Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão
grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que
tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está
proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em
troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não
fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus.
Hebreus 12:1-2.
Na gramática da língua portuguesa, a crase é uma fusão ou contração de duas
vogais ou duas classes de vocábulos em uma palavra. Por exemplo: a preposição a,
indicando direção, se contrai com o artigo feminino a, e, então, temos a crase
a+a= à. Na contração fundem-se os dois vocábulos em um só termo, sinalizado por
um acento grave de identificação.
Na teologia nós temos uma crase clássica. Cristo é Deus e Deus é espírito. O
espírito não tem forma, não tem cor, não ocupa lugar no espaço, não tem cheiro,
nem pode ser percebido pelos nossos cinco sentidos. Paulo diz que Deus é
eterno, imortal, invisível e habita em luz inacessível.
Jesus é homem e homem é matéria. A matéria é uma substância física
tridimensional, que tem cumprimento, altura e largura. Cristo Jesus é
Deus-Homem. Ele é uma pessoa com duas naturezas. É uma crase divino-humana, isto
é, uma pessoa totalmente Deus e totalmente homem.
Deus espírito é incognoscível ao homem natural, ainda que seja cognoscível
relacional ou pessoalmente ao homem espiritual. Nenhum ser humano consegue
apreender a realidade espiritual divina com a sua mente adâmica, não regenerada.
Nada que fuja aos nossos sentidos e que vá além de nossa lógica materialista,
pode ser compreendida por nossa mente finita.
É verdade que Deus pode até ser intuído por um imperativo ontológico, isto é,
do ser enquanto ser inteligente e pessoal ou por uma necessidade de causa e
efeito diante da ordem cósmica, mas jamais será explicado em razão de sua
essência espiritual. Dizer que ele é espírito é, afirmar, tão somente, que sua
natureza espiritual transcende à substância física e aos limites da matéria.
Louis Berkhof alega que, "pelo ensino da espiritualidade de Deus, a teologia
salienta o fato de que Deus tem um Ser substancial exclusivamente Seu e distinto
do mundo, e que este Ser substancial é imaterial, invisível, e sem composição
nem extensão". Ou seja: Deus é inacessível à mente finita. Ó
profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Romanos
11:33.
Ora, se Deus é espírito que transcende ao mundo material e Cristo é Deus
transcendente, logo Cristo é espírito imaterial e inexplicável pelo pensamento
limitado do ser humano caído. Agora começa a crise da crase. Como podemos
entender que o Cristo divino, espírito puro, vive conectado ao homem histórico,
Jesus de Nazaré? Como posso admitir que Jesus é realmente Deus?
Jesus era uma pessoa de carne, osso e sangue que podia ser conhecida pelos
cinco sentidos e compreendida pela mente humana. Cristo é espírito imaterial,
impalpável, invisível, que não ocupa lugar no espaço e não cabe na cabeça com o
calibre de um chapéu. Como eu posso aceitar a tese de que este Jesus que viveu
na Galiléia era de fato o unigênito Filho de Deus, o Cristo eterno?
Temos que trabalhar agora com duas alternativas: uma natural e a outra
sobrenatural. O ser humano natural está limitado ao mundo material e o seu
conhecimento só advém pelas vias sensórias. O pensamento lógico é um axioma em
três dimensões, mas, mesmo assim, é enigmático.
Como posso explicar a energia imaterial e intangível ou o poder da
anti-matéria? Como pode um cadáver de três dias ressuscitar dos mortos, sem uma
causa sobre humana? Foi por isso que Tomé reagiu prontamente quando lhe
disseram, então, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele respondeu: Se eu
não vir em suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a
mão no seu lado, de modo algum acreditarei. João 20:25.
Tomé era um cientista. Sua lógica obedecia às categorias da pesquisa. Até
aqui ele pensava como um homem natural. Jesus deixou passar oito dias e veio
visitar os seus discípulos que viviam de portas trancadas, com medo dos judeus,
e logo disse a Tomé: Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a
mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente. João
20:27.
Não pode ser! Um morto, vivo? Um homem de carne e osso com sinais dos cravos
nos punhos e com o lanho do lado, não pode ser natural! Aqui se revela a crise
da crase na vida deste aluno abismado. Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e
Deus meu! João 20:28. Como pode a morte ser dominada pela vida? Como
pode uma pessoa, sem sangue, ressuscitar e viver eternamente?
Este é o chão do espírito, da realidade sobrenatural e da fé no invisível.
Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não
viram e creram. João 20:29. Como dizia Agostinho de Hipona – a fé crê
naquilo que não vemos e a sua recompensa é ver aquilo que cremos. Jesus
ressuscitado é o autor da fé e o seu executivo imutável. A fé vê com olhos
ressurretos.
