Tem misericórdia de mim ó Deus, segundo a tua benignidade;
apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias.
Salmo 51:1
Quem é Deus e o que Ele quer comigo? Quem sou eu e o que tenho
para oferecê-lo? No que se refere à nossa relação com Deus a resposta para estes
questionamentos é um convite à desistência de qualquer possibilidade e
potencialidade humanas e à experiência da suficiência Divina! Ao ser
humano não resta alternativa senão a rendição incondicional a “Pessoa que é
amor”; que manifesta o amor que não pode ser vencido e nada pede em troca!
O título deste este estudo faz uma distinção entre a Pessoa e a
obra Divina