente lembrarmos aqui, que é só pela graça de Deus que o salvo pode obedecer às leis de Deus livremente. Não há qualquer possibilidade de uma obediência voluntária pela pessoa escrava do pecado, tampouco a aquiescência humilde dos salvos à vontade de Deus, sem a perfeita atuação da graça. Sabemos que a graça é o único instrumento do evangelho capaz de humilhar o ser humano, arrogante pelo pecado, sem, contudo, degradá-lo, como também, é o único meio capaz de engrandecê-lo, sem torná-lo presunçoso. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo. 1 Coríntios 15:10.
A obediência que se origina através da graça é a obediência de um filho que crê, e nunca de um escravo alarmado que se submete com medo. No evangelho de Jesus Cristo não há servidão a um legalismo dominante, mas plena submissão graciosa à lei divina. Nenhuma graça é mais poderosa do que a obediência voluntária em profunda humildade, como no caso adequado, no exemplo de Jesus: Porque eu desci do céu não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. João 6:38.
A obediência à vontade de Deus não é matéria alternativa na vida de um cristão, uma vez que a obediência a Deus é a prova mais infalível de um amor sincero e supremo por ele, como ensina Nathanael Emmons. O ABC do obedecer começa exatamente no amor. Aquele que obedece movido unicamente pelo temor, jamais conheceu o significado do verdadeiro amor. No reino de Deus obediência e amor andam entrelaçadas de tal forma que a apresentação de uma, sugere a presença do outro. Grande paz têm os que amam a tua lei; para eles não há tropeço. Salmo 119:165.
O amor e o medo se repelem mutuamente, sobretudo na questão da obediência. Não é possível alguém obedecer com medo, movido pelo amor. O medo existencial é fruto da incerteza do amor incondicional de Deus. Muitos até tentam obedecer agitados pelo medo, por desconhecerem as profundezas do amor divino, mas, enquanto o temor faz da obediência uma obrigação pavorosa, o amor torna o cumprimento dos preceitos divinos um costume favorável e isento de apreensão. No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor. 1 João 4:18.
A obediência sem amor é uma imposição cruel do dever cruciante, pois quase nada pode ser mais incômodo do que a obrigação destituída de amor. Alguém disse: Seja o que for o amor, ele não pode ser passivo, opressivo nem possessivo. Toda observância impulsionada simplesmente por mero compromisso, sem a menor afeição, não passa de uma ditadura do constrangimento, compelida aos escravos de prestígio. Todos os vossos atos sejam feitos com amor. 1 Coríntios 16:14.
Ora, se o amor é a chave da obediência, a brandura é o seu estilo. Ninguém pode obedecer significativamente os mandamentos divinos com o espírito áspero e contrariado. A prática da vida cristã não se constitui de simples comportamento formal, pois que a conduta dos legítimos filhos de Deus é uma conseqüência da atitude humilde de um coração submisso à vontade do Pai. Obedecer de má vontade é seguramente uma coação. Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. Romanos 6:17.
No fundo da submissão cristã encontra-se uma atitude de suavidade que sempre caracteriza as pessoas alcançadas pela graça. Elas não obedecem simplesmente coagidas por uma resignação sem qualquer alternativa, mas movidas pelo discernimento de terem sido aceitas incondicionalmente pela graça, preferem obedecer tudo o que Deus determina, com mansidão. Se a obediência é feita sob pressão ou conquistada na base dos interesses, não se trata da genuína experiência do evangelho. Então, Pedro e os demais apóstolos afirmaram: antes, importa obedecer a Deus do que aos homens. Atos 5:29. Em razão do contexto, nós podemos dizer que eles aqui foram firmes, jamais rudes ou deselegantes.
O amor determina o propósito da obediência e a brandura estabelece o estilo, mas o contentamento expressa o estado da alma. A verdadeira obediência da fé é uma obediência alegre, insistia Thomas Watson. Nenhum cristão autêntico pode sonegar o contentamento, quando faz aquilo que é a vontade do seu Pai. J. Blanchard vai mais adiante ao afirmar que a alegria é o resultado natural da obediência do cristão à vontade de Deus revelada. Se não há prazer no cumprimento dos mandamentos de Deus, não há qualquer valor espiritual numa obediência contrariada, porquanto os filhos de Deus têm prazer nos seus preceitos. Suspiro, Senhor, por tua salvação; a tua lei é todo o meu prazer. Salmo 119:174.
Sem alegria, a obediência desanda numa verdadeira tortura, uma vez que o descontentamento, com freqüência, acaba abrutalhando os sentimentos e empedernindo o corpo. Por outro lado, o contentamento sempre engraxa as engrenagens da alma, tornando a pessoa mais suave, sem, contudo, fazê-la complacente com a justiça da lei. O contentamento tem a capacidade de transformar um sujeito pobre numa pessoa rica, enquanto o descontentamento acaba convertendo os ricos em pobres miseráveis. O maior patrimônio de alguma pessoa consiste em viver contente, cumprindo, com alegria, a vontade de Deus. Mais me regozijo com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as riquezas. Salmo 119:14.
Amor, brandura e contentamento formam o ABC daquilo que denominamos o obedecer inteligente. Toda obediência fora desse padrão, com certeza acaba virando uma obrigação insuportável, madrinha de um comportamento puramente protocolar do mero farisaísmo legalista. Saul não levou a sério o ABC da obediência e com seu porte de monarca tentou burlar a seriedade do assunto, com o enredo ritual da diplomacia política. Mas o profeta Samuel, como se diz popularmente, não entrou na dele e pisou fundo. Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos no lar. Visto que rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei. 1 Samuel 15:23.
O reverendo Vance Havner costumava sustentar o seguinte ponto: carregar a cruz e obedecer aos mandamentos do Senhor são cláusulas que não estão anotados no rodapé
do documento, com letras minúsculas que carecem de lupa, mas escritas em negrito, bem na capa do contrato. Cristianismo é obediência, mas obediência em amor, brandura e contentamento. Assim, aquele que obedece sinceramente segundo os princípios elementares do ABC, acaba obedecendo em sua maior abrangência. Como dizia João Calvino, não podemos descansar nas promessas de Deus sem obedecer a seus mandamentos. Ensina-me, Senhor, o caminho dos teus decretos, e os seguirei até ao fim. Salmo 119:33.


Solo Deo Glória

Nenhum comentário:

Postar um comentário