Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos [e
ambos se conservam]. Lucas 5:38.
Jesus explicou, claramente aqui, diante das criticas que foi
alvo em razão da ausência de jejum na experiência dos seus discípulos, que os
odres velhos não têm qualquer serventia para a preservação do vinho jovem. Esses
odres gastos não serviam para essa alegria estonteante que precisa se atualizar
dia a dia. O sistema judaico estaria falido?
A nova comunidade em gestação, na Galiléia dos gentios, tinha
uma fermentação intensa e vigorosa de júbilo, enquanto os vasos judaicos já
estavam velhos, murchos, encolhidos e rotos. Estavam imprestáveis para abrigar o
mosto efervescente desse lagar inédito.
O judaísmo havia se tornado esclerosado, duro, seco e sem
qualquer mobilidade para a nova realidade inaugurada pela encarnação do Verbo
Divino. Javé em pele, osso, carne e sangue é um assombro para essa mentalidade
governada pelas franjas do talit, ou pelos rituais das sinagogas advindas
da Babilônia infestada de paganismo. O Deus encarnado no Jesus histórico é uma
profanação violenta de algo sagrado e distante.
O vinho, aqui, no texto, está no singular e os odres no plural.
Nesse contexto o vinho novo é único. Não existem vinhos novos. Só há um vinho
novo, já que o Evangelho da graça é excepcional e exclusivo. Fiquem sabendo, de
antemão: a Graça não se encontra em qualquer sistema de religião na face da
terra; mesmo que seja uma graça genérica ou, algo semelhante ao favor imerecido
de Deus. Apenas no Evangelho de Cristo Jesus há Graça e Graça plena e
incondicional.
A religião pós-exílica era um odre curtido na fumaça e cheio de
fuligem. Os lideres haviam transformado as 613 letras hebraicas do Decálogo, os
dez mandamentos, em 613 mandamentos retirados do Pentateuco, isto é, dos cinco
primeiros livros do Antigo Pacto.
Eles converteram o relacionamento saudável com Deus num código
congestionado de regras complicadas e tomadas de detalhes. Para essa turma de
solidéu ou kipá, e de véu na cuca, o que vale é a conduta externa promovida por
normas ao pé da letra.
Segundo Eric Geiger, dos 613 mitzvot da Torá,
"havia 248 mandamentos afirmativos, um para cada parte do corpo humano, como
eles assim entendiam e, 365 mandamentos negativos, um para cada dia do ano.
Depois, eles dividiram a lista em mandamentos compulsórios e não compulsórios.
Então, passavam os seus dias discutindo se aquela divisão e a classificação dos
mandamentos dentro de cada divisão era “adequada".
Foi com este pano de fundo tricotado com nós cegos e com o
casuísmo legalista das minúcias em miçangas, que Jesus descomplicou radicalmente
o formato enredado daquele odre que vinha embutido na pergunta: qual é o maior
mandamento? A tropa de elite do Sinédrio queria colocar Jesus numa sinuca de
bico e mostrar a fraqueza das boas novas que brotavam viçosas na proclamação de
uma alforria permanente.
Mas, para Jesus a nova comunidade teria apenas dois pilares de
apoio. Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração,
de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro
mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. Mateus
22:37-40.
O Senhor da graça, reduzindo 611 mandamentos da lei, sem
restringir uma vírgula sequer do seu valor ético; e, ao simplificar as linhas e
alíneas do regulamento, tornou regular a única base que sustenta os
relacionamentos sadios: o amor.
O Evangelho é simples. Além disso, é positivo. É a boa notícia
de que fomos aceitos integral e incondicionalmente no amor do Amado. Não existem
cláusulas. Por exemplo: eu te amo uma vez que... ou, eu te amo quando...
contanto que... se... Nada disso. Deus nos ama independentemente de qualquer
condição. Como disse Dr. David Seamands, "nós podemos rejeitar o amor de Deus,
mas não podemos impedir que Ele nos ame".
O vinho novo é sempre o mesmo e sempre novo. Não há boas novas
velhas. O gosto do Evangelho nunca muda. É surpreendente a sua novidade
histórica, pois, após dois mil anos, o seu aroma e o seu sabor são como o do
beaujolais nouveau da safra atual.
O amor não envelhece. A graça não caduca. A boa notícia de que
Cristo me aceitou de modo incondicional na cruz se atualiza a cada dia, assim
como a minha morte e ressurreição com ele nunca perdem validade. O Evangelho é
original e único.
Contudo, há um grande perigo quando se trata de misturas em
termos de vida espiritual. Nesse instante se pode dizer: "hoc opus, hic labor
est". Tradução bem vulgar - "é aqui onde a porca torce o rabo". Que
tragédia: tentar misturar o Evangelho com o humanismo!
Para os enólogos, os blends, ou misturas de uvas, podem
ser uma boa opção. No mercado encontrarmos grandes vinhos decorrentes desta
junção de castas diferentes. Mas, nunca, mistura-se a graça de Deus com o mérito
humano. É preciso avaliar com cuidado as motivações e objetivos da bondade que
está por trás de cada ato humano.
