Então Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas
vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Mateus
18:21.
Ninguém vive neste velho mundo sem atritos. As divergências
provocantes e as roçaduras que deixam escoriações fazem parte dos encontros na
vida. Somos pessoas diferentes, com opiniões distintas, e temos esbarrões
naturais nas vielas apertadas do entendimento. Depois que o homem saiu do Éden,
não foi mais possível viver entre os espinhos que brotaram com o pecado, sem
termos arranhões. Todos nós exibimos alguma cicatriz emocional como evidência
das trombadas que sofremos no trânsito das relações. Os hematomas são marcas do
impacto sobre nosso corpo, enquanto as contusões nos sentimentos espelham as
dores de uma alma friccionada pelos embates e traumas a que somos vítimas.
O nosso mundo foi invadido pela patologia maligna do pecado e o
nosso planeta é a morada da violência. Há uma agressão velada coagindo o
desempenho das pessoas de tal modo, que os relacionamentos se tornam tensos e
constrangidos. Vivemos sobressaltados numa atmosfera de desconfiança, em que
somos impelidos a reagir sempre que nos sentimos ameaçados. O ambiente na terra
depois da rebeldia do pecado não favorece mais a uma convivência serena sem os
mecanismos de defesa e sem as armas de ataque. Pouco tempo antes do Dilúvio, a
violência já dominava as relações humanas, e a Bíblia não esconde a causa
daquela hecatombe: Então disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne,
porque a terra esta cheia da violência dos homens: eis que os farei perecer
juntamente com a terra. Gênesis 6:13.
Mas a devastação daquele toró global não conseguiu afogar a
natureza implicante e agressiva que caracteriza os membros da raça adâmica.
Todos nós nascemos aqui com uma índole perversa onde os traços marcantes de
brutalidade precisam ser coibidos pela educação firme. Mesmo assim, a
metodologia educacional não consegue grandes coisas, pois a violência individual
fica apenas frustrada pela repressão do medo. Freqüentemente se observa na base
da conduta um certo ímpeto hostil, que evidencia os sintomas nítidos da
irritabilidade agressiva, e quase nada se pode fazer para erradicar este
procedimento. Somos uma raça violenta que ataca com fereza todos aqueles que
contrariam nossos projetos e onde o troco não passa de um mero revide.
A agressão de hoje se torna num motivo de contra-ataque amanhã,
ou simplesmente vira um vulcão de ressentimento. Uma grande parte das pessoas
agredidas não consegue contra-golpear os agressores, mas desenvolve um
sentimento ardido de vitimismo que imobiliza as relações e destrói qualquer
programa de saúde, quer pessoal, quer social. Uma alma abusada, quase sempre, se
constitui numa vida amargurada, e sendo assim, a vingança normalmente acaba
tomando conta dos seus pensamentos. Mesmo que esta pessoa não devolva com a
mesma moeda ao agressor, seu desgosto abole todo sentido de uma vida plena de
significado e alegria. Além disso, o vitimado sempre se torna um vitimador, com
a sua crítica amofinada e com o seu estilo "desmancha prazer".
Pedro ficou meio alvoroçado com o conceito de perdão que Jesus
esteve tratando com os discípulos, e, num arroubo próprio do seu temperamento,
apresentou um número que superava em muito toda a tradição rabínica para o
assunto. Na matemática dos professores judeus os três perdões seriam mais do que
justos para a mesma falta. Ninguém deve merecer mais chance do que sete vezes,
ajuizou o discípulo generoso. Mas Jesus pensava numa aritmética sem fronteiras
quando propôs uma operação de multiplicar. Para o Senhor, setenta vezes sete
resultava num algarismo que dispensa qualquer contabilidade, criando uma
disponibilidade para viver sob o modelo do perdão. O ponto aqui não é tanto uma
questão de computação de números, mas simplesmente restaurar a boa reputação das
relações. Jesus não estava avaliando cifras, mas decifrando a probabilidade
saudável do comportamento.
