domingo, 4 de março de 2012

20.Missões


Tendo já falado do testemunho missionário da diáspora, falta agora dizer algo do trabalho missionário ortodoxo propriamente dito, pregar aos pagãos. Desde os tempos de Joseph De Maistre, no Ocidente, a moda é dizer que a Ortodoxia não é uma Igreja missionária. Certamente, os Ortodoxos deixaram freqüentemente de ver suas responsabilidades missionárias. No entanto, a acusação de De Maistre não é inteiramente correta. Qualquer pessoa que reflita sobre o trabalho missionário de Cirilo e Metódio, de seus discípulos na Bulgária e na Sérvia, e na história da conversão da Rússia, compreenderá que Bizâncio pode reivindicar feitos missionários da mesma dimensão que o cristianismo Celta ou Romano, durante o mesmo período. Sob a dominação Turca, tornou-se impossível conduzir o trabalho missionário abertamente, mas, na Rússia, onde a Igreja permaneceu livre, as missões continuaram — mesmo se, às vezes, houve períodos de atividade reduzida — de Estevão de Perm (e até antes) a Inocêncio do Alaska e o começo do século XX. É fácil, para um ocidental, esquecer da imensidão do campo missionário que o continente Russo constituiu. As missões russas se estendiam além da Rússia, não somente ao Alaska (do qual já falamos), mas à China, Japão e Coréia.

E no presente? Sob os Bolcheviques, como sob os Turcos, o trabalho missionário não é possível. Mas as missões estabelecidas pela Bósnia na China, no Japão e na Coréia ainda existem, enquanto que uma nova missão Ortodoxa brotou, de repente e espontaneamente, na África Central. Ao mesmo tempo, tanto na América do Norte, quanto nas Igrejas antigas do mediterrâneo oriental, aonde os Ortodoxos não sofrem dos mesmos males que seus irmãos em países comunistas, começam a mostrar uma nova consciência missionária.

A missão chinesa em Pequim foi fundada em 1715 e suas origens datada de mais cedo ainda, de 1686, quando um grupo de cossacos entraram a serviço da guarda imperial chinesa e levaram consigo um capelão. O trabalho missionário em si, entretanto, não começou de fato até o final do século XIX e em 1914 havia somente em torno de 5.000 convertidos, ainda que já houvesse Padres chineses e um seminário de teologia para estudantes chineses. (Tem sido a prática das missões Ortodoxas de formar um clero local mais rápido possível). Após a revolução de 1917, longe de acabar, o trabalho missionário aumentou consideravelmente, já que um número importante de emigrantes Russos, inclusive muitos membros do Clero, fugiu em direção ao oriente a partir da Sibéria. Na China e na Manchúria, em 1939, havia 200.000 Ortodoxos (na maioria Russos, mas incluindo alguns convertidos), com cinco Bispos e uma universidade ortodoxa em Harbin.

Desde 1945, a situação mudou drasticamente. O governo comunista na China, quando deu a ordem a todos os missionários estrangeiros de deixar o país, não deu tratamento preferencial aos Russos. O clero Russo, junto com a maioria dos fieis ou foram "repatriados" a URSS, ou escaparam para a América. Nos anos 50 havia, no mínimo, um Bispo Ortodoxo Chinês, com cerca de 20.000 fieis; quanto da ortodoxia chinesa sobrevive até hoje? É difícil de dizer. Desde 1957, a Igreja chinesa, apesar do pequeno tamanho, é autônoma; já que o governo chinês não permite missões estrangeiras. Essa é, provavelmente, a única maneira que essa Igreja tem chances de sobreviver.

Isolada na China vermelha, essa minúscula comunidade tem um caminho espinhoso pela frente.

A Igreja Ortodoxa japonesa foi fundada pelo Padre, e mais tarde Arcebispo, Nicholas Kassatkin (1836-1912), canonizado em 1970. Enviado em 1861 a serviço do consulado Russo no Japão, ele decidiu desde o início trabalhar não só entre os Russos, mas, também, entre os japoneses. Depois de um tempo, dedicou-se, exclusivamente, ao trabalho missionário. Batizou o primeiro convertido, em 1868 e, quatro anos depois, dois japoneses ortodoxos foram ordenados ao Presbiterado. Curiosamente, o primeiro Bispo Ortodoxo japonês, John Ono, (consagrado em 1941), viúvo, era genro do primeiro convertido japonês. Após um período de desânimo, entre as duas grandes guerras, a Ortodoxia no Japão agora está se restabelecendo. Existem hoje cerca de 40 paróquias, com 25.000 fieis. O seminário de Tóquio, fechado em 1919, foi reaberto em 1954. Praticamente todo clero é de origem japonesa, mas um dos dois Bispos é americano. Há um fluxo pequeno, mas constante, de convertidos — em torno de 200-300, por ano, na maioria, jovens na vintena ou trintena, alguns com educação superior. A Igreja Ortodoxa no Japão é autônoma, no que diz respeito à vida interna, ficando sob os cuidados espirituais de sua Igreja-Mãe, o Patriarcado de Moscou. Apesar do número limitado de fieis, ela pode se chamar uma Igreja local do povo japonês, e não uma missão estrangeira.

A missão russa na Coréia, estabelecida em 1918, sempre foi de escala menor. O primeiro Padre Ortodoxo coreano foi ordenado em 1912. Em 1934 havia 820 ortodoxos na Coréia, mas hoje parecem ser menos. A missão sofreu, em 1950, durante a guerra civil coreana, quando a Igreja foi destruída; mas ela foi reconstituída em 1953, e uma Igreja maior foi construída em 1967.

Atualmente, a missão está sob os cuidados da Diocese Grega da Nova Zelândia.

