quinta-feira, 10 de maio de 2012

AS BÊNÇÃOS DOS ESPINHOS

A raça adâmica, de onde todos descendemos, vive embriagada pelos louvores e todos nós sofremos com a necessidade de reconhecimento. Somos uma geração que ambiciona os lugares reservados, a mesa principal, os títulos que prestigiam e todas as considerações que nos coloquem em destaque. Queremos ser apreciados e ficamos sempre ressentidos quando os outros não nos valorizam com a avaliação que achamos merecer.
Dizem que o negócio mais lucrativo da face da terra seria comprar as pessoas pelo preço real que elas valem e vendê-las com a estimativa que elas fazem de si mesmas na cotação do comércio. Nós sempre nos valorizamos muito mais do que o mercado. Na nossa opinião, há um déficit permanente no cálculo que os outros fazem com relação ao nosso valor pessoal.
Somos uma prole alpinista que aspira ao cume da glória e nos valorizamos muito acima da tarifa praticada no tráfico das relações. Por isso, não suportamos a desatenção que os inferiores nos oferecem. A mágoa, o ressentimento e a amargura fazem parte da escala progressiva dos sentimentos dominantes que habitam as entranhas dos ensimesmados.
É muito difícil alcançar uma posição de destaque e não ter uma estima de importância que nos aquilate bem além dos outros. Sempre que chegamos a um posto mais elevado, começamos a acreditar que somos realmente melhores e merecemos um tratamento preferencial.
Aqui chegamos na crise do apóstolo Paulo. Por alguma razão da soberania de Deus, ele foi escolhido para uma revelação muito elevada, tendo chegado até ao terceiro céu. Ele admite que foi uma experiência incomum e que ouviu coisas inefáveis que não eram lícitas serem referidas aos outros mortais.
Ninguém pode ser tão especial que não caia na tentação de ser o mais importante e o melhor. Quando chegamos ao topo, por alguma razão, sempre somos invadidos por algum sentimento de singularidade e nobreza. O apóstolo também foi atingido pela síndrome da notoriedade e precisava de uma terapia especial de Deus nesta área.
Durante muito tempo, eu entendia que o espinho na carne, um mensageiro de Satanás na vida de Paulo, tinha sido uma permissão divina para que Satanás espetasse esse homem em alguma área. Eu achava que essa ponta aguda havia sido colocada pelo demônio para torturar a vida de Paulo, colocando-o numa situação de humilhação, a fim de torná-lo completamente abatido e deste modo fazê-lo modesto. Mas, um dia quando estudava o assunto, fui levado a considerar algumas nuanças do texto e perceber que não fora Satanás que havia posto o espinho na carne de Paulo, ainda que o espinho fosse um mensageiro de Satanás. Sabemos pelas Escrituras Sagradas que uma das principais tarefas do Maligno é a exaltação do homem. Sua proposta no jardim do Éden foi calcada na premissa de converter o homem em Deus e deste modo transformá-lo num ser deslumbrado consigo mesmo e exageradamente superior.
A humildade não faz parte dos objetivos satânicos e ele jamais promoveu um sentimento de submissão ou singeleza de coração. O inferno sempre patrocina as paixões intoxicadas de arrogância e de autocomiseração. Por trás das propostas diabólicas, há permanentemente uma dose de veneno suficiente para corromper qualquer relacionamento e perverter o equilíbrio emocional da mais ingênua das criaturas.
A plataforma do pecado foi uma rampa de exaltação e na base do menor dos pecados, se é que há algum, está o anseio de engrandecimento, de reconhecimento, de louvor e de glorificação. Somos uma raça de carentes, em que todos nós sofremos com o medo da rejeição, lutando com todas as armas para sermos aceitos. Ninguém gosta do rebaixamento ou aviltação da personalidade, por isso nos apegamos, com unhas e dentes, aos mais absurdos argumentos que promovam a nossa consagração e reconhecimento.
É evidente que não foi Satanás quem colocou o prego no sapato do apóstolo Paulo, uma vez que sua determinação principal era reduzi-lo a um homem cheio de si, arrogante e soberbo. Quem favorece as vaidades e promove a altivez não vai incrementar a humildade, nem apadrinhar uma vida de quebrantamento diante de Deus.
Sendo assim, temos que admitir que o espinho na carne procedia de uma origem bem diferente do estilo arrogante do inferno.
