sábado, 23 de fevereiro de 2013

AS BÊNÇÃOS DO VALE SOMBRIO

O vale da sombra da morte pode ser uma garganta estreita, profunda e escura, no território de Israel, onde ladrões cruéis e feras vorazes aguardavam suas vítimas, para atacar. Era um lugar cavernoso, apavorante e arriscado, em que cada ovelha corria o embaraço de um súbito ataque exterminador. Era uma depressão estrangulada e fria que sufocava qualquer viandante que tivesse de cruzá-la. Alguns sugerem que neste vale havia precipícios íngremes e perigosos, grutas escuras e traiçoeiras e desfiladeiros rigorosos por onde passaria um animal por vez. Era um ermo desabitado e agreste que intimidava o mais afoito dos ovinos.

O vale da sombra da morte pode representar um tipo da estrada íntima, isolada e individual que cada um de nós tem que passar nesta nossa peregrinação. É um caminho limitado, rigoroso e restrito, sem qualquer solidariedade humana, nem companheiros de viagem. É o caminho do isolamento pessoal, da solidão profunda e da responsabilidade intransferível. O seqüestro dos amigos nos segrega no pátio particular da singularidade e temos que andar na trilha original de nossa exclusiva decisão. Como dizia Kierkegaard, a solidão é necessária ao recolhimento, ao aprofundamento de si, à transfiguração de si, à transfiguração de toda a existência. Ainda que o nascimento seja marcado por uma comitiva, não há séquito no vale da sombra da morte, ou, na insulada decisão pessoal. Todos nós temos que passar sozinhos pelo deserto do encontro com Deus.

O vale da sobra da morte é um lugar de solidão, para nos conduzir à solitude. Quando temos que ficar sozinhos, precisamos de um verdadeiro companheiro. A solidão nos mantém fora da companhia de outras pessoas; a solitude nos leva à comunhão íntima e isolada com Deus. Quando a nossa agenda fica desocupada dos compromissos com as pessoas, ganhamos espaço para a intimidade com Deus. Somente quando estamos a sós, podemos nos encontrar face a face com Ele. As grandes elevações da alma só são possíveis na solitude e no silêncio. Muitas vezes Deus nos conduz ao gargalo estreito das privações, a fim de abrir uma porta larga à comunhão com Ele. Não temerei mal nenhum, porque Tu estás comigo. Posso algumas vezes estar sozinho, mas nunca solitário, porque Deus está comigo. A presença do Senhor transforma a solidão em comunhão.

O vale da sombra da morte é uma experiência vital para a intimidade pessoal com Deus. Parece mesmo que no reino de Deus não existe ganho sem sofrimentos. Quando somos deixados em apuros temos a tendência de correr para o colo que nos pareça mais seguro. A comunhão com Deus quase sempre tem se desenvolvido a partir dos vales escuros e sombrios. O propósito das provações da vida é a edificação, não o nosso prejuízo. O ostracismo surge da irritação permanente de um grão de areia empurrando as ostras para o isolamento. Quando a ostra é ainda muito pequena, flutua na superfície da água, sem concha, como se fosse um pedaço de gelatina. Logo que a concha começa a formar-se, a ostra torna-se demasiadamente pesada para boiar, sendo puxada para o fundo do mar, agarrando-se a um rochedo, onde fica susceptível da penetração de pequenos corpúsculos irritantes e difíceis de serem expelidos. Uma vez impossi-bilitada de expulsar o corpo estranho, a ostra come-ça a fabricar um fluído que vai cobrindo o corpo irritante e endurecendo em forma de camadas.

Assim surgem as pérolas de grande valor. No vale sombrio das águas profundas e no agravamento enfadonho do grão de areia, a ostra ferida segrega contínua substância, até a criação de uma formosa pérola. O vale da sombra da morte freqüentemente se constitui num campo de tratamento de Deus para o nosso progresso. A noite faz as estrelas brilharem e os vales sombrios nos revelam a presença de Deus. Ainda que todos nos tenham abandonado, ainda que as reservas se tenham esgotado, ainda que as pedras dificultem o caminhar, uma coisa se torna cada vez mais certa: Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações. Portanto não temeremos... Salmo 46:1-2a. A presença marcante de Deus só pode ser percebida adequadamente, quando estamos passando pelo vale apertado das provações. Muitas vezes nós precisamos passar pelo sufoco para despertar da sonolência. Quando Deus nos permite atravessar o vale da sombra da morte, Ele quer nos salientar a sua presença bem real. Sempre que houver escuridão em nosso redor, pensemos: O Senhor tem um propósito. Ele deseja, antes de tudo, que tenhamos confiança nele. Uma convicção permanente da presença e cuidado de Deus deve constituir o equilíbrio de uma ovelha experiente.

O vale é da sombra da morte, mas a presença é do Senhor da vida. Se temos a consciência da companhia de Deus, mesmo que o vale seja frio, escuro e apavorante, a serenidade assumirá o controle da situação. Mesmo que a penúria esboce as suas garras, a segurança da Palavra de Deus dominará o nosso espírito. Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei. Assim, afirmemos confiadamente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem? Hebreus 13:5-6. Ainda que a sombra do vale manifeste o gelo da morte, a luz da presença de Deus acaba esquentando o coração, com a certeza de sua Palavra imutável. Se há um vale sombrio a transpor, vale a pena confiar totalmente naquele cuja Palavra vale eternamente. E disseram um ao outro: Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras? Lucas 24:32.

Quando o temor bater à porta do nosso coração, nada melhor que pedir a Jesus para atendê-la, pois corajoso é aquele que teme a Deus, mas não teme as circunstâncias, quando Deus está presente. A ovelha sempre viaja tranqüila ouvindo a voz do seu Pastor, uma vez que a turbulência do coração é acalmada pela suavidade de sua voz e pela cur-vatura do cajado. Se houver escorregões no abismo, com certeza, lá estará o Pastor encurvado na perambeira, tomando nos seus braços a acidentada. Deixemos que Deus cuide de nossas necessidades. Nós não precisamos de nada, a não ser dele. Não é o rebanho que cuida do Pastor, mas o Pastor do rebanho. Ele nos proporciona refrigério quando estamos cansados; cura-nos quando doentes; restaura-nos na caminhada; guia-nos a caminhos retos, apesar de íngremes; acompanha-nos pelo vale com vara, para defender-nos dos adversários e o cajado para retirar-nos de buracos; prepara-nos uma mesa no meio do ódio; e nos protege com os anjos gêmeos, bondade e misericórdia.

Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque Tu estás comigo

. A consciência da presença de Deus faz a diferença na hora da crise, pois os propósitos de Deus sempre contam com sua provisão. Se estamos passando pelo vale sombrio das grandes provações, consideremos este fato mais como uma bênção do que uma omissão de Deus. A soberania de Deus não é arbitrária, como alguns a julgam erroneamente, pois Deus tem suas razões, baseado em sua sabedoria infinita, as quais nem sempre decide revelar. Jesus nunca prometeu solucionar todos os nossos problemas, nem responder todos os nossos questionamentos. Ele prometeu sim, estar presente em toda a nossa existência, como garantia de sua graça. E eis que eu estou convosco todos os dias até à consumação do século. Mateus 28:20b.
 
Soli Deo Glória.

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