sexta-feira, 23 de março de 2012

VIDAS VAZIAS

 
Estávamos em nossa quinta viagem missionária para o Nordeste. O nosso destino era o Ceará e Paraíba. Mas antes disso, paramos dois dias em Minas Gerais, para estar com os irmãos de Visconde do Rio Branco. Na primeira noite, vimos algumas pessoas enchendo os seus colchões de ar para dormir. Entre eles estava o Ademar Miranda, um dos líderes da viagem. Encheu o colchão e deitou gostoso. Pela manhã ficamos sabendo que sua estréia de cama nova fora um fiasco. O que aconteceu? Durante a noite o colchão foi esvaziando e quando acordou encontrou-se deitado no chão duro. Surpreendente é como isto acontece com os cristãos no cumprimento da missão. Pessoas esvaziando-se, quando não completamente vazias.

Há uma crise espiritual no mundo e nas igrejas. Segundo Ricardo Barbosa, o surgimento de uma cultura gospel, vem rompendo com a identidade histórica e com o fundamento bíblico-teológico de toda a tradição evangélica. A nova geração de cristãos não procura mais a salvação da alma, mas um corpo sarado; não buscam a justificação, mas aceitação; não acreditam em renúncia, mas na auto-realização; não se interessam a amar, mas a fazer sexo; não tem mais fome e sede de justiça, mas um desejo insaciável de consumir... A grande preocupação não é mais com a santidade, a retidão, o caráter, a vida eterna, mas com o controle da celulite, com os níveis de colesterol, com a taxa de gordura, com a grife da roupa ou o sucesso profissional. O resultado são igrejas cheias de cristãos sem maturidade espiritual, melindrosos, insatisfeitos e descompromissados.

A saúde espiritual dos evangélicos não vai nada bem. O não compromisso, a superficialidade, e a falta de fundamento bíblico e teológico caracterizam a espiritualidade de hoje. Apesar de proliferar os encontros de adoração, as correntes de oração, empenho no serviço para o Reino e a aplicação nos estudos bíblicos, o resultado continua sendo vidas vazias de Deus. O muito saber e muito fazer não têm garantido uma espiritualidade genuína de paixão pelo Senhor Jesus e de renovação integral. Uma das grandes armadilhas em que as igrejas brasileiras têm caído é a opção por um evangelho light. Um cristianismo sem consistência doutrinária, que não aborda questões como pecado, cruz e a identificação com Cristo. Outro contratempo é a opção pelos extremos: de um lado, a salvação pessoal e espiritual, do outro, a preocupação com as necessidades humanas.

O pastor e escritor Ricardo Gondim tem afirmado que o movimento evangélico está chegando ao fim. O movimento evangélico tal como conhecemos está fadado ao fracasso. Para ele, o pragmatismo é a principal causa de sua bancarrota. A espiritualidade da técnica e do "como fazer" irá ceder lugar para uma nova espiritualidade. A mesma coisa tem dito o escritor Larry Crabb. Os evangélicos estão cansados de meia hora de arremedo de adoração nas manhãs de domingo, seguido de quarenta minutos de palestra motivadora disfarçada de sermão. Cada vez mais pessoas famintas estão fazendo retiros silenciosos, conscientes de um anseio por Deus e desejando sinceramente encontrá-lo. Está acontecendo uma guinada da espiritualidade.

O que se pode perceber é o alvorecer da busca de uma vida espiritual mais profunda. Uma espiritualidade mais viva, de um relacionamento mais íntimo e afetuoso com Deus. O verdadeiro Profeta está pronto para ajudar a viúva pobre fazendo o milagre da multiplicação do azeite. Será que a Igreja irá disponibilizar muitas vasilhas vazias para serem cheias pelo Espírito Santo? Deus está pronto para ocupar os espaços vazios do seu povo. Mas, quais deverão ser as características desta nova espiritualidade?

O prazer mais profundo que somos capazes de experimentar é um encontro com Deus.
Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente. Salmos 16.11. Somente uma espiritualidade integral, cristocêntrica, e com fundamentação bíblica e teológica permitirá aos jovens deixarem de flertar e ficar com o mundo. A solução é uma espiritualidade que faça ligações entre a Bíblia e a nossa realidade, entre a Pessoa de Cristo e a nossa vida, entre contemplação e ação. Uma espiritualidade viva, libertadora e transformadora - e não a espiritualidade da mesmice sem sentido e sem significado - poderá reacender as esperanças de alcançar a plenitude e a alegria que há somente em Deus.

Uma espiritualidade cristocêntrica.
Ela começa com um olhar para Jesus, pois ele é o modelo da verdadeira espiritualidade. Jesus, na verdade, é a própria vida espiritual. A vida estava nele e a vida era luz dos homens. João 1.4. O alvo final de nossa espiritualidade é chegar ao pleno conhecimento e à estatura de Cristo. até que todos cheguemos á unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo. Efésios 4.13. Jesus Cristo é o nosso modelo e nosso padrão. O caminho da transformação espiritual é o caminho percorrido por Cristo, ou seja, o caminho da cruz. Para os seus pretensos seguidores Jesus diz: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Mateus 16.24.

