“E por que não dizemos, como alguns caluniosamente afirmam que o fazemos: Pratiquemos males para que venham bens? A condenação destes é justa. Romanos 3:8.”
Ha uma imensa dificuldade no gênero humano caído, em compreender a graça de Deus. O Dr. Martyn Lloyd Jones, ao falar sobre a pregação do evangelho da graça de Deus, faz a seguinte afirmação: “Se ao pregar o evangelho da graça de Deus em Cristo Jesus, você não for mal interpretado, muito provavelmente você não pregou a graça”. Por meio de alguns trechos da carta de Paulo aos romanos podemos identificar que, o apóstolo também passava por dificuldades como esta em seu ministério.
Não é desta pseudo-graça que estamos falando, e sim, da graça escandalosa, que reflete a loucura de um Deus extravagante em amor que, a partir da cruz, subverte toda sabedoria humana e
o pretensioso senso de justiça do homem. Que lança por terra todo o medo de Deus, pela grandeza do Seu amor por nós; que tira de nós a tentação de nos aproximar Dele por interesse, tendo em vista que Ele, de maneira irrevogável, nos dá tudo em seu filho Jesus Cristo, para que também, não tenhamos medo de sofrer perdas.
Esta é Graça que nos liberta da escravidão do culto à performance, isto porque, Nela, encontramos um Deus único, que não está a procura de atletas espirituais para se divertir com eles, os observando na arena do coliseu da religião, enquanto digladiam entre si para ver quem será o maior no reino de Deus, mas, um Pai, que veio buscar apenas filhos. Filhos que choram com fome, aos quais Ele tem que alimentar. Filhos que muitas vezes lhe dão trabalho, os quais Ele tem o prazer de educar e ensinar o caminho da vida.
Estes filhos são a expressão da carência, para os quais Ele tem que ser tudo. Filhos que têm a ousadia, em Cristo Jesus, de lhe chamarem de Pai, pois não estão sustentados em si mesmos, em seus êxitos, méritos ou justiça, e sim, no êxito, nos méritos, na justiça e vitória de Cristo na cruz do calvário, assim como, no amor do Pai que foi expresso em Cristo crucificado, amor este do qual nada mais pode separá-los.
Muitos têm a coragem de chamar isto de jejum, e por isso tropeçam na palavra de Deus que diz: Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como menino, de maneira nenhuma entrará nele. Marcos 10:15.
Para estes, amar maltrapilhos e fracos é uma desonra para Deus. A projeção que eles fazem de Deus é outra. Seria motivo de grande alegria para eles, se Deus, ao invés de ser o Pai gracioso revelado em Cristo, fosse uma espécie de adestrador de cães, capaz de recompensá-los cada vez que conseguissem fingir-se de mortos ou, quem sabe, um personal training que, a partir de exercícios cada vez mais pesados, pudesse deixá-los cada vez mais robustos, se achando melhores que os demais.
Paulo estava sofrendo com estes falsos irmãos, pois, como não tinham a revelação da graça, lidavam com ela, não a partir do novo homem inaugurado em Cristo Jesus, mas a partir do velho homem, Desta forma, não conseguiam entender o conceito de “graça”, por isto afirmavam que o que Paulo dizia era: “façamos o mal, para recebermos o bem”.Para estes a graça é loucura. Porém, para os alcançados pela graça, loucura é a distorção do evangelho que eles promovem.
E, por não entendê-la acham que a graça é um convite à promiscuidade, à mentira e ao pecado, pois desconstroem os mecanismos de punição sustentados pela “lei”, que até então era a ferramenta mais eficaz para contê-los. No fundo, têm medo da liberdade, uma vez que não conseguem ver que a liberdade que a graça traz é justamente a libertação do pecado: Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna. Romanos 6:20.
Sem cruz não existe verdadeiramente a percepção da graça. O problema é que a cruz pressupõe a morte do pecador e muitos querem apenas o ambiente cristão, os valores cristãos, a ética cristã, mas ninguém quer morrer, “negar a si mesmo dia a dia tomar a sua cruz e seguir após Jesus”. Nasce ai a primeira razão pela qual a graça é tão odiada, como ressalta Karl Barth.
A solução que a igreja tem encontrado para resolver este problema é igualmente absurda. Ao invés de crermos no evangelho da graça e pregarmos com convicção e coragem, crendo que o evangelho da graça de Deus em Cristo Jesus é o único poder capaz de transformar um filho do diabo em filho de Deus, tal como revelado nas escrituras: Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Romanos 1:16; preferimos adulterar a mensagem mantendo o pecador como está; nos contentando com um filho do diabo bem educado e com um evangelho 99% gracioso, que nada mais é do que um pseudo-evangelho, 100% falso e ineficaz.
Outro problema que talvez suscite a possibilidade da expressão de romanos 3:8 perder sua qualificação de absurdo, é que os filhos de Deus têm deixado de meditar na palavra de Deus. Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. Mateus 22:29. Com isto acabam vivendo “por vista”e deixando de lado o único modo de vida pelo qual um filho de Deus pode viver em comunhão com seu Pai. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé. Romanos 1:17. A fé traz a realidade eterna e escatológica do nosso novo ser em Cristo para a nossa temporalidade histórica.
É realidade que não vemos, mas que podemos viver aqui e agora. Para Paulo tudo estava consumado, ele já havia morrido e também ressuscitado, havia uma convicção trazida pela fé de que:Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. 2 Cor 5:17.
Mas, o que vemos hoje na igreja é uma conformação com o velho, e um viver por vista. Sentimos falta da luta e do desespero de Paulo descritos no capitulo 7 de Romanos; daquela indignação e inconformidade do apóstolo com a realidade visível do seu pecado. Bom seria se a igreja toda deixasse de lado sua síndrome de Gabriela: “eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim” e passasse a viver por fé, buscando ser hoje, o que já é em Cristo. Ser hoje o que já somos em Cristo é não aceitarmos de maneira passiva a realidade adâmica, mas sim, sermos sustentados pela palavra de Deus que afirma: sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos. Romanos 6:6.
A questão que se apresenta é a seguinte: onde você está? Em Cristo ou fora Dele? Se você está em Cristo, é porque o seu velho ser morreu em Cristo, Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo. Colossenses 2:20. Se você afirma que Cristo é sua vida, é porque você foi ressuscitado com Cristo. Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Colossenses 3:1. Pense nisto: se você morreu com Cristo as regras não têm mais sentido, assim como não tem mais sentido a vida velha se você é uma nova criatura. É assim que a vida é. É assim que a nova vida é.
Solo Deo Glória
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