O acento grave que identifica a crase divino-humana é a ressurreição. O
pecado da incredulidade adâmica redundou em morte para o ser humano. A
ressurreição do homem Jesus, crucificado na sexta feira, é o sinal da fé ou o
acento grave na crise aguda da incredulidade.
Muitos, no ministério terreno de Jesus, gozavam dos seus benefícios
miraculosos e gostavam de andar em sua companhia, mas tinha dúvida que ele fosse
o Cristo. Nós, todavia, sabemos donde este é; quando, porém, vier o
Cristo, ninguém saberá donde ele é. João 7:27. Será que este Galileu,
aprendiz de carpinteiro, filho de José e Maria tem algo a ver com o Cristo?
A mente natural não consegue perceber a realidade espiritual. Os descendentes
de Adão nascem mortos em pecado ou descrentes. Pecado, segundo Jesus, é não crer
que ele é o Cristo. Como pode um pecador crer que Jesus é o Cristo? Isto é
impossível do ponto de vista natural.
O cego não pode ver as coisas e o pecador não pode crer em Jesus sem que haja
um milagre. O milagre começa pela pregação do evangelho. A proclamação antecede
a vivificação. A vida espiritual é comunicada pela palavra de Deus, pois
fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a
palavra de Deus, a qual vive e é permanente. 1 Pedro 1:23.
Se alguém é incrédulo, é porque não tem vida espiritual. Se não possui vida
no seu espírito, não pode crer. A fé é uma realidade espiritual advinda da
audiência da palavra de Deus. Mas só ouve a palavra de Deus, aquele que foi
avivado pela pregação de Cristo. Ele vos deu vida, estando vós mortos
nos vossos delitos e pecados. Efésios 2:1. Sem vida espiritual não há
fé, sem fé não há justificação, arrependimento e todos os atos correspondentes
da salvação pela graça, através da fé.
A graça é uma operação divina espiritual, soberana, sobrenatural e
inimaginável. Ninguém pode conquistar a graça de Deus por meio de sua fé, posto
que a sua fé se constitua no resultado operante desta graça divina, a fim de
levá-lo a crer na suficiência da graça, através da eficiência graciosa que opera
nele. O pecador não é salvo pela fé simplesmente, ele é salvo pela graça que
opera a fé decorrente da vida ressurreta implantada pela pregação da palavra de
Deus.
O acento grave que nos faz coligar Jesus com Cristo é o sinal da vida
ressuscitada. A mesma vida que levantou a Jesus dentre os mortos é a vida que
nos salva da incredulidade. Jesus Cristo ressuscitado é o autor da fé. Quando
olhamos para o homem Jesus e o vemos ressuscitado, isto nos confere a fé para
crermos que este homem era, verdadeiramente, o Cristo, o Filho do Deus vivo.
Se alguém ao examinar a vida de Jesus de Nazaré, crer que ele é o Cristo,
então houve um milagre em sua vida. Nenhum pecador pode crer em Jesus, senão
pelo Espírito Santo. Quando o Espírito Santo convence o pecador do pecado,
convence pela fé em Jesus. Crer em Jesus como o Cristo é o milagre da vida
ressurreta produzindo a fé no coração descrente.
Quando o eunuco, ministro das finanças da rainha etíope, Candace, perguntou a
Filipe o que o impedia de ser batizado, Filipe respondeu: É lícito, se
crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o
Filho de Deus. Atos 8:37.
Filipe pregou a palavra de Deus ao oficial da rainha. Deus lhe concedeu vida
espiritual através de sua palavra, capacitando-o a crer que Jesus era o Cristo,
o Seu Filho. A fé vê o invisível. Cristo é Deus imaterial e intangível. Jesus,
homem, é histórico e palpável. Ver a Jesus como o Cristo é ver o invisível no
visível. Isto só é possível pela vida espiritual. A mente natural não consegue
ver a realidade espiritual e assim não pode crer que a divindade de Cristo viva
na humanidade de Jesus. Por isso, o novo nascimento é o milagre da vida que
nasce da morte, gerando fé em Jesus.
Solo Deo Glória.
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O propósito deste blog na sua forma completa é capacitar seus leitores a entenderem a Bíblia. Apresenta instrução básica eficiente do ponto de vista bíblico. Procura remover todas as falsas pressuposições racionalistas, moralistas, antropocêntricas e idólatras que já infectaram,e, na medida desta infecção, cegaram todo homem e toda cultura deste mundo a partir da queda de Adão.
sábado, 11 de agosto de 2012
ABC DA FÉ - A CRASE
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