sábado, 21 de abril de 2012

A CRUZ COMO PRIMEIRA CRIAÇÃO



“E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás?” Gên 3: 9

Este texto vem nos apresentar uma impossibilidade aparente, uma vez que não poderia haver nenhum tipo de relacionamento entre Deus e os seres humanos após a queda. Visto que logo após a transgressão, os seres humanos deveriam ser lançados para a inexistência, conforme a palavra de Deus sentencia. “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás. Gênesis 2:17”.


Porém, o que podemos perceber é a essência graciosa de Deus se manifestando, pois mesmo após a queda, há uma busca por relacionamento por parte do Senhor e se há essa busca é porque algo aconteceu e sustenta essa relação, o que, num primeiro momento, faz do fato uma informação conflitante e paradoxal, pois, com a cisão provocada pelo pecado, o chamado de Deus em busca do homem não faz absolutamente nenhum sentido.


E mais, como coroa da criação, a não existência dos seres humanos exigiria a destruição de tudo o que fora criado, uma vez que para Deus o centro do universo não é o sol nem a terra e sim a vida. O que sustenta a existência do universo, e de toda a criação, que manifesta vida, é a Graça de Deus. E para que possamos compreender como o processo se dá sem ferimento à palavra de Deus, bem como, evitar a apressada interpretação de que a Graça ignora ou se sobrepõe à Justiça Divina, são necessárias algumas considerações.


Em nosso formato lógico de interpretação linear moldada e determinada pelo kronos, somos induzidos a crer que a Graça é um favor imerecido que somente apareceu, ou se fez necessário, após o desdobramento histórico da queda. É justamente deste raciocínio que resulta nosso equívoco. Pois a verdade da Palavra de Deus nos mostra que antes mesmo da criação,

o precioso sangue como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, isto é, com eficácia, já era antes mesmo da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos por amor de Deus a nós.” 1 Pedro 1:19-20.




Isto porque Deus em sua soberania sempre soube da escolha humana pela rebelião e a rebelião preferida em liberdade. Pois a verdadeira liberdade, aquela que é um atributo divino, e que, portanto possibilita real escolha, resultaria no rompimento com o Criador. Não que o Senhor nos destinará à queda, mas de antemão sabia das consequências da nossa escolha existencial. Ele é onisciente!


Não há no cosmos outro lugar de habitação para os seres humanos senão em Deus, aliás, nada existe fora Dele, sendo esta a percepção revelada pelo Espírito e trazida pelo apóstolo Paulo quando proclamava o evangelho em Atenas no Areópago diante dos filósofos epicureus e estóicos, dizendo acerca de Deus, para o buscarem se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos. Atos 17:27-28a.


Isto nos esclarece de forma contundente, que a desobediência, ou seja, a escolha pela ruptura com o Senhor, significaria automaticamente uma escolha pela morte (certamente morrerás) ou não existência, tendo em vista que Deus é a vida. E que romper com Deus é romper com o único lugar possível para a existência.


Todavia, se aqui estamos vivos, num primeiro momento, nos deparamos uma vez mais com a perplexidade inicial de que a palavra de Deus não se cumpriu ou que fora desconsiderada, o que nos causa maior espanto ainda, certos de que a justiça de Deus fora ultrajada em nome da Graça, pois como poderia Deus sustentar em si, seres pecadores, já que nada que existe, existe fora de Deus?


Cremos que é pela essência graciosa do Senhor, e unicamente por isto, que Ele providencia nossa justificação conforme o mesmo Paulo apóstolo nos consola em Romanos 5:18,20 e 21:

“Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida. Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça, a fim de que, como o pecado reinou pela morte assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor.”




O que se nota é que mesmo a ruptura com o único lugar de habitação, nos é providenciada uma morada pela trindade a qual é edificada sem ferimento de sua justiça, antes a executa. O que nos deixa atônitos quando ouvimos a voz que indaga pela nossa ausência: Adão onde estás?


A criação é em essência fruto da redenção. A criação só foi possível porque Deus assumiu todas as implicações do seu caráter e de sua Palavra que por amor prefere redimir a aniquilar. Deus por causa de seu muito amor com que nos amou, decide por manter a criação existindo. Contudo, como ficou a natureza dos rebeldes? Mais uma vez nos deparamos com ambiguidades.


