segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O ENIGMA DAS VONTADES

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Mateus 23:37.
Deus é soberano e a sua vontade é absoluta. Ele faz tudo de acordo com o seu querer e ninguém pode contrariar os seus desígnios. Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos. Salmos 135:6.
Deus é soberano e a sua vontade é irresistível. Nenhum soberano pode ser contestado definitivamente em seus planos. Deus nunca fará coisa alguma constrangido ou fora dos seus propósitos eternos e ninguém poderá afrontar a sua vontade em caráter permanente. Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? Romanos 9:19.
Quem poderá contestar o intuito do seu querer? Quem poderá mudar a finalidade dos seus objetivos? Comparando a vontade do Criador com o trabalho do oleiro, o apóstolo Paulo indaga: Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? Romanos 9:21.
Deus é soberano e em sua soberania criou um ser com vontade livre para decidir. A vontade de Deus determinou que a sua criatura fosse livre para escolher e que só um ser livre poderia ser responsável pela sua escolha. Por isso os nossos primeiros pais foram os únicos seres humanos com livre-arbítrio da criação divina. Adão e Eva eram livres para pecar e para não pecar. Como disse Santo Agostinho, os primeiros pais tinham a condição de liberdade que os deixavam com posse pecare e posse non pecare. Mas, depois que eles pecaram a vontade humana ficou escrava do pecado. Ninguém é mais livre para não pecar. Todos nós nascemos escravos do pecado e não podemos deixar de pecar por nós mesmos, non posse non pecare. A vontade da raça humana escrava do pecado não busca a Deus. O salmista faz como que um inquérito na sua poesia quando afirma aquilo que o apóstolo Paulo procura responder. Do céu, olha Deus para os filhos dos homens, para ver se há quem entenda, se há quem busque a Deus. Não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. Salmos 53:2 e Romanos 3:11-12.
Depois do pecado de Adão, todos nós nascemos neste mundo com uma indisposição no nosso entendimento contra Deus. Não há lugar para Deus em nosso coração, pois Ele não é facilmente aceito pelo homem natural. E a vós outros também que, outrora, éreis estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas obras malignas, Colossenses 1:21. Deus não faz parte de nossas cogitações, já que há uma inimizade natural contra Ele, em nosso interior, mas, muitas vezes, disfarçada em amizade. Nós nascemos nesse mundo remando contra a correnteza com relação à vida espiritual. Não há o menor apetite pela verdadeira vida de Deus, pois todos os seres humanos nascem obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração, Efésios 4:18. A comunhão com Deus não é de fato a nossa praia, ainda que sejamos profundamente religiosos. A vontade natural dos seres humanos é sempre contra Deus. A vontade soberana de Deus é quem inclina a nossa vontade rebelde para querer a sua vontade. Ninguém poderá decidir pela vontade de Deus, se Deus mesmo não convencer a nossa vontade a querer a sua vontade, como um ato livre da nossa vontade. Se nossa deliberação for forçada ou constrangida pelo medo, interesse ou dever, então essa resolução não expressa a condição adequada da liberdade moral de um ser responsável. Deus é sempre soberano na sua eleição e o ser humano é sempre responsável pela sua decisão. Deus escolhe a quem ele quer e o escolhido decide porque quer. Deus não é obrigado a escolher ninguém. Por outro lado, nenhuma pessoa é obrigada a decidir porque Deus a escolheu. Uma escolha compelida jamais será uma decisão moralmente livre. A soberania de Deus é indiscutível, mas a responsabilidade humana é indispensável. Nenhum eleito poderá rejeitar a vontade soberana de Deus, mas nenhum eleito será forçado a receber a vontade de Deus, contra a sua própria vontade. A obra soberana da graça de Deus conquista sem violência a nossa vontade insurgente, para que possamos livremente optar pela vontade soberana de Deus. A eleição divina é soberana e a decisão humana é franqueada por uma resolução livre de um ser responsável. Volto a insistir. Só um ser livre pode receber livremente a vontade soberana de Deus em sua vida. A questão é: por que Deus escolhe? Por que os escolhidos são livremente convencidos e os outros não? Por que muitos crêem e muitos continuam rebeldes contra Deus?
Vimos, anteriormente, com Paulo, que o oleiro tem o direito de fazer um vaso para um lugar de honra e, se ele quiser, um vaso para um lugar de desonra. Mas por causa da nossa onipotência, nós não achamos que Deus tem o direito de fazer o que Ele quer. A nossa vontade dominada pela arrogância do pecado tem a tendência de dar as cartas para aquilo que Deus faz. Sendo assim, se eu não posso fazer tudo aquilo que acho que devo fazer, então Deus não tem o direito de fazer aquilo que contraria o que eu acho que Ele deve fazer. A minha vontade teomaníaca quer decidir o que Deus precisa fazer e só assim Ele se tornará admissível dentro da minha concepção. Um deus encaixado na minha cachola é a única fórmula cabível de deus no meu universo. Mas a vontade do Deus absoluto não pode ser explicada por uma mente finita. Isto não quer dizer que Deus seja incognoscível e a sua vontade emblemática, mas que o nosso conhecimento Dele será sempre finito e dependente de sua revelação. A nossa mente nunca alcançará a grandeza da sua dimensão. Essa vontade soberba precisa ser invadida e conquistada pela graça de Deus, a fim de sermos apossados da vontade soberana que nos torna voluntariamente acessíveis ao querer divino. Quando, pela vontade de Deus, a nossa vontade se rende livremente à sua vontade, nós nos tornamos inteiramente identificado com uma vontade singular que traz sentido a existência humana. Para Jesus a única via que equilibra o conflito existencial é o ajustamento da nossa vontade com a vontade do Pai. Ele nos ensina a orar assim: venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; Mateus 6:10. O reino é o governo do Pai em nosso viver diário, onde sempre desemboca no leito da sua vontade conclusiva.
O próprio Jesus orou no jardim do Getsêmani, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua. Lucas 22:42. Ele sabia que a vontade do Pai é o único lugar no universo que o espírito encontrará descanso, ainda que o corpo sofra terrivelmente e a alma se angustie até à morte. Fora da vontade de Pai, o filho de Deus estará num deserto e a criatura divina em tormenta eterna.
A vontade de Deus é soberana e a vontade dos eleitos é livre na escolha. Deus nos escolheu soberanamente e nós recebemos voluntariamente a sua escalação. Na seleção de Deus não há uma Nike impondo jogadores, nem craques jogando contra vontade. Se os atletas de Jerusalém não ouviram a convocação de Jesus é porque não quiseram ouvir. Jesus os convidou para a comunhão das asas, para o abrigo da intimidade, mas eles não aquiesceram ao convite por causa da soberba azucrinante do seu orgulho. No fundo do pecado reside uma atitude de auto-suficiência que evita qualquer advento de humildade. Sendo assim, Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Tiago 4:6b. A justiça própria é a causa primária de nosso fracasso espiritual.
A vontade de Deus é que sejamos salvos. A vontade do arrogante é se salvar por si mesmo. O pecado torna o pecador autônomo e independente de Deus. A nossa atitude audaciosa nos leva à pretensão de renegar o convite da graça, pois quando Jesus chamou Jerusalém, Jerusalém recusou o convite da graça. Esse é sempre o maior problema da autonomia do pecado. Jerusalém não quis a graça porque ela se bastava a si mesma.
Todo o nosso problema é nos conformar plenamente com a vontade de Deus. Tudo neste mundo é transitório, só a vontade de Deus é permanente. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente.1 João 2:17. Fazer a vontade de Aba é o maior projeto de vida de seus filhos. Não é o êxito ou o temor que caracterizam o perfil dos filhos de Aba, mas a alegria de praticar e concordar com a sua vontade. O cerne da vida cristã seria a disposição natural de fazer voluntariamente a vontade do Pai acima de tudo, no entanto o nosso coração não tem essa inclinação. Por isso, a oração de F. B. Mayer se torna indispensável: Senhor, tu sabes que a minha vontade é fraca de acordo com a minha carne, e que nunca desejará fazer a tua vontade. Senhor! Faz tua vontade fazer com que a minha vontade deseje fazer a tua vontade. Aqui a obra da cruz se torna indispensável em nossa experiência. Só uma pessoa realmente crucificada com Cristo pode desejar se submeter inteiramente à vontade do Pai.
Deste modo, também podemos orar assim: Pai, se a tua vontade não despertar a minha vontade a querer a tua vontade, eu jamais desejarei buscá-la em minha vida. Por isso, eu te peço que tu me faças querer a ti mesmo como tu me queres. Eu sei que se tu não me levares a querer-te com o teu querer, todo o meu querer por ti será um mero desejo de um querer transitório. Sendo assim, Pai, faze-me querer-te como tu me queres, para que eu te querendo com o teu querer, possa te querer eternamente com o mesmo querer que tu sempre me quiseste deste a fundação do mundo. Em nome de Jesus. Amém.
 
Soli Deo Glória.

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