domingo, 3 de junho de 2012

DESARMANDO A DESARMONIA




Então Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Mateus 18:21.
Ninguém vive neste velho mundo sem atritos. As divergências provocantes e as roçaduras que deixam escoriações fazem parte dos encontros na vida. Somos pessoas diferentes, com opiniões distintas, e temos esbarrões naturais nas vielas apertadas do entendimento. Depois que o homem saiu do Éden, não foi mais possível viver entre os espinhos que brotaram com o pecado, sem termos arranhões. Todos nós exibimos alguma cicatriz emocional como evidência das trombadas que sofremos no trânsito das relações. Os hematomas são marcas do impacto sobre nosso corpo, enquanto as contusões nos sentimentos espelham as dores de uma alma friccionada pelos embates e traumas a que somos vítimas.
O nosso mundo foi invadido pela patologia maligna do pecado e o nosso planeta é a morada da violência. Há uma agressão velada coagindo o desempenho das pessoas de tal modo, que os relacionamentos se tornam tensos e constrangidos. Vivemos sobressaltados numa atmosfera de desconfiança, em que somos impelidos a reagir sempre que nos sentimos ameaçados. O ambiente na terra depois da rebeldia do pecado não favorece mais a uma convivência serena sem os mecanismos de defesa e sem as armas de ataque. Pouco tempo antes do Dilúvio, a violência já dominava as relações humanas, e a Bíblia não esconde a causa daquela hecatombe: Então disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra esta cheia da violência dos homens: eis que os farei perecer juntamente com a terra. Gênesis 6:13.
Mas a devastação daquele toró global não conseguiu afogar a natureza implicante e agressiva que caracteriza os membros da raça adâmica. Todos nós nascemos aqui com uma índole perversa onde os traços marcantes de brutalidade precisam ser coibidos pela educação firme. Mesmo assim, a metodologia educacional não consegue grandes coisas, pois a violência individual fica apenas frustrada pela repressão do medo. Freqüentemente se observa na base da conduta um certo ímpeto hostil, que evidencia os sintomas nítidos da irritabilidade agressiva, e quase nada se pode fazer para erradicar este procedimento. Somos uma raça violenta que ataca com fereza todos aqueles que contrariam nossos projetos e onde o troco não passa de um mero revide.
A agressão de hoje se torna num motivo de contra-ataque amanhã, ou simplesmente vira um vulcão de ressentimento. Uma grande parte das pessoas agredidas não consegue contra-golpear os agressores, mas desenvolve um sentimento ardido de vitimismo que imobiliza as relações e destrói qualquer programa de saúde, quer pessoal, quer social. Uma alma abusada, quase sempre, se constitui numa vida amargurada, e sendo assim, a vingança normalmente acaba tomando conta dos seus pensamentos. Mesmo que esta pessoa não devolva com a mesma moeda ao agressor, seu desgosto abole todo sentido de uma vida plena de significado e alegria. Além disso, o vitimado sempre se torna um vitimador, com a sua crítica amofinada e com o seu estilo "desmancha prazer".
Pedro ficou meio alvoroçado com o conceito de perdão que Jesus esteve tratando com os discípulos, e, num arroubo próprio do seu temperamento, apresentou um número que superava em muito toda a tradição rabínica para o assunto. Na matemática dos professores judeus os três perdões seriam mais do que justos para a mesma falta. Ninguém deve merecer mais chance do que sete vezes, ajuizou o discípulo generoso. Mas Jesus pensava numa aritmética sem fronteiras quando propôs uma operação de multiplicar. Para o Senhor, setenta vezes sete resultava num algarismo que dispensa qualquer contabilidade, criando uma disponibilidade para viver sob o modelo do perdão. O ponto aqui não é tanto uma questão de computação de números, mas simplesmente restaurar a boa reputação das relações. Jesus não estava avaliando cifras, mas decifrando a probabilidade saudável do comportamento.
Jesus veio a este mundo para realizar uma salvação capaz de deletar os arquivos contaminados com o vírus do azedume. Sua obra na cruz tinha como objetivo apagar todos os nossos pecados e nos habilitar com a sua vida ressuscitada, para sermos de fato perdoadores. Jesus nos atrai em seu corpo sobre a cruz, a fim de nos levar a morrer juntamente com ele para o pecado, e deste modo nos justificar de todas as nossas transgressões. Segundo a palavra de Deus, quem morreu, justificado está do pecado. Romanos 6:7. Ora, se fomos crucificados com ele, certamente fomos perdoados dos nossos pecados.
Sem as evidências bíblicas do indulto realizado no Calvário fica impraticável toda manifestação tolerável de absolvição. Sem a remissão completa dos nossos pecados não é possível ser indulgente para com aqueles que nos ofenderam. Aquele que perdoa verdadeiramente é sempre aquele que foi perdoado totalmente. As Escrituras são enfáticas: Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição. Colossenses 3:13-14.
Todo aquele que foi perdoado em Cristo Jesus é também um perdoador. No cristianismo o perdão não é uma preferência pessoal. Nenhum cristão pode ser uma penitenciária de segurança máxima aprisionando malfeitores, tampouco pode viver como um carcereiro trancafiando ressentimentos e amarguras. O evangelho de Jesus Cristo é a mensagem da libertação completa. A palavra profética se cumpriu na sinagoga de Nazaré: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor. Lucas 4:18-19.
Jesus é o nosso perfeito Libertador e perfeitamente competente para nos garantir as condições necessárias para sermos de fato perdoadores. Não podemos ser felizes se não formos livres, não podemos ser livres se guardamos ressentimentos em nossos corações. A humanidade nunca é tão semelhante a Deus como quando está liberando perdão aos seus ofensores. Alice Clay traz luz para este ponto com a sua consideração: Nada neste mundo vil e em ruínas ostenta a suave marca do Filho de Deus tanto quanto o perdão. Como sustenta o velho provérbio: Errar é humano, perdoar é divino. O perdão nos faz bem semelhantes à imagem do seu Filho.
Com o perdão em Cristo o pecador fica livre dos seus pecados e livre para perdoar aos seus agressores. A melhor maneira de desarmar a desarmonia é oferecendo o perdão irrestrito e incondicional. Se quisermos viver uma vida repleta de significado e cheia de alegria, precisamos navegar no leito caudaloso do perdão. Sem ser perdoado e sem se tornar perdoador o cristão não pode ser alegre, e destituída de alegria, a fé cristã se torna uma farsa. O homem só pode se tornar verdadeiramente feliz quando se encontra perfeitamente perdoado e liberto em Cristo, e ele se torna realmente liberto, quando perdoa de fato àqueles que o machucaram. Alguém disse certa vez, que se você quiser se sentir bem por pouco tempo, vingue-se. Contudo, se você quiser ter paz por todo o tempo, perdoe.
Há muita gente na igreja vivendo uma vida esquisita, pois diz que foi perdoada, mas não quer perdoar àqueles que lhe tem ofendido. Como pode uma pessoa que foi perdoada da maior gravidade do pecado, não estar disposta a perdoar àqueles que lhe tem agravado? O perdão no reino de Deus não é uma opção. Não há alternativa para os filhos de Deus, pois perdoar não é escolha, mas um imperativo categórico. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus em Cristo vos perdoou. Efésios 4:32. A essência do cristianismo é o amor, a eficiência do cristianismo é a graça e o resultado do cristianismo é o perdão que nos torna perdoados
por completo e nos faz completamente perdoadores.

Solo Deo Glória.

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