Entretanto, Deus não se agradou da maioria deles, razão por que
ficaram prostrados no deserto.
Ele vinha só. Encurvado e apoiado em seu bordão.
Enquanto caminhava, ruminava as lembranças que sempre o perseguiam. Lembranças
de seu tempo no Egito. Aquilo fazia brotar em seu peito uma profunda e velha
dor. Na época, o seu ideal era ser um grande líder para o seu povo, mas o máximo
que conseguiu foi ser pastor das ovelhas do seu sogro. Caminhava determinado,
com as ovelhas para o lado ocidental do deserto. Sim, aquela visão no deserto
mudou sua vida. Ele não quis acreditar: pensou estar vendo miragens. Aquilo era
absurdo. Um arbusto em chamas, no meio daquele deserto! Logo constatou que era
real, uma sarça ardente e, o mais assombroso: não se consumia.
Assim, Moisés encontrou o Senhor no deserto. Do Deus
de seus pais recebeu a missão de dizer a Faraó: O
Senhor, o Deus dos hebreus, nos encontrou. Agora, pois, deixa-nos ir caminho de
três dias para o deserto, a fim de que sacrifiquemos ao Senhor, nosso Deus.
Êxodo 3:18b. O Senhor, que levara Moisés para o deserto, queria levar
também todo o seu povo. No deserto eles o serviriam.
O deserto é lugar de transição. É a preparação
para se alcançar um estágio mais elevado. É também o período de crise que conduz
à maturidade. Lugar de superação. É o fim da fé ingênua. A experiência no
deserto serve para nos purificar e nos expor a nós mesmos. Revela que temos medo
da liberdade e que não sabemos viver na dependência total de Deus. No deserto,
nossas ilusões são confrontadas com a verdade e nossas idéias e conceitos são
substituídos pela revelação de Deus. O deserto é símbolo de um lugar de lutas
internas e encontro com Deus. É onde ocorre o abandono dos enganos, das ambições
e desejos que arruínam a nossa alma. Não deve ser entendido apenas como espaço
geográfico, mas um estado da alma diante de Deus e de nós mesmos. Depois do
desnudamento da alma e da queda da máscara que colocamos para impressionar as
pessoas, experimentamos a quietude, o sossego, a comunhão e a amizade calorosa
de Deus. A sós com Deus, reconhecemos a nossa condição de homens caídos e nossa
total dependência da vida de Cristo em nós.
Na experiência dos homens de Deus, o deserto tem
sido um lugar para ouvir mais claramente a voz de Deus. Abraão teve que deixar a
segurança de sua cidade para peregrinar por campos e desertos e assim, se tornar
o pai da fé. Moisés, antes de se tornar o grande libertador do seu povo, teve
que experimentar o seu tormento no deserto. O
mesmo se deu com os profetas de Deus: João Batista, o último profeta, vivia e
pregava no deserto. Sobre ele está escrito: Voz do que clama no deserto:
Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Mateus
3:3b. O próprio Jesus, antes iniciar o seu
ministério público, foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, para ser
tentado por Satanás. O deserto é lugar de apego à veracidade da palavra de Deus
e de descobrimento do seu poder libertador. É o lugar de estar a sós com Deus.
Somente no Velho Testamento, a expressão
midbar aparece 267 vezes. É usada em seu sentido geográfico, porém,
representa momentos que precisamos passar para ouvir a voz de Deus. Jim
Houston escreveu: Se Deus não nos permitisse passar por ‘desertos’,
continuaríamos a ter ‘desertos’ dentro de nosso coração. O povo de Israel,
guiado por Moisés, esteve por quarenta anos no deserto, aprendendo a andar nos
caminhos do Senhor. Durante a peregrinação, os desejos velados dos corações
foram sendo revelados. Os quatro séculos
vivendo sob o domínio e cativeiro egípcio incutiram valores, hábitos e costumes
do mundo pagão na cultura e religião do povo hebreu. O povo mostrou-se
insatisfeito com o propósito de Deus; murmuração e desejo expresso de voltar
para o Egito, revelaram que o povo ainda carregava o cativeiro no coração.
No deserto, o povo de Israel desbancou Deus para
substituí-lo por um ídolo. Infelizmente, muitos de nós fazemos o mesmo. Os
nossos ídolos não assumem a forma de um bezerro de ouro, mas vêm em forma de
dinheiro, status, trabalho, família, realização e objetos de veneração. Deus não
suporta competir com ídolos, por isso, eles devem ser quebrados e virar pó. Para
o perfeccionista, Deus tem preparado o deserto da imperfeição. Para o fazedor,
há o deserto da inutilidade. Para o legalista, o deserto da fluidez. Para o
orgulhoso, o deserto da humilhação. No livro de Oséias, Deus compara
o seu povo idólatra a uma adúltera e demonstra o tratamento a ser dado. Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração. Desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias; desposar-te-ei comigo em fidelidade, e conhecerás ao Senhor. Oséias 2:14, 19-20. Viver a experiência do deserto é imprescindível para crescermos em intimidade com Deus.
