quinta-feira, 3 de maio de 2012

DANÇANDO NA CORDA BAMBA


O espetáculo de quem anda sobre um cabo de aço é deveras emocionante. Sempre fico com o coração na boca quando assisto a exibição de um equilibrista pisando nas alturas, em cima de um fio de aço esticado numa espessura delgada, que à distância, parece capilar. Para mim, o contrabalançar o corpo proporcionalmente naquele caminho estreito, se constitui um feito de magnitude extraordinária no domínio emocional. Compensar os movimentos no malabarismo da corda bamba é um show à parte, mas harmonizar a soberania de Deus com a responsabilidade humana é um acontecimento muito mais notável.
No terreno que compreende a natureza espiritual é muito comum o desequilíbrio das posições teológicas inclinadas para um lado só. Freqüentemente percebemos que há correntes particulares atraindo para um estilo que focaliza apenas uma ênfase, sem considerar o equilíbrio das partes. O exagero é uma tendência de certo grupo de pessoas que se sentem confortáveis esposando essas posturas mais extremadas. Alguns acreditam que o meio termo é semelhante a mornidão de Laodicéia, que acaba em ânsia nauseante.
Mas o excesso extremista na concepção de certos postulados é que na verdade causa um incômodo terrível para os seus patronos. Abordar apenas uma faceta da questão é incorrer num equívoco perigoso na avaliação dos fatos. A experiência relacional de Deus com o homem envolve os dois lados de modo significativo. A soberania de Deus não pode anular a responsabilidade pessoal sem cair numa confusão assombrosa. A Bíblia sempre apela para uma posição sensata no que concerne a interpretação dos fatos: Esforçai-vos, pois, muito para guardardes e cumprirdes tudo quanto está escrito no livro da lei de Moisés, para que dela não vos aparteis, nem para direita nem para a esquerda. Josué 23:6.
O exagero na interpretação comumente causa um estrabismo na visão, desfigurando a realidade dos acontecimentos. A soberania de Deus não invalida a responsabilidade humana, pois foi o próprio Deus soberano quem decretou que o ser humano seja responsável pela decisão dos seus atos. É verdade que o homem no pecado não pode escolher a Deus, mas é verdade também, que o homem escolhido por Deus precisa receber de modo deliberado a escolha divina, como expressão do seu querer, conquistado pela vontade de Deus.
Não é o ser humano quem escolhe a Deus, todavia todos os escolhidos precisam receber voluntariamente aquele que o escolheu. Soberanamente Deus determinou que o homem fosse responsável pela sua decisão, pois só uma pessoa responsável pode responder positiva ou negativamente pelos seus atos. Jesus disse duas coisas interessantes: Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer. Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. João 6:44 e Mateus 16:24b.
O equilíbrio mostra que Deus escolhe a pessoa, mas a pessoa escolhida toma a decisão de seguir optativamente quem o elegeu. Há uma participação decisiva do ser moral diante da vontade de Deus. O grande perigo fica sempre por conta de posições extremadas, que ora enfatizam uma soberania sem responsabilidade humana, ora uma imposição dos encargos humanos sem a consciência da soberania de Deus. Mas observe como o próprio Cristo Jesus consegue conciliar numa única pessoa as duas naturezas que evidenciam a inteireza divina e a integralidade humana, sem a menor disparidade.
A experiência cristã genuína é bem compensada e perfeitamente adequada, levando sucessivamente em conta a soberania de Deus e a responsabilidade moral do ser humano. Não é possível admitir essencialmente um Deus justo, com um caráter déspota, nem um ser moral responsável, sem o exercício de sua decisão. Com toda certeza, Deus é soberano, mas nunca violenta a deliberação da criatura. As duas partes carecem andar juntas para produzir a estabilidade e simetria da experiência, sabendo, entretanto, que a soberania divina é a causa primeira da resolução humana.
O texto inicial mostra com clareza a tarefa do salvo no sentido de desenvolver a salvação que Deus lhe deu, mas aparentemente afirma algo contraditório, ao expor que Deus é quem consegue tanto o querer como o realizar da sua boa vontade. Contudo, não há nenhum disparate nesse texto, pois soberanamente Deus estabeleceu que mediante a graça ele iria agir no homem de tal maneira que este responderia graciosamente em cooperação com a ação divina. A salvação de Deus não extingue a personalidade nem abole a atuação do sujeito envolvido, ainda que nenhuma glória humana esteja relacionada nessa atividade. A crucificação do eu junto com Cristo, na mesma cruz, não se constitui na anulação da individualidade, tampouco preconiza o extermínio da decisão pessoal. O egocentrismo pretensioso nada tem a ver com a incumbência individual de deliberar, nem a morte do eu suprime a capacidade da pessoa assumir o compromisso conseqüente de um ser moral ajuizado. Deus não exige do homem natural uma conduta fora do seu padrão, mas pela graça confere as condições para a nova criatura responder segundo a sua vontade divina.