Volto a enfatizar que o espinho na carne era um mensageiro de Satanás, mas não havia sido posto por Satanás. Ele nunca iria colocar uma farpa que fosse contra os seus objetivos. Então, temos que admitir que o acúleo ou o espinho na carne de Paulo foi introduzido por ordenação divina. Foi Deus quem determinou que esta pua fincada na carne de Paulo exercesse um ministério de quebrantamento, para que ele não ultrapassasse os limites da finitude.
A graça soberana de Deus freqüentemente providencia algum meio um tanto espinhoso para tratar daqueles que são agraciados com as revelações mais elevadas do trono de Deus. Muitas vezes, aqueles que receberam uma manifestação especial precisam de um tratamento mais agudo para não cair na tentação de se considerarem melhores ou privilegiados.
A arrogância espiritual é de uma sutileza terrível. Por trás de certos mecanismos da humildade religiosa, comumente mora um perigo silencioso. Pessoas que se julgam especiais, que nos parecem discretas e submissas, guardam, com freqüência, uma emoção sufocada de importância e uma necessidade profunda de reconhecimento, que precisa da terapêutica acurada de Deus. As bênçãos dos espinhos podem ser um destes tratamentos para curar nossa síndrome de excelência. Muitas vezes, Deus nos envia algum espeto para alfinetar o balão inflado com o vento das vaidades e, deste modo, fazer murchar a pretensão de singularidade que invade nossa experiência de fé. No reino de Deus, não há lugar para os notáveis, nem camarote privativo para os nobres. Na verdade, a nobreza de Deus é laureada com a coroa de espinhos. Deus não tem filhos exclusivos, tampouco protege uma plêiade dos extraordinários. Não creio que o Senhor mantenha uma classe especial para os superdotados, enquanto os ordinários seguem um currículo regular. Mas, quando o Soberano Senhor condecora alguém com uma experiência excepcional, certamente providenciará algum grampo cravado na carne para mantê-lo bem lembrado de que esta experiência original não o faz uma pessoa formidável e excêntrica. Creio na pedagogia dos espinhos, pois desde o início, quando o pecado entrou na terra, os cardos e espinhos vieram nos manter sempre muito atentos para os efeitos da arrogância e nos fazer lembrar que não vale a pena tentar vivermos uma experiência independentes de Deus.
Os sofrimentos dos espinhos servem para demonstrar a limitação de nossa vida natural e
nos tornar cônscios da fragilidade existencial, bem como da virulência do pecado que nos incita ao altar. O homem faz parte de uma raça que se parece com uma trepadeira de tronos, sempre escalando os lugares altos. Queremos ser grandes, ilustres e notáveis, cobiçando a divindade e ambicionando a realeza. Queremos ser deuses nem que seja no panteão da carochinha e aspiramos à realeza ainda que na folia do carnaval, como rei momo. Nosso sonho de palanque bem como os desejos pelo pódio fazem parte da patologia da queda que nos torna viciados pelos patamares célebres de gente ilustre. A sedução da grandeza captura a alma dos carentes e estimula o apetite dos famintos por significado diante da platéia.
Entretanto, quando vemos o Deus absoluto se tornando homem e o Rei dos reis com uma coroa de espinhos na cabeça, somos levados a refletir sobre o verdadeiro significado da grandeza e sobre o valor dos sofrimentos que nos desvendam a importância de uma vida, cuja estimativa transcende os conceitos que só são importantes para aqueles que se importam com a vida eterna.
Eu acredito que quando nos julgamos especiais, Deus muitas vezes permite, e outras vezes nos envia, algum espinho na carne a fim de nos levar ao esvaziamento de toda a nossa presunção. O disfarce da empáfia constantemente vem vestido de uma boa imagem espiritual. Por isso precisamos de um remédio bem específico, prescrito por Deus na cruz.
Assim como foi na experiência do apóstolo Paulo, nós também precisamos da graça trabalhando em favor de nossa dependência de Deus. E sabemos que a fraqueza é o único meio de sermos conscientizados da real dependência do Senhor.
Uma pessoa que se acha auto-suficiente torna-se insuportável. Ninguém pode ser mais indomável do que um indivíduo finito e cheio de si mesmo, que supõe dirigir sua vida pelos seus próprios ditames. A autonomia é uma aberração incômoda para uma alma inepta que pretende se conduzir sem depender de Deus.