O deserto é lugar de aprender submissão e
obediência. As ordenanças, as leis e os dez mandamentos não foram dados no
Egito, mas no deserto. Ron Mehl, em seu livro A Ternura dos Dez
Mandamentos, demonstra como os mandamentos são muito mais uma carta de
amor, uma mensagem terna e sincera vinda da mão de Deus, do que uma lista de
proibições sob pena de condenação eterna. Deus nosso Pai – muito mais do que
eu, um pai humano imperfeito – deseja que evitemos os caminhos destrutivos e
deu-nos, então, Sua Palavra e, especificamente, os Dez Mandamentos. Ele fez isso
por amor, querendo remover a confusão de nossas vidas... querendo nos proteger
das armadilhas e laços do Destruidor... querendo poupar-nos da devastação, da
consumição do pecado... querendo que encontremos o nosso destino como seus
filhos e filhas. Somente quando nos deparamos com Deus e
experimentamos o derramar do seu amor e de sua graça nos tornamos aptos a
entregar-nos em submissão e obediência. Ao atravessar desertos percebemos que,
viver na graça não consiste em dar vazão a nossos desejos e esperar a libertação
de Deus. Isto é tentar a Deus. Descobrimos que liberdade não consiste em fazer o
que queremos, mas aquilo para que fomos criados. Contudo, fazer e ser aquilo
para que fomos recriados só é possível na comunhão submissa e
obediente ao Senhor. O deserto é
lugar de autenticidade e verdade. Recordar-te-ás de todo o caminho pelo
qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te
humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias
ou não os seus mandamentos. Deuteronômio 8:2. Onze
semanas seria tempo suficiente para o povo de Israel ir do Egito a Canaã, porém,
foram quarenta anos de peregrinação. Isso tudo para Deus poder expurgar o Egito
de dentro de seus corações. Saíram do Egito, mas o Egito não havia saído de
dentro deles. O mesmo acontece conosco, muitas vezes não temos idéia de como
ainda estamos impregnados dos valores deste mundo pecaminoso. A palavra de Deus
diz que enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e
desesperadamente corrupto, quem o conhecerá? Jeremias 17:9. Nele estão ilusões que distorcem a verdade sobre nós mesmos e sobre a
vida. Criamos uma falsa imagem de nós mesmos, de Deus e do mundo que nos cerca e
nos revestimos de uma aura de espiritualidade, tentando enganar aos outros e a
nós mesmos. Porém, no deserto, temos a possibilidade de reconhecer quem
realmente somos. Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. João
8:32. A verdade é: nascemos em pecado, e em iniquidade fomos formados.
Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe. Ai desta nação
pecaminosa, povo carregado de iniquidade... Toda a cabeça está doente, e todo o
coração, enfermo. Deste a planta do pé até à cabeça não há nele coisa sã, senão
feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem
atadas, nem amolecidas com óleo. Salmo 51:5 e Isaías 1:4a,5b,6.
Nascemos pecadores e temos uma inclinação
incorrigível para o pecado. No deserto, os nossos pecados mais íntimos afloram e
constatamos que realmente fazemos parte de uma raça caída e
perversa.
O apóstolo Paulo exortou a igreja de Corinto para
que a cobiça não dirigisse suas ações, tal como fizeram os israelitas no
deserto. Eles se tornaram exemplos de como nãofazermos.
Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós a fim de
que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. Não vos façais, pois,
idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O povo assentou-se para
comer e beber e levantou-se para divertir-se. E não pratiquemos imoralidade,
como alguns deles o fizeram, e caíram, num só dia, vinte e três mil. Não
ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram e pereceram pelas
mordeduras das serpentes. Nem murmureis, como alguns deles murmuraram e foram
destruídos pelo exterminador. Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e
foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos
séculos têm chegado. 1Coríntios 10:6-11.
Para conter a rebeldia do povo no deserto, Deus enviou serpentes abrasadoras que mordiam as pessoas. O povo clamou a Moisés para interceder junto a Deus e então, receberam a cura. Bastava olharem para a serpente de bronze, enrolada em uma haste, e saravam. O que estava implícito neste ato era a fé. Sem fé para crer que, olhar para uma haste com uma serpente de bronze seria o suficiente para ser curado, a pessoa morria. Jesus, falando a Nicodemos sobre o novo nascimento, expressou: E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna. João 3:14-15. Nos desertos da vida, reconhecemos em nós os efeitos do veneno da serpente que enganou os nossos pais no Paraíso. Reconhecemos que somos pecadores mas, também, que o Filho de Deus pendurado no Calvário é o antídoto contra a mordedura da serpente na raça humana. Por isso, foi que também Jesus, para santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta. Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério. Hebreus 13:12-13. Cristo crucificado é o remédio para todas as enfermidades do coração. Levar o seu vitupério, é levar a nossa morte juntamente com ele. Fomos unidos a Jesus no momento de sua crucificação. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. João 12:32. Desta forma, podemos confessar: Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos. Gálatas 2:19b-20a. Romanos 6:6. Ao atravessarmos um deserto, o melhor é submeter-nos aos desígnios de Deus e deixar que o poder de sua palavra e graça opere. Logo perceberemos, o deserto é lugar de Vida.
Soli Deo Glória.
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O propósito deste blog na sua forma completa é capacitar seus leitores a entenderem a Bíblia. Apresenta instrução básica eficiente do ponto de vista bíblico. Procura remover todas as falsas pressuposições racionalistas, moralistas, antropocêntricas e idólatras que já infectaram,e, na medida desta infecção, cegaram todo homem e toda cultura deste mundo a partir da queda de Adão.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
PELOS DESERTOS DA VIDA
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