sábado, 28 de abril de 2012

OCUPANTES DE UMA OCUPAÇÃO OCA

Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade.
Eclesiastes 1:2


Todas as evidências indicam que Salomão é o autor deste livro bíblico. O seu título vem do grego ekklesiastes, que, em português, significa “pregador”. Esse termo, por sua vez, deriva da palavra ekklesia, podendo ser traduzida por “assembleia”, “congregação” ou o nosso verbete mais familiar, “igreja”.


O vocábulo ekklesiastes, na Septuaginta, a versão grega do Antigo Testamento, foi uma versão da palavra hebraica Qoheleth, que quer dizer: “alguém que chama ou reúne” o povo. Assim, Salomão procurou reunir o povo para falar de uma vida oca de significado, usando, cerca de 38 vezes, a palavra vaidade ou vacuidade, isto é: vazio.


Vivemos num mundo frívolo em desvanecimento. Tudo aqui é passageiro. Além do que, a vida do ego se carateriza pela futilidade de suas ambições extravagantes. Foi com esta luneta que Salomão considerou os astros vaidosos da constelação do egoísmo.


Ele escreveu este livro no final de sua jornada, depois de ter experimentado todas as facetas da vaidade em seu estilo de viver como estrela cadente. Ele foi um homem picado pelo vazio existencial, mas, parece que no final da picada, achou o sentido real da vida.


O ser humano destituído de uma intimidade relacional profunda com Deus é um ser sem significado eterno e vazio. Salomão procurou mostrar aqui, em seu canto de cisne ou em sua última cartada, que nada neste mundo escapa ao conceito da insignificância. O fazer, o ter, o saber, o poder e até mesmo o ser, sem Deus, é pura vaidade.


Somos uma raça oca investindo em nada, embora alucinada por um significado real. Vivemos em busca do preenchimento de todo espaço vazio com coisas insignificantes.


 
 
Veja bem como o rei Salomão avalia toda essa labuta humana: Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento. Eclesiastes 1:14. Não sobrou nada. Toda a nossa ocupação parece vã. É perda de tempo nos preocupar com aquilo que não nos proporciona algo de valor eterno.


A pessoa que se ocupa em buscar o sentido da vida apenas em sua ocupação, quando esta lhe for tirada e tal pessoa ficar desocupada, com certeza, acabará perdendo todo o seu sentido de viver. Muitos aposentados morrem logo depois que se aposentam. Outros procuram preencher esse vazio com algo, seja lá o que for, a fim de encontrar um sentido para a sua vida, que subsiste desmotivada.


Eu creio que o trabalho seja uma das bênçãos da criação, bem como um atributo da natureza divina. Mas a realização pessoal adquirida pelo seu esforço cheia de cansaço em tudo o que faz, é consequência do pecado. Não me venha com apologia por aqui.


Por favor, não pensem, também, que estou defendendo uma vida ociosa, inútil, sem propósito; conquanto eu mesmo admire, de coração, esse ócio criativo, por vê-lo muito produtivo. Acredito muito mais numa existência liberta dessa tirania executiva, quando eu mesmo entro no descanso acolhedor da aceitação incondicional do meu Abba. Para mim é muito gratificante viver e agir a partir da minha aposentadoria no amor de Cristo.


Deixe-me tentar explicar este ponto de vista singular. A semana velha do Antigo Pacto começava com seis dias de trabalho árduo, para depois encontrar o descanso, no final das contas, como um resultado do seu esforço estafante. O descanso era uma remuneração do desempenho bem sucedido. Isto vinha como o resultado do suor que caiu do rosto laborioso. Neste caso, era o mérito quem determinava as férias.


O modelo que Salomão apresentava de desempenho exaustivo, mas repleto de nonada, tinha como matriz esse velho esquema da “troca de favores”, em que a moeda circulante dependia do valor pessoal e da meritocracia dos excelentes. Isso, não só exibia sua nulidade essencial, isto é, o que eu fazia não valia nada, pois é efêmero; como ainda mostrava a vaidade existencial ou a arrogância do meu pobre eu, um executivo mortal.


Esse investimento insistente naquilo que está destinado ao fogo e patrocinado por uma glória em que o trono encontra-se numa lápide, lamento dizer: é lastimável. Gastar a nossa existência na terra só realizando coisas que vão perecer, ou esperando uma honra que fica sepultada, constitui-se numa maratona inatingível, correndo atrás do vento.


Sou, sim, a favor do labor proativo que visa os valores eternos. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo. João 6:27.


Trabalhar por uma subsistência que nos é dada graciosamente me parece muito, mas muito melhor que tentar conquistar por esforço aquilo que é inconquistável. Ninguém pode ser possuidor de qualquer bem aqui na terra. No máximo, pode ser mordomo.


Se a antiga semana propunha o descanso como um salário do trabalho concluído, a nova semana da graça faz com que o descanso seja a causa do trabalho, por eterna gratidão. Essa mudança de mentalidade entre a sexta-feira da paixão e o domingo da ressurreição torna o tempo sabático como causa de um trabalho radiante.


Na lei, o ser humano deveria desempenhar bem o seu encargo para poder depois descansar. Na graça, o filho descansa por causa do amor do Pai revelado no Calvário e sai para trabalhar com alegria, em razão de sua aceitação incondicional.


