quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

PELOS DESERTOS DA VIDA

Entretanto, Deus não se agradou da maioria deles, razão por que ficaram prostrados no deserto.
Ele vinha só. Encurvado e apoiado em seu bordão. Enquanto caminhava, ruminava as lembranças que sempre o perseguiam. Lembranças de seu tempo no Egito. Aquilo fazia brotar em seu peito uma profunda e velha dor. Na época, o seu ideal era ser um grande líder para o seu povo, mas o máximo que conseguiu foi ser pastor das ovelhas do seu sogro. Caminhava determinado, com as ovelhas para o lado ocidental do deserto. Sim, aquela visão no deserto mudou sua vida. Ele não quis acreditar: pensou estar vendo miragens. Aquilo era absurdo. Um arbusto em chamas, no meio daquele deserto! Logo constatou que era real, uma sarça ardente e, o mais assombroso: não se consumia. Assim, Moisés encontrou o Senhor no deserto. Do Deus de seus pais recebeu a missão de dizer a Faraó: O Senhor, o Deus dos hebreus, nos encontrou. Agora, pois, deixa-nos ir caminho de três dias para o deserto, a fim de que sacrifiquemos ao Senhor, nosso Deus. Êxodo 3:18b. O Senhor, que levara Moisés para o deserto, queria levar também todo o seu povo. No deserto eles o serviriam.

O deserto é lugar de transição. É a preparação para se alcançar um estágio mais elevado. É também o período de crise que conduz à maturidade. Lugar de superação. É o fim da fé ingênua. A experiência no deserto serve para nos purificar e nos expor a nós mesmos. Revela que temos medo da liberdade e que não sabemos viver na dependência total de Deus. No deserto, nossas ilusões são confrontadas com a verdade e nossas idéias e conceitos são substituídos pela revelação de Deus. O deserto é símbolo de um lugar de lutas internas e encontro com Deus. É onde ocorre o abandono dos enganos, das ambições e desejos que arruínam a nossa alma. Não deve ser entendido apenas como espaço geográfico, mas um estado da alma diante de Deus e de nós mesmos. Depois do desnudamento da alma e da queda da máscara que colocamos para impressionar as pessoas, experimentamos a quietude, o sossego, a comunhão e a amizade calorosa de Deus. A sós com Deus, reconhecemos a nossa condição de homens caídos e nossa total dependência da vida de Cristo em nós.

Na experiência dos homens de Deus, o deserto tem sido um lugar para ouvir mais claramente a voz de Deus. Abraão teve que deixar a segurança de sua cidade para peregrinar por campos e desertos e assim, se tornar o pai da fé. Moisés, antes de se tornar o grande libertador do seu povo, teve que experimentar o seu tormento no deserto. O mesmo se deu com os profetas de Deus: João Batista, o último profeta, vivia e pregava no deserto. Sobre ele está escrito: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Mateus 3:3b. O próprio Jesus, antes iniciar o seu ministério público, foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, para ser tentado por Satanás. O deserto é lugar de apego à veracidade da palavra de Deus
e de descobrimento do seu poder libertador. É o lugar de estar a sós com Deus.

Somente no Velho Testamento, a expressão midbar aparece 267 vezes. É usada em seu sentido geográfico, porém, representa momentos que precisamos passar para ouvir a voz de Deus. Jim Houston escreveu: Se Deus não nos permitisse passar por ‘desertos’, continuaríamos a ter ‘desertos’ dentro de nosso coração. O povo de Israel, guiado por Moisés, esteve por quarenta anos no deserto, aprendendo a andar nos caminhos do Senhor. Durante a peregrinação, os desejos velados dos corações foram sendo revelados. Os quatro séculos vivendo sob o domínio e cativeiro egípcio incutiram valores, hábitos e costumes do mundo pagão na cultura e religião do povo hebreu. O povo mostrou-se insatisfeito com o propósito de Deus; murmuração e desejo expresso de voltar para o Egito, revelaram que o povo ainda carregava o cativeiro no coração. No deserto, o povo de Israel desbancou Deus para substituí-lo por um ídolo. Infelizmente, muitos de nós fazemos o mesmo. Os nossos ídolos não assumem a forma de um bezerro de ouro, mas vêm em forma de dinheiro, status, trabalho, família, realização e objetos de veneração. Deus não suporta competir com ídolos, por isso, eles devem ser quebrados e virar pó. Para o perfeccionista, Deus tem preparado o deserto da imperfeição. Para o fazedor, há o deserto da inutilidade. Para o legalista, o deserto da fluidez. Para o orgulhoso, o deserto da humilhação. No livro de Oséias, Deus compara
o seu povo idólatra a uma adúltera e demonstra o tratamento a ser dado. Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração. Desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias; desposar-te-ei comigo em fidelidade, e conhecerás ao Senhor. Oséias 2:14, 19-20. Viver a experiência do deserto é imprescindível para crescermos em intimidade com Deus.