Só Deus é o Bem Supremo e Bom por essência. Mas, a humanidade
tem uma bondade relativa que se propõe ser comparada com a Bondade Divina. É o
altruísmo subordinado ao interesse.
Como podemos discernir a diferença entre a bondade Divina e a
humana, uma vez que, há atos bondosos nos dois modelos? Talvez essa pista de
Jesus nos ajude um pouco: Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas
aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas
aos que lhe pedirem? Mateus 7:11.
A bondade humanista encontra-se vinculada aos interesses da
preservação de sua própria espécie, enquanto a distinta Bondade Divina se volta
para qualquer um que a quiser. Deus é sempre favorável a todos que o pedirem.
Além disso, a nossa bondade constantemente requer um reconhecimento pessoal e
exige sua glória nas entrelinhas; porém, a benevolência Divina nunca cobra
reciprocidade. Por favor, analise isto com muito cuidado: agradecimento não é
penhor. A gratidão jamais pode ser obrigatória.
Nós temos, também, que examinar os frutos com muita acuidade,
pois é pelos frutos que se conhecem as árvores. Todavia, não podemos julgar
apenas pelas aparências, assim corremos riscos de injustiça. "Nem tudo que reluz
é ouro, nem tudo que balança, cai".
Você sabe a diferença entre um talento e um dom? Então, o dom é
uma dádiva Divina. Não vem naturalmente com o ser humano, uma vez que não viemos
ao mundo com ele. É um carisma do próprio Deus. É uma capacidade Divina dada aos
Seus filhos. O talento, entretanto, é uma competência que Deus criou no ser
humano. Nós já nascemos com a tal habilidade, que deve ser desenvolvida e que,
habitualmente, exige aplauso da plateia.
O dom nunca sobe em palco. O talento não pode viver sem alguma
plataforma. Por isso, os odres construídos a talentos costumam exibir suas
qualidades, enquanto esses talentosos exigem a glória pelos seus feitos. É aqui
que precisamos de uma avaliação mais criteriosa. O talento quando não recebe a
honra, magoa-se. O dom, todavia, faz a festa no ostracismo. Para quem foi só
usado por Deus, o contentamento é tudo.
Vejamos um pouco mais essa questão. Um dos grandes enganos que
cometemos na avaliação da história da Igreja, é quando confundimos o continente
com o conteúdo. Quantas vezes nós damos mais valor aos odres do que ao vinho,
principalmente quando os odres são costurados com as tiras tiradas do humanismo
talentoso?
Mas, substituir os dons de Deus pelos talentos humanos no seio
da Igreja é um prejuízo atroz que deixa atrás sequelas devastadoras. Todo tipo
de disputa de poder ou ciúmes por cargos e posições são criados e fomentados
pelos hormônios da carne transpirando habilidades sob os auspícios da louvação.
A carne talentosa dispensa os dons de Deus.
É no contexto da vaidade humana e da troca de favores que os
odres acabam por serem pervertidos, corrompidos; envelhecendo-se. Nesse caso, o
velho odre deve ser trocado ou substituído por um atual, para que o vinho novo
não se perca. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário, o vinho
romperá os odres; e tanto se perde o vinho como os odres. Mas põe-se vinho novo
em odres novos. Marcos 2:22.
O Evangelho, contudo, é como pão saído do forno na hora;
encontra-se quentinho. É a boa nova espiritual sempre recente. Como já vimos,
não há Evangelho antigo, obsoleto, superado. O vinho novo continua
permanentemente jovem. O que envelhece com o tempo, é o odre, que carece de
renovação constante. As estruturas da Igreja ficam velhas e precisam ser
substituídas pela revitalização do nosso entendimento.
Uma das características da novidade do Evangelho da graça plena
é a incessante contemporanização de sua arquitetura. De acordo com Martinho
Lutero, o reformador do século XVI: "ecclesia reformat semper reformanda
secundum verbum Dei", ou seja, "igreja reformada sempre sendo reformada
segundo a palavra de Deus", ou ainda bem mais adequado: Eis que faço novas
todas as coisas. Apocalipse 21:5.
De um modo geral, o ser humano costuma complicar as suas
estruturas. Como podemos nós simplificar aquilo que temos complicado através da
história? Parece que precisamos rever a nossa eclesiologia. Quero finalizar hoje
este questionamento, com um texto bem descomplicado: Diariamente perseveravam
unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com
alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de
todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam
sendo salvos. Atos 2:46-47.
Abba, querido, abre os nossos olhos para que vejamos a
singeleza do teu Evangelho, e assim, vivamos na simplicidade do teu amor
incondicional. No nome de Jesus. Amém.
Soli Deo Glória.
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O propósito deste blog na sua forma completa é capacitar seus leitores a entenderem a Bíblia. Apresenta instrução básica eficiente do ponto de vista bíblico. Procura remover todas as falsas pressuposições racionalistas, moralistas, antropocêntricas e idólatras que já infectaram,e, na medida desta infecção, cegaram todo homem e toda cultura deste mundo a partir da queda de Adão.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
ODRES NOVOS NO CURSO DA HISTÓRIA
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