Aqui temos a diferença entre o odre velho e o novo; o judaísmo e o cristianismo. Para a religião judaica o êxito é fruto da obediência do praticante que o executou com o seu empenho. No evangelho, por outro lado, o sucesso é consequência de uma herança.


A religião faz do fiel vigoroso um executivo diligente, exigindo dele uma sujeição obtusa e cruel. O evangelho faz do indigente infiel, desse mendigo indigno que vive catando sentido no lixo do pecado, um filho legítimo do Pai celestial e promove a sua obediência voluntária pela subvenção do amor incondicional. Nenhum dos filhos de Abba vive instigado pelo ferrão do dever ou assustado com as exigências do medo.


Entre o trigal na igreja de Cristo Jesus, existe uma plantação de joio transplantado do judaísmo que é denominado de joio judaizante. Essa turminha se parece com cristão, mas, na verdade, é religiosa ao extremo. Tem uma linguagem semelhante, contudo, sua ênfase é a conduta moral do humanismo legalista. É uma tribo zelosa da aparência, mas sem entendimento. Tem cara de piedade, embora viva numa prisão do medo.


Na casa do Amor não há pancadaria nem pânico. Apesar da lida e de sua fadiga, não há estafa. A condição de filho e, portanto, de herdeiro de Deus, remove a pressão da mentalidade de gerente. A motivação do serviço cristão é diferente dos requisitos da religião. Todos os vossos atos sejam feitos com amor. 1 Coríntios 16:14.


Quem for filho do Deus amoroso agirá sempre com a natureza herdada do seu Pai. Veja esse velho ditado: “filho de peixe, peixinho é”. Nunca ouvi dizer que uma piaba tivesse se matriculado numa escola de natação para aprender a nadar. Tudo faz crer que o amor nos filhos de Deus é também uma expressão natural de sua natureza regenerada.


O modelo religioso requer metas úteis de execução. Para você poder ser aprovado é forçosa a satisfação de certas tarefas. Mas a postura de filho é uma questão familiar. Os descendentes não preenchem funções para serem herdeiros. A filiação é uma questão de origem genética e a intimidade é relacional. Abba não tem funcionários, nem escravos, mas filhos legítimos que são amados e amam legitimamente.


Para responder logo àqueles que costumam contestar, os filhos do Pai são servos, sim, do Irmão mais velho. No modelo bíblico, o primogênito é o senhor e os irmãos, seus servos. No caso de Cristo, nós também somos seus servos, mas voluntariamente, pois foi para isto que ele nos libertou. No reino de Deus não há serviço sob pressão.


Há muitos empresários da religião querendo se passar por filhos de Deus. Mas eles apenas são ocupantes de uma ocupação oca de qualquer sentido. Como disse o filósofo e matemático Blaise Pascal, “que vaidade constitui a pintura! Ela recebe aplausos apenas por representar coisas, enquanto que os originais nem mesmo são admirados”.


Como uma pessoa vazia de amor poderá querer viver a plenitude da filiação divina, quando ela é tão somente uma mera caricatura da realidade? Escravo não é filho, nem pode ter essa condição. Ora, se Deus for amor de verdade e um Pai amoroso, com toda a certeza, os seus filhos, no mínimo, manifestam essa natureza no que fazem.


Não me falem em amadurecimento neste caso. Amor é amor. Talvez a piaba não possa nadar tão bem como um dourado de 8 kg, mas ela nada com desenvoltura. Você e eu, como filhos de Deus, podemos não amar plenamente como Deus nos ama, mas amamos com uma porção da plenitude do seu amor derramado em nossos corações.


A religião tenta identificar sua espécie pela conduta externa, pela “santidade” de fachada, pelo conhecimento armazenado, enquanto o evangelho da graça revela o amor do alto como a identidade singular dos filhos de Deus. Jesus afirmou com precisão que os seus discípulos seriam identificados apenas pelo amor. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros. João 13:35. Aqui não há vaidade, pois esse amor não é dele, foi derramado em seu novo ser.


A vida cristã autêntica começa com o Pai nos fazendo morrer com Cristo crucificado, para, em seguida, sermos substituídos pela vida de Cristo ressurrecto. Cristo em nós é a essência do evangelho e a consciência de que o amor do Pai se manifesta através de cada um de nós. Assim, ninguém pode se envaidecer desta vida doada imerecidamente.


Não há vaidade em quem é nada, embora, Aquele que viva nele seja o tudo. Nunca se ouviu falar de um morto vaidoso. A vida cristã dispensa o ego por causa da sua morte na cruz com Cristo, sendo substituído pela vida suficiente de Cristo na ressurreição.


Todo aquele que tenta viver a sua vida por conta própria, encontra-se ocupado numa ocupação oca. Mas aquele que foi substituído pela vida de Cristo tem o seu vazio interior ocupado por Aquele que é o significado de uma humanidade aceita no amor eterno.


 

 

Glória a Deus pela suficiência da graça e pela nossa aceitação furiosa no amor do Pai. Glória a Deus pela evaporação de qualquer vaidade nesse processo de identidade como filhos de Deus, sem a menor exigência de mérito. Glória a Deus porque podemos viver tranquilamente no descanso como aposentados pela suficiência de Cristo.


Solo Deo Glória

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