sexta-feira, 30 de novembro de 2012

ODRES NOVOS NO CURSO DA HISTÓRIA

Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos [e ambos se conservam]. Lucas 5:38.
Jesus explicou, claramente aqui, diante das criticas que foi alvo em razão da ausência de jejum na experiência dos seus discípulos, que os odres velhos não têm qualquer serventia para a preservação do vinho jovem. Esses odres gastos não serviam para essa alegria estonteante que precisa se atualizar dia a dia. O sistema judaico estaria falido?
A nova comunidade em gestação, na Galiléia dos gentios, tinha uma fermentação intensa e vigorosa de júbilo, enquanto os vasos judaicos já estavam velhos, murchos, encolhidos e rotos. Estavam imprestáveis para abrigar o mosto efervescente desse lagar inédito.
O judaísmo havia se tornado esclerosado, duro, seco e sem qualquer mobilidade para a nova realidade inaugurada pela encarnação do Verbo Divino. Javé em pele, osso, carne e sangue é um assombro para essa mentalidade governada pelas franjas do talit, ou pelos rituais das sinagogas advindas da Babilônia infestada de paganismo. O Deus encarnado no Jesus histórico é uma profanação violenta de algo sagrado e distante.
O vinho, aqui, no texto, está no singular e os odres no plural. Nesse contexto o vinho novo é único. Não existem vinhos novos. Só há um vinho novo, já que o Evangelho da graça é excepcional e exclusivo. Fiquem sabendo, de antemão: a Graça não se encontra em qualquer sistema de religião na face da terra; mesmo que seja uma graça genérica ou, algo semelhante ao favor imerecido de Deus. Apenas no Evangelho de Cristo Jesus há Graça e Graça plena e incondicional.
A religião pós-exílica era um odre curtido na fumaça e cheio de fuligem. Os lideres haviam transformado as 613 letras hebraicas do Decálogo, os dez mandamentos, em 613 mandamentos retirados do Pentateuco, isto é, dos cinco primeiros livros do Antigo Pacto.
Eles converteram o relacionamento saudável com Deus num código congestionado de regras complicadas e tomadas de detalhes. Para essa turma de solidéu ou kipá, e de véu na cuca, o que vale é a conduta externa promovida por normas ao pé da letra.
Segundo Eric Geiger, dos 613 mitzvot da Torá, "havia 248 mandamentos afirmativos, um para cada parte do corpo humano, como eles assim entendiam e, 365 mandamentos negativos, um para cada dia do ano. Depois, eles dividiram a lista em mandamentos compulsórios e não compulsórios. Então, passavam os seus dias discutindo se aquela divisão e a classificação dos mandamentos dentro de cada divisão era “adequada".
Foi com este pano de fundo tricotado com nós cegos e com o casuísmo legalista das minúcias em miçangas, que Jesus descomplicou radicalmente o formato enredado daquele odre que vinha embutido na pergunta: qual é o maior mandamento? A tropa de elite do Sinédrio queria colocar Jesus numa sinuca de bico e mostrar a fraqueza das boas novas que brotavam viçosas na proclamação de uma alforria permanente.
Mas, para Jesus a nova comunidade teria apenas dois pilares de apoio. Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. Mateus 22:37-40.
O Senhor da graça, reduzindo 611 mandamentos da lei, sem restringir uma vírgula sequer do seu valor ético; e, ao simplificar as linhas e alíneas do regulamento, tornou regular a única base que sustenta os relacionamentos sadios: o amor.
O Evangelho é simples. Além disso, é positivo. É a boa notícia de que fomos aceitos integral e incondicionalmente no amor do Amado. Não existem cláusulas. Por exemplo: eu te amo uma vez que... ou, eu te amo quando... contanto que... se... Nada disso. Deus nos ama independentemente de qualquer condição. Como disse Dr. David Seamands, "nós podemos rejeitar o amor de Deus, mas não podemos impedir que Ele nos ame".
O vinho novo é sempre o mesmo e sempre novo. Não há boas novas velhas. O gosto do Evangelho nunca muda. É surpreendente a sua novidade histórica, pois, após dois mil anos, o seu aroma e o seu sabor são como o do beaujolais nouveau da safra atual.
O amor não envelhece. A graça não caduca. A boa notícia de que Cristo me aceitou de modo incondicional na cruz se atualiza a cada dia, assim como a minha morte e ressurreição com ele nunca perdem validade. O Evangelho é original e único.
Contudo, há um grande perigo quando se trata de misturas em termos de vida espiritual. Nesse instante se pode dizer: "hoc opus, hic labor est". Tradução bem vulgar - "é aqui onde a porca torce o rabo". Que tragédia: tentar misturar o Evangelho com o humanismo!
Para os enólogos, os blends, ou misturas de uvas, podem ser uma boa opção. No mercado encontrarmos grandes vinhos decorrentes desta junção de castas diferentes. Mas, nunca, mistura-se a graça de Deus com o mérito humano. É preciso avaliar com cuidado as motivações e objetivos da bondade que está por trás de cada ato humano.
Só Deus é o Bem Supremo e Bom por essência. Mas, a humanidade tem uma bondade relativa que se propõe ser comparada com a Bondade Divina. É o altruísmo subordinado ao interesse.
Como podemos discernir a diferença entre a bondade Divina e a humana, uma vez que, há atos bondosos nos dois modelos? Talvez essa pista de Jesus nos ajude um pouco: Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedirem? Mateus 7:11.
A bondade humanista encontra-se vinculada aos interesses da preservação de sua própria espécie, enquanto a distinta Bondade Divina se volta para qualquer um que a quiser. Deus é sempre favorável a todos que o pedirem. Além disso, a nossa bondade constantemente requer um reconhecimento pessoal e exige sua glória nas entrelinhas; porém, a benevolência Divina nunca cobra reciprocidade. Por favor, analise isto com muito cuidado: agradecimento não é penhor. A gratidão jamais pode ser obrigatória.
Nós temos, também, que examinar os frutos com muita acuidade, pois é pelos frutos que se conhecem as árvores. Todavia, não podemos julgar apenas pelas aparências, assim corremos riscos de injustiça. "Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança, cai".
Você sabe a diferença entre um talento e um dom? Então, o dom é uma dádiva Divina. Não vem naturalmente com o ser humano, uma vez que não viemos ao mundo com ele. É um carisma do próprio Deus. É uma capacidade Divina dada aos Seus filhos. O talento, entretanto, é uma competência que Deus criou no ser humano. Nós já nascemos com a tal habilidade, que deve ser desenvolvida e que, habitualmente, exige aplauso da plateia.
O dom nunca sobe em palco. O talento não pode viver sem alguma plataforma. Por isso, os odres construídos a talentos costumam exibir suas qualidades, enquanto esses talentosos exigem a glória pelos seus feitos. É aqui que precisamos de uma avaliação mais criteriosa. O talento quando não recebe a honra, magoa-se. O dom, todavia, faz a festa no ostracismo. Para quem foi só usado por Deus, o contentamento é tudo.
Vejamos um pouco mais essa questão. Um dos grandes enganos que cometemos na avaliação da história da Igreja, é quando confundimos o continente com o conteúdo. Quantas vezes nós damos mais valor aos odres do que ao vinho, principalmente quando os odres são costurados com as tiras tiradas do humanismo talentoso?
Mas, substituir os dons de Deus pelos talentos humanos no seio da Igreja é um prejuízo atroz que deixa atrás sequelas devastadoras. Todo tipo de disputa de poder ou ciúmes por cargos e posições são criados e fomentados pelos hormônios da carne transpirando habilidades sob os auspícios da louvação. A carne talentosa dispensa os dons de Deus.
É no contexto da vaidade humana e da troca de favores que os odres acabam por serem pervertidos, corrompidos; envelhecendo-se. Nesse caso, o velho odre deve ser trocado ou substituído por um atual, para que o vinho novo não se perca. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário, o vinho romperá os odres; e tanto se perde o vinho como os odres. Mas põe-se vinho novo em odres novos. Marcos 2:22.
O Evangelho, contudo, é como pão saído do forno na hora; encontra-se quentinho. É a boa nova espiritual sempre recente. Como já vimos, não há Evangelho antigo, obsoleto, superado. O vinho novo continua permanentemente jovem. O que envelhece com o tempo, é o odre, que carece de renovação constante. As estruturas da Igreja ficam velhas e precisam ser substituídas pela revitalização do nosso entendimento.
Uma das características da novidade do Evangelho da graça plena é a incessante contemporanização de sua arquitetura. De acordo com Martinho Lutero, o reformador do século XVI: "ecclesia reformat semper reformanda secundum verbum Dei", ou seja, "igreja reformada sempre sendo reformada segundo a palavra de Deus", ou ainda bem mais adequado: Eis que faço novas todas as coisas. Apocalipse 21:5.
De um modo geral, o ser humano costuma complicar as suas estruturas. Como podemos nós simplificar aquilo que temos complicado através da história? Parece que precisamos rever a nossa eclesiologia. Quero finalizar hoje este questionamento, com um texto bem descomplicado: Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos. Atos 2:46-47.
Abba, querido, abre os nossos olhos para que vejamos a singeleza do teu Evangelho, e assim, vivamos na simplicidade do teu amor incondicional. No nome de Jesus. Amém.
 
Soli Deo Glória.

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