Deste modo, o Senhor providencia para os seus filhos que se acham merecedores de um tratamento exclusivo e de cuidados especiais, algum xarope de erva espinhenta para medicar, a partir dos sintomas mascarados, a altivez humana. Os espinhos da terapia divina não são agulhas de acupuntura, mas eles penetram até o ponto nevrálgico da soberba mascarada para atingir em cheio a causa do problema. Os sofrimentos dos estrepes são expressões da graça de Deus para sarar nossa pretensão de exclusividade e nossa presunção de excelência.

Se estivermos passando por algum tratamento específico em que os espetos divinos estão rasgando nossa carne, devemos dar graças a Deus porque ele está cuidando com amor da causa profunda que impede a nossa evolução espiritual. Algumas vezes, Deus precisa nos manter solitários para que tenhamos comunhão com ele. Outras vezes, ele precisa nos derribar de barriga para cima, a fim de olharmos para ele. As fraquezas sempre abrem a porta para a nossa dependência de Deus e nos mantêm submissos à sua graça. Todos os filhos de Deus precisam da disciplina do Senhor, uma vez que só os bastardos estão isentos deste cuidado. Os espinhos na carne não são manifestações de tortura divina, mas bênçãos especiais enviadas para o desenvolvimento da experiência cristã autêntica. Os tempos de dores são oportunos tempos de instrução e de comunhão. O apóstolo Paulo entendeu bem este tratamento depois de suas orações insistentes para que o Senhor afastasse dele aquele espinho incômodo. O Senhor lhe mostrou que não era seu propósito retirar o espinho, mas supri-lo com a sua graça plena: Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. 2 Coríntios 12:9.
Ele concluiu, como revelação do reino de Deus, que o poder se manifesta como uma expressão da fraqueza e que as almas mais fortes são como o vinho, que surge no lagar. O esmagamento da uva no lagar é o processo indispensável para a produção do vinho, assim como a fraqueza é o lugar correto para o derramamento do poder de Deus na vida do cristão. Por isso, ele vai além, dizendo: Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte. 2 Coríntios 12:10.
Muitas vezes, Deus lubrifica os olhos dos seus filhos com lágrimas para que vejam melhor a sua graça. O apóstolo Paulo viu no espinho um tratamento especial da graça de Deus, e percebeu que na sua fraqueza se tornava extremamente forte, com todo o poder que Deus manifestava à sua disposição. Alguém já disse que na presença das tribulações, algumas pessoas conseguem asas para voar acima do ciclone, enquanto outros compram muletas e se arrastam queixando-se da sorte. Precisamos ver, com clareza, se os espinhos na carne não são apenas agulhas cirúrgicas nas mãos do soberano Operador, suturando com a graça as feridas da alma, e, curando a doença mais insidiosa da espécie humana, a altivez.

Graças ao Senhor de toda graça pelas aflições na vida dos seus filhos, pois "as ribulações são, freqüentemente, instrumentos de que Deus lança mão, visando o nosso aperfeiçoamento espiritual". Aleluia! Amém.
Solo Deo Glória

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