Deus, como pessoa, não se relaciona pessoalmente com máquinas ou coisas robóticas. Os santos de Deus não são fantoches comandados mecanicamente. Há uma forte coparticipação no relacionamento interpessoal de Deus com os seus filhos, promovidos pela soberana graça. Ainda que o homem natural não seja capaz de corresponder naturalmente aos imperativos divinos, miraculosamente Deus o habilita a responder segundo a influência prodigiosa de sua graça. Nós trabalhamos juntos com Deus e, por isso, pedimos: Não deixem que a graça que vocês receberam de Deus fique sem valor. 2Coríntios 6:1. (VFL).
A graça plena de Deus não invalida a contribuição humana no processo da salvação, apesar do ser humano não ser capaz de agir, sem a atuação efetiva da graça. A verdade bíblica mostra que a soberania divina estabeleceu no pacto eterno de sua vontade absoluta e preponderante, a participação humana no transcurso do desenvolvimento dessa salvação. Ele nos salvou e nos chamou para vivermos uma vida dedicada a Ele. Não foi por causa das nossas obras que Ele nos chamou, mas sim pela sua própria vontade e pela graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos começarem. 2Timóteo 1:9 (VFL).
A nossa vocação em Cristo visa também a nossa colaboração funcional na seqüência da vida espiritual evolutiva. Não existe possibilidade de um progresso na vida cristã com a passividade do cristão, a despeito da sua atividade ser um resultado poderoso da graça. Se a fé evangélica não se expressa no ativismo humano desenfreado, também não se manifesta através da inatividade promovida pela apática pseudograça. Nunca percebi na Bíblia uma graça indolente, pois aquele que foi alcançado pela graça se apresenta sempre como uma pessoa diligente e profundamente atuante, sem qualquer necessidade de aplausos ou reconhecimento, pois sabe que tudo em sua vida cristã é um efeito proficiente da graça.
A vida cristã autêntica é uma vida contrabalançada entre a operação soberana da graça de Deus e a obediência humana motivada totalmente pela mesma graça. J. Blanchard afirma que a obediência não é a essência de um relacionamento correto com Deus, mas a evidência desse relacionamento. Não podemos repousar na suficiência das promessas divinas sem acatar com firmeza os seus decretos. A submissão cristã não é mera resignação servil a um legalismo autoritário, mas obediência voluntária estimulada pelo amor gracioso de Deus. A graça transforma o rebelde em obediente e o leva a cumprir sua missão humildemente com voluntariedade jubilosa.
A santificação dos santos é um processo surpreendente que envolve a graça plena de Deus e a participação efetiva do ser humano conquistado pela graça. Aqui não se pode mudar a ordem sinérgica das partes, pois tudo que concerne à experiência espiritual do cristão é uma conseqüência da graça, até mesmo o desempenho a que ele está encarregado. Tudo na vida cristã é um produto da suficiência de Deus, pois ele não requer nada do homem que antes não o tenha abastecido ricamente.
A graça de Deus antecede a qualquer expediente na vida cristã, mas não elimina certa contribuição graciosa do cristão para a sua íntima evolução pessoal. Porque está escrito: Sede santos, porque eu sou santo. 1Pedro 1:15. O imperativo da santidade pressupõe a santidade oferecida pelo soberano Senhor da graça. Só pode exigir de fato a santidade dos salvos quem pode suprir de verdade os santos com as condições da santidade.
Quando o Deus soberano demanda a obediência de seus filhos é porque ele mesmo já proveu as condições para a obediência. Quando o Senhor Jesus Cristo dá o imperativo ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda a criatura, (Marcos 16:15) é porque ele já sortiu a vida dos discípulos com todas as cláusulas necessárias para essa missão, por isso, o apóstolo Paulo brada: Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação, porque ai de mim se não pregar o evangelho. 1Coríntios 9:16.

O verdadeiro cristianismo é uma dança na tensão da corda bamba. Só a graça de Deus pode realizar tudo na vida do cristão. Só o cristão equipado pela graça pode responsavelmente tomar a posição de andar sobre o fio da fé, obedecendo de coração tudo aquilo que o soberano Senhor lhe capacitou para obedecer. Sob o padrão da cruz, onde o Deus santo e o homem do pecado se identificam numa mesma pessoa, para harmonizarem as partes envolvidas no litígio da reconciliação, nós precisamos andar adequadamente na aliança da soberania de Deus que decretou o compromisso humano responsável. Amém.

Soli Deo Glória.

Um comentário:

  1. Verdade eu presiso andar, pelo fio DA FÈ, meu irmão.quanto mais eu,leio mais eu gosto.

    ResponderExcluir