Fora estas Igrejas Ortodoxas asiáticas, há, agora, uma Igreja ortodoxa africana, extremamente vigorosa, em Uganda e no Quênia. Inteiramente nativa desde o começo, a ortodoxia africana não nasceu da evangelização missionária proveniente de países tradicionalmente ortodoxos, mas foi um movimento espontâneo dentre os africanos mesmo os fundadores do movimento ortodoxo africano foram dois originários de Uganda, Rauben Sebansja Mukasa Spartas (Nascido em 1899, tornou-se Bispo em 1972, morreu em 1982) e seu amigo Obadiah Kabanda Basajjakitalço. Criados na tradição anglicana, foram convertidos à ortodoxia nos anos 20, não como resultado de qualquer contato pessoal com outros ortodoxos, mas através de suas próprias leituras e estudos.

Nos últimos 40 anos; pregaram energicamente sua fé recém-descoberta a seus compatriotas africanos, desenvolvendo uma comunidade que, segundo alguns relatos, conta com mais de cem mil pessoas, a maioria do Quênia. Em 1982, após a morte do Bispo Rauben, havia dois bispos africanos.

Inicialmente, a posição canônica da ortodoxia Ugandense era duvidosa, pois originalmente Rauben e Obadiah estabeleceram relações com uma organização surgida nos Estados Unidos, a "Igreja Ortodoxa Africana," a qual usava o título de Ortodoxa sem nenhuma conexão com a comunhão ortodoxa verdadeira e histórica. Em 1932 foram ambos ordenados por um certo Arcebispo Alexander da tal Igreja, mas pelo final do mesmo ano, ficaram cientes da situação duvidosa da "Igreja Ortodoxa Africana." A partir desse momento, cortaram todas as relações com ela e contataram o Patriarcado de Alexandria. Somente em 1946, quando Rauben visitou Alexandria, em pessoa o Patriarcado reconheceu oficialmente a comunidade ortodoxa africana em Uganda e recebeu-a sob sua proteção. Mais recentemente, o elo com Alexandria tem se fortalecido e desde 1959, um dos Metropolitas do Patriarcado — um Grego — está encarregado de responsabilidade especial pelo trabalho missionário na África Central. Ortodoxos africanos foram mandados para estudar a teologia na Grécia e desde 1960 mais de oitenta africanos foram ordenados Diáconos e Presbíteros (até esse ano, os únicos Padres haviam sido os dois fundadores). Em 1982, um seminário para tratamento de Padres foi inaugurado em Nairóbi: muitos africanos ortodoxos têm grandes ambições e estão ansiosos para largar ainda mais suas redes. Nas palavras do Padre Spartas: " E, eu acho, que, em pouco tempo, esta Igreja vai incluir todos os africanos e, com isso, tornar-se uma das principais Igrejas da África (citado em F.B. Welbourn, "Rebeldes Africanos Orientais," Londres, 1961, p.83; este livro relata de maneira crítica, mas não insensível, a Ortodoxia em Uganda). A ascensão da Ortodoxia em Uganda deve, com certeza, ser vista na ótica do nacionalismo africano: um dos atrativos evidentes do cristianismo ortodoxo, aos olhos dos Ugandenses, é o fato dele ser completamente desvinculado dos regimes coloniais dos últimos cem anos. Ainda assim, apesar de algumas notas políticas, a ortodoxia na África central constitui um movimento religioso genuíno.

O entusiasmo com o qual estes africanos aceitaram a Ortodoxia tem atiçado a imaginação do mundo Ortodoxo e ajudou a despertar o interesse missionário em vários lugares. Paradoxalmente, até agora, na África, foram os africanos mesmo que tomaram a iniciativa e se converteram à Ortodoxia.

Talvez os Ortodoxos, encorajados pelo precedente ugandense, irão, agora, fundar missões em outros lugares por sua própria iniciativa, em vez de esperar que os africanos venham a eles. A situação "missionária" da diáspora tornou a Ortodoxia mais consciente do significado de sua tradição: não poderá um envolvimento mais marcado na evangelização ter o mesmo efeito?

Todo corpo cristão é confrontado hoje em dia a graves problemas, mas talvez os ortodoxos tenham maiores dificuldades que os outros. Na Ortodoxia contemporânea, não é sempre fácil "reconhecer a vitória sob as aparências externas de um fracasso, de discernir o poder de Deus se realizado na fragilidade, a verdadeira Igreja dentro da realidade histórica" (V.Lossky, Teologia Mística da Igreja Oriental, p.246); mas, se existem fraquezas evidentes, existem, também, vários sinais de vida. Quaisquer que sejam as dúvidas e ambigüidades das relações Igreja-Estado nos países comunistas, a Ortodoxia, no presente como no passado, tem seus mártires e confessores. O declínio do Monasticismo Ortodoxo, óbvio em muitas regiões, não é universal: há centros que podem vir a ser a fonte de uma ressurreição monástica no futuro. Os tesouros espirituais da Ortodoxia — Por exemplo, a Filocalia e a oração de Jesus — longe de haverem sido esquecidos, são usados e apreciados cada vez mais. São poucos os Teólogos Ortodoxos, mas alguns — freqüentemente estimulados por estudos ocidentais — estão redescobrindo elementos vitais de sua herança teológica. Um certo nacionalismo míope está atrapalhando o trabalho da Igreja, mas há tentativas, em número cada vez maior, de cooperação. Missões existem numa escala ainda muito pequena, mas a Ortodoxia está demonstrando maior entendimento de sua importância.

Nenhum Ortodoxo realista e honesto consigo próprio pode se sentir confortável sobre o estado atual da Igreja; por outro lado, mesmo com seus muitos problemas e omissões, a Ortodoxia pode, ao mesmo tempo, olhar para o futuro com confiança e esperança.

Solo Deo Glória

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