sábado, 23 de março de 2013

REGULAMENTO OU RELACIONAMENTO?

Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de Jesus Cristo, nosso Senhor. 1Coríntios 1:9

Muitas pessoas confundem a fé cristã com um sistema hierárquico, onde as normas e o comando exercem o controle na convivência. Para um grande grupo, as conexões humanas não passam de encontros governados pelas regras que estabelecem espaços
e castas. Neste caso, a igreja se assemelha a um exército com os seus postos e as ligações pessoais não vão além de continências subservientes.

Sabemos que toda estrutura social precisa de uma certa organização e ninguém pode viver coletivamente sem algumas cláusulas básicas para a boa coexistência. Não pode haver intimidade sadia sem um respeito correspondente, nem o trato social dispensa os princípios da consideração e competência. Todo organismo gregário necessita de ordem e todas as relações exigem um mínimo de etiqueta para se interagir. Toda família carece de um crédito no seu esqueleto de sustentação e sem uma armação estrutural as relações se tornam confusas e as pessoas doentes. Grande parte da epidemia emocionalite que se abate no mundo moderno se deve ao estilo gelatinoso ou coloidal que deforma a consistência da vida familiar. Sem uma carcaça de princípios e de autoridade, o suporte e a conservação de qualquer grupo social está determinado ao fracasso.

Entretanto, não podemos confundir princípios normativos ou códigos de posturas com regulamentos imperiosos que destituem a camaradagem dos relacionamentos. O projeto de Deus visa nos envolver numa relação de comunhão com o seu Filho. Apesar de Jesus Cristo ser o Senhor, sua proposta é de nos tornar amigos íntimos. Ele desceu do seu trono de glória e de sua posição exaltada para nos alcançar em nossa situação arrogante do pecado, a fim de nos converter em amigos de Deus, gerenciados por uma comunhão pessoal.

Ninguém pode ser constituído amigo por decreto. A amizade é fruto de um relacionamento volitivo e prazeroso. Abraão foi cognominado amigo de Deus. Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado por justiça; e: foi chamado amigo de Deus. Tiago 2:23. Esta amizade não surgiu de uma lei, mas de uma convivência. Abraão foi chamado por Deus para um companheirismo afetuoso, para ser pai de uma grande família e manter uma comunhão estreita com o Pai das misericórdias e o Deus de toda graça. Ele não foi intimado judicialmente nem obrigado por um edito real. Não existe amizade por pressão. A vocação divina pressupõe uma decisão pessoal: Eu sou o Deus Todo-Poderoso: anda na minha presença, e sê perfeito. Gênesis 17:1b.

Aprecio muito uma paráfrase deste texto: Eu sou o Deus que satisfaz completamente todas as coisas, por isso, anda na minha companhia e eu farei você uma pessoa perfeitamente adequada. A vida espiritual autêntica é uma questão de relacionamento com Deus e não de mero cumprimento de deveres. Não fomos chamados para ser executivos de tarefas religiosas ou meros legalistas praticantes de regulamentos. A vocação celestial sempre manifesta uma atitude livre de correspondência, com um caráter de relacionamento amistoso. Contudo, é bom salientar que esta amizade não elimina a responsabilidade moral do cumprimento da lei, pois os verdadeiros amigos são sempre aqueles que amorosamente se correspondem no estilo básico de aceitação.

A Bíblia mostra que o homem natural é inimigo de Deus e que seus interesses pessoais são contrários aos planos de Deus. Mas a Bíblia também mostra que o Deus da graça amou o homem incondicionalmente e enviou Jesus Cristo para nos reconciliar com ele. Porque, se nós, quando inimigos fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. Romanos 5:10.

Jesus veio a este mundo com o propósito definido de tratar do problema essencial da nossa inimizade com Deus, e a cruz foi o tribunal que cuidou deste processo, fazendo-nos morrer juntamente com Cristo e deste modo desfazer a inimizade. O Espírito Santo graciosamente nos convence desta rebeldia inata levando-nos ao arrependimento, a fim de permitir uma atitude voluntária de nossa parte, recebendo os efeitos eternos da justiça de Cristo. Uma vez desmanchado o antagonismo pela obra de Cristo na cruz, somos feitos filhos de Deus através da vida ressurreta de Cristo.

O Deus de toda graça providenciou todos os meios necessários para acabar com a hostilidade da raça humana, por meio de Jesus Cristo, e mediante o convencimento do Espírito Santo ele nos agracia com a atitude livre de arrependimento e fé, para recebermos a amizade como expressão viva de sua soberana graça. Deus em Cristo nos chama a uma comunhão pessoal com ele, para desenvolver um relacionamento de intimidade. Nós não nos tornamos amigos de Deus cumprindo regras. O evangelho da graça nos revela que Jesus Cristo cumpriu toda a lei, e deste modo nos reconciliou com Deus, convidando-nos para uma vida de comunhão.

A vida cristã legítima se baseia num convívio doméstico entre dois amigos. A graça torna o salvo um membro da família de Deus e um íntimo do Salvador. A amizade será sempre um relacionamento livre e agradável, e mesmo quando nós fracassamos, sua afeição por nós não se altera. A grande mensagem do evangelho nos mostra que não é a nossa fidelidade que torna esta amizade deliciosa e permanente, mas é a fidelidade de Deus que nos atrai para o centro do seu amor incondicional.

Deus nos amou irrestritamente e de modo absoluto, e nos tornou seus filhos para vivermos num relacionamento completamente acessível. No reino de Deus não há lugar para coação nem a nossa amizade com ele pode ser imposta. O Senhor nos conquistou livremente pela sua graça para termos a liberdade de viver livremente. Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo a jugo de escravidão. Gálatas 5:1. Não há liberdade cristã forçada nem regulamento que seja capaz de promover amizade autêntica. Se fomos livres pela graça, precisamos conviver em liberdade de amor. A lei da liberdade é a lei do amor. O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor. Romanos 13:10.

A vida cristã é um relacionamento de profunda liberdade nos limites do amor. A amizade do cristão é fruto do amor incondicional de Deus e da alegria prazerosa em obedecer a vontade de Deus determinada pela lei da liberdade e pelos ditames do amor. Como ensinava Sto. Agostinho: Ama e faze o que queres. Não há outro postulado nem outro mandamento capaz de tornar a vida mais significativa. Deus nos chamou para andarmos na liberdade do amor e assim provocarmos relacionamentos que evidenciem a natureza da sua graça inconquistável.

Mas, como fica a conduta? Muitos que são treinados pelo condicionamento dos preceitos ficam aturdidos com a vida da comunhão sem uma constituição determinando o comportamento. Por isso, há muita liderança encabrestando as pessoas com usos e costumes, com regras e regulamentos, tentando com isto controlar o procedimento externo, sem levar em conta as intenções do coração. Preferimos focalizar a comunhão com o Senhor como a única maneira viável de cuidar tanto da organização da vitrine, como da ordem no depósito. Ninguém se torna amigo de Deus cumprindo regulamento, mas porque se torna amigo de Deus num relacionamento de liberdade e amor, acaba também cumprindo as regras graciosamente, com alegria de uma amizade eterna.
 
Soli Deo Glória.

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