A Natureza caída nos é relatada por Paulo em Romanos 3:10b-12: “Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, a uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nenhum sequer”. Mas ao olharmos para o mundo a nossa volta, nos deparamos com pessoas que não entendem nada de Deus, mas que ainda assim amam seus filhos.


Estas pessoas nada sabem de Deus, mas ainda assim, possuem algum censo de justiça; nada sabem do Senhor, mas, algumas são profundamente éticas. Ora, sabemos que a nossa natureza é conforme a Palavra de Deus nos diz, no entanto, se é possível afirmar que essa bondade pode ser percebida é porque Deus nos empresta; e assim nos exorta o Espírito através do apóstolo Tiago na sua carta Cap. 1:16 e 17: Não vos enganeis, meus amados irmãos. Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança. Portanto toda bondade é de Deus, mesmo que o receptor, por causa do orgulho, não a reconheça, e credite, a seu coração corrupto, o mérito de ser a fonte de suas ações bondosas.


Conclui-se então, que toda criação está sob a graça de Deus, e que não há nada nem ninguém fora dela. Não digo com isso que todas as pessoas são salvas, uma vez que a salvação está relacionada com a fé em Jesus, o Filho de Deus. Porém, afirmo que se Deus procura por alguém é porque esse alguém existe e se existe é porque Deus quis, amou e graciosamente os criou, para o relacionamento.


A criação é precedida pela graça. Não a graça redentora, mas a graça comum e preventiva, a qual faz da criação possibilidade, e da sua manutenção, isto é, da vida continuada e sustentada pela graça, um espaço temporal, para que diante da insistência de Deus em nos comunicar seu amor, mediante a pregação do evangelho, do Cristo crucificado, haja espaço para o arrependimento e retorno da rebelião, mediante a fé em Jesus Cristo.


A saída da rebeldia só é possível pela graça especial e redentora do Senhor, a qual nos leva a crer na obra de Jesus Cristo na cruz do calvário, que destrói e aniquila o velho homem, aquele que deveria ser fulminado após a queda, mas que pela graça de Deus é agora na cruz desintegrado e desfeito.


Na cruz todos morrem a morte de Adão, e na ressurreição, recebem a vida que vence a morte, a saber, a vida ressurreta por Deus em Cristo. Assim é o Evangelho: quem crê nele (em Jesus) não é condenado, mas quem não crê já está condenado porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. João 3:18.


Pedindo licença poética, imaginemos um diálogo entre a trindade. O Pai sugere a criação do Homem a sua imagem e semelhança. O Espírito Santo chama a atenção para o fato de que criá-los a sua imagem e semelhança implicava dotá-los de liberdade, decorrendo de que a trindade é livre!


Esta liberdade se faz necessária, tendo em vista um relacionamento significativo, porém, traz em si o risco da queda. Como Deus habita a eternidade, sabe que a escolha do homem seria rebelar-se. O Pai sugere então responsabilizar-se pelos erros. O Espírito salienta que para isso uma das pessoas da trindade deveria se tornar como a criatura, vencer onde os humanos fossem derrotados, morrer a morte deles, satisfazendo assim a justiça eterna.


Todo esse processo deveria ocorrer sem intervenção direta da trindade e caso o sacrifício fosse aceito, aí então a conquista seria atribuída à criatura. Nesse momento o Filho assume a missão e diz ao Pai: “Pode criá-los, pois eu serei aquele em quem tu encontrarás total contentamento. Eu sou aquele em quem encontrarás satisfação tal qual suplantará toda ofensa. Vencerei onde eles fracassarem e oferecerei o sacrifício para justificação, expiação e redenção fazendo da minha morte a morte deles, para quando a ressurreição se realizar, a minha vida seja a vida deles, e aí sim, eu neles, desejar-te-ei”.


Citando Paulo, quando este, usado pelo Espírito, nos diz: Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criação. Pois nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. Ele é a cabeça do corpo da igreja; é o princípio, o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência. Pois foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus. Cl 1: 15-20.

Sendo assim, a viabilidade da Palavra de Deus, que é poderosa para criar todas as coisas, só se tornou plausível, porque nos tempos eternos, antes de Deus dizer haja luz, Deus disse, haja cruz.


Solo Deo Glória

Nenhum comentário:

Postar um comentário