Uma espiritualidade cristocêntrica implica viver e agir como Jesus viveu. Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus... Filipenses 2.5. A verdadeira espiritualidade passa pelo esvaziamento de nós mesmos e por uma vida de humildade. Sem a humildade os nossos relaciomentos com Deus, e com os demais, são equivocados. Jesus Cristo tinha relacionamento de submissão e obediência a Deus e aos seus propósitos. No cumprimento de sua missão, ele fez uso das disciplinas espirituais como a oração, o jejum, o opção pela simplicidade, meditação na palavra e nos caminhos de Deus e cuidado ao próximo. Segundo Dallas Willard, Deus usa as disciplinas espirituais para moldar o nosso caráter de acordo com o propósito para o qual Ele nos tem chamado. Ele lista a solitude, o silêncio, o jejum, a frugalidade, a castidade, a discrição e o sacrifício como disciplinas de abstenção. Por outro lado, o estudo, a adoração, a celebração, o serviço, a oração, a comunhão, a confissão e a submissão como disciplinas de engajamento.

Uma espiritualidade de fortes convicções doutrinárias
. O caráter normativo da espiritualidade cristã é a revelação. A Palavra de Deus afugenta a pura subjetividade, e ponteia o caminho da fé. Ela joga luz em nosso mundo interior fazendo com que enxerguemos as nossas "gambiarras" que usamos na vida religiosa funcionando. Ela revela os nossos medos, as nossas ambições, o nosso anseio por reconhecimento e a nossa própria falência espiritual, psicológica e social. Diante do candelabro do Espírito, as pequeninas manchas do caráter não passam despercebidas. A Palavra de Deus demonstra que o nosso pecado vai além dos nossos pecados. A raiz do pecado é o nosso problema, e esta está arraigada em nós. Faz parte de nossa constituição. Como disse o apóstolo Paulo: Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. Romanos 7.14. Lançar um ataque frontal contra o pecado é inútil. Lutar com a estrutura do pecado é sinônimo de frustração e fracasso. O que fazer então? Render-se e confiar na graça apresentada por meio de Cristo.

Não há como desenvolver uma espiritualidade sem tratar primeiramente do pecado arraigado. Somente por meio de nossa união com Cristo é que obtemos vitória sobre o pecado. O apóstolo experimentava esta presença libertadora em sua vida. Estou crucificado com Cristo, e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim. Gálatas 2.20. A presença de Cristo era real em sua vida, o mesmo deve ser para nós. O segredo da espiritualidade é Cristo em vós, a esperança da glória. Colossenses 1.27.

Para também experimentarmos isso, é necessário reproduzirmos constantemente os três momentos da redenção de Cristo: a co-crucificação, a co-ressurreição e a co-vida eterna. Primeiro, a identificação com a crucificação de Cristo. Sabendo isto, que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos. Romanos 6.6. Trata-se de uma decisão moral sobre o pecado. Segundo, a identificação com a ressurreição de Cristo. Porque se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição. Romanos 6.5. A vida de Jesus passa a ser a nossa vida, gerando uma semelhança moral entre mim e Cristo. Terceiro, a participação da vida eterna, ou da vida de Cristo é o clímax desta experiência. A morte já não tem domínio sobre ele... quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus. Romanos 6.9-11. Vivos para Deus significa que é Ele quem dita o sentido, a direção e o significado de minha vida.

Uma espiritualidade integral
. Outra característica de espiritualidade genuína é o seu caráter integral, vivificador e libertador de todas as áreas da vida humana. Uma espiritualidade integral promove transformação na mente e no coração, no conhecimento e nos afetos, na contemplação e na ação. Ela implica em renovação pessoal, familiar, eclesiástica e social. Nada escapa ao controle do Espírito renovador. A sua influência se dá na nossa comunhão com Deus e com o próximo. Ele nos convence que somos aceitos por Deus independente de nossas obras, que podemos aceitar as nossas limitações e fraquezas e também aceitar e acolher o outro em uma dimensão de amor totalmente nova. ... e assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é largura, e o comprimento, e altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. Efésios 3.17.

O caminho para uma espiritualidade madura e honesta começa com a decisão de sermos vazios de nós mesmos e cheios de Cristo. Isto significa oferecermos todo o nosso ser como oferta de gratidão a Deus; oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, e sim graça. Romanos 6.14. É possível deixar de oferecer-se a Deus? Sim. É possível oferecermos somente algumas áreas de nossa vida? Sim. Mas também, é possível nos entregarmos totalmente, sendo repletos de sua plenitude e experimentarmos um grau de transformação que supere a indiferença, a incredulidade e alienação. A infusão do Espírito renova nossos pensamentos, sentimentos e vontades para uma vida de conhecimento de Cristo, de justiça e santidade. Estes requisitos são básicos para o cumprimento de nossa missão. Com toda certeza, o tanto de vasilhas que apresentarmos a Deus serão cheias e repletas do seu Ser.

 

Solo Deo Glória

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