O deserto é lugar de aprender submissão e obediência. As ordenanças, as leis e os dez mandamentos não foram dados no Egito, mas no deserto. Ron Mehl, em seu livro A Ternura dos Dez Mandamentos, demonstra como os mandamentos são muito mais uma carta de amor, uma mensagem terna e sincera vinda da mão de Deus, do que uma lista de proibições sob pena de condenação eterna. Deus nosso Pai – muito mais do que eu, um pai humano imperfeito – deseja que evitemos os caminhos destrutivos e deu-nos, então, Sua Palavra e, especificamente, os Dez Mandamentos. Ele fez isso por amor, querendo remover a confusão de nossas vidas... querendo nos proteger das armadilhas e laços do Destruidor... querendo poupar-nos da devastação, da consumição do pecado... querendo que encontremos o nosso destino como seus filhos e filhas. Somente quando nos deparamos com Deus e experimentamos o derramar do seu amor e de sua graça nos tornamos aptos a entregar-nos em submissão e obediência. Ao atravessar desertos percebemos que, viver na graça não consiste em dar vazão a nossos desejos e esperar a libertação de Deus. Isto é tentar a Deus. Descobrimos que liberdade não consiste em fazer o que queremos, mas aquilo para que fomos criados. Contudo, fazer e ser aquilo para que fomos recriados só é possível na comunhão submissa e obediente ao Senhor. O deserto é lugar de autenticidade e verdade. Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos. Deuteronômio 8:2. Onze semanas seria tempo suficiente para o povo de Israel ir do Egito a Canaã, porém, foram quarenta anos de peregrinação. Isso tudo para Deus poder expurgar o Egito de dentro de seus corações. Saíram do Egito, mas o Egito não havia saído de dentro deles. O mesmo acontece conosco, muitas vezes não temos idéia de como ainda estamos impregnados dos valores deste mundo pecaminoso. A palavra de Deus diz que enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá? Jeremias 17:9. Nele estão ilusões que distorcem a verdade sobre nós mesmos e sobre a vida. Criamos uma falsa imagem de nós mesmos, de Deus e do mundo que nos cerca e nos revestimos de uma aura de espiritualidade, tentando enganar aos outros e a nós mesmos. Porém, no deserto, temos a possibilidade de reconhecer quem realmente somos. Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. João 8:32. A verdade é: nascemos em pecado, e em iniquidade fomos formados. Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe. Ai desta nação pecaminosa, povo carregado de iniquidade... Toda a cabeça está doente, e todo o coração, enfermo. Deste a planta do pé até à cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo. Salmo 51:5 e Isaías 1:4a,5b,6. Nascemos pecadores e temos uma inclinação incorrigível para o pecado. No deserto, os nossos pecados mais íntimos afloram e constatamos que realmente fazemos parte de uma raça caída e perversa.

O apóstolo Paulo exortou a igreja de Corinto para que a cobiça não dirigisse suas ações, tal como fizeram os israelitas no deserto. Eles se tornaram exemplos de como nãofazermos. Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós a fim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O povo assentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se. E não pratiquemos imoralidade, como alguns deles o fizeram, e caíram, num só dia, vinte e três mil. Não ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram e pereceram pelas mordeduras das serpentes. Nem murmureis, como alguns deles murmuraram e foram destruídos pelo exterminador. Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado. 1Coríntios 10:6-11.
Para conter a rebeldia do povo no deserto, Deus enviou serpentes abrasadoras que mordiam as pessoas. O povo clamou a Moisés para interceder junto a Deus e então, receberam a cura. Bastava olharem para a serpente de bronze, enrolada em uma haste, e saravam. O que estava implícito neste ato era a fé. Sem fé para crer que, olhar para uma haste com uma serpente de bronze seria o suficiente para ser curado, a pessoa morria. Jesus, falando a Nicodemos sobre o novo nascimento, expressou: E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna. João 3:14-15. Nos desertos da vida, reconhecemos em nós os efeitos do veneno da serpente que enganou os nossos pais no Paraíso. Reconhecemos que somos pecadores mas, também, que o Filho de Deus pendurado no Calvário é o antídoto contra a mordedura da serpente na raça humana. Por isso, foi que também Jesus, para santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta. Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério. Hebreus 13:12-13. Cristo crucificado é o remédio para todas as enfermidades do coração. Levar o seu vitupério, é levar a nossa morte juntamente com ele. Fomos unidos a Jesus no momento de sua crucificação. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. João 12:32. Desta forma, podemos confessar: Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos. Gálatas 2:19b-20a. Romanos 6:6. Ao atravessarmos um deserto, o melhor é submeter-nos aos desígnios de Deus e deixar que o poder de sua palavra e graça opere. Logo perceberemos, o deserto é lugar de Vida.
 
Soli Deo Glória.

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