Jesus veio a este mundo para realizar uma salvação capaz de
deletar os arquivos contaminados com o vírus do azedume. Sua obra na cruz tinha
como objetivo apagar todos os nossos pecados e nos habilitar com a sua vida
ressuscitada, para sermos de fato perdoadores. Jesus nos atrai em seu corpo
sobre a cruz, a fim de nos levar a morrer juntamente com ele para o pecado, e
deste modo nos justificar de todas as nossas transgressões. Segundo a palavra de
Deus, quem morreu, justificado está do pecado. Romanos 6:7. Ora, se fomos
crucificados com ele, certamente fomos perdoados dos nossos pecados.
Sem as evidências bíblicas do indulto realizado no Calvário
fica impraticável toda manifestação tolerável de absolvição. Sem a remissão
completa dos nossos pecados não é possível ser indulgente para com aqueles que
nos ofenderam. Aquele que perdoa verdadeiramente é sempre aquele que foi
perdoado totalmente. As Escrituras são enfáticas: Suportai-vos uns aos outros,
perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim
como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo isto, porém,
esteja o amor, que é o vínculo da perfeição. Colossenses 3:13-14.
Todo aquele que foi perdoado em Cristo Jesus é também um
perdoador. No cristianismo o perdão não é uma preferência pessoal. Nenhum
cristão pode ser uma penitenciária de segurança máxima aprisionando malfeitores,
tampouco pode viver como um carcereiro trancafiando ressentimentos e amarguras.
O evangelho de Jesus Cristo é a mensagem da libertação completa. A palavra
profética se cumpriu na sinagoga de Nazaré: O Espírito do Senhor está sobre mim,
pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar
libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade
os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor. Lucas 4:18-19.
Jesus é o nosso perfeito Libertador e perfeitamente competente
para nos garantir as condições necessárias para sermos de fato perdoadores. Não
podemos ser felizes se não formos livres, não podemos ser livres se guardamos
ressentimentos em nossos corações. A humanidade nunca é tão semelhante a Deus
como quando está liberando perdão aos seus ofensores. Alice Clay traz luz para
este ponto com a sua consideração: Nada neste mundo vil e em ruínas ostenta a
suave marca do Filho de Deus tanto quanto o perdão. Como sustenta o velho
provérbio: Errar é humano, perdoar é divino. O perdão nos faz bem semelhantes à
imagem do seu Filho.
Com o perdão em Cristo o pecador fica livre dos seus pecados e
livre para perdoar aos seus agressores. A melhor maneira de desarmar a
desarmonia é oferecendo o perdão irrestrito e incondicional. Se quisermos viver
uma vida repleta de significado e cheia de alegria, precisamos navegar no leito
caudaloso do perdão. Sem ser perdoado e sem se tornar perdoador o cristão não
pode ser alegre, e destituída de alegria, a fé cristã se torna uma farsa. O
homem só pode se tornar verdadeiramente feliz quando se encontra perfeitamente
perdoado e liberto em Cristo, e ele se torna realmente liberto, quando perdoa de
fato àqueles que o machucaram. Alguém disse certa vez, que se você quiser se
sentir bem por pouco tempo, vingue-se. Contudo, se você quiser ter paz por todo
o tempo, perdoe.
Há muita gente na igreja vivendo uma vida esquisita, pois diz
que foi perdoada, mas não quer perdoar àqueles que lhe tem ofendido. Como pode
uma pessoa que foi perdoada da maior gravidade do pecado, não estar disposta a
perdoar àqueles que lhe tem agravado? O perdão no reino de Deus não é uma opção.
Não há alternativa para os filhos de Deus, pois perdoar não é escolha, mas um
imperativo categórico. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos,
perdoando-vos uns aos outros, como também Deus em Cristo vos perdoou. Efésios
4:32. A essência do cristianismo é o amor, a eficiência do cristianismo é a
graça e o resultado do cristianismo é o perdão que nos torna perdoados
por completo e nos faz completamente perdoadores.
Solo Deo Glória.
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O propósito deste blog na sua forma completa é capacitar seus leitores a entenderem a Bíblia. Apresenta instrução básica eficiente do ponto de vista bíblico. Procura remover todas as falsas pressuposições racionalistas, moralistas, antropocêntricas e idólatras que já infectaram,e, na medida desta infecção, cegaram todo homem e toda cultura deste mundo a partir da queda de Adão.
domingo, 3 de junho de 2012
DESARMANDO A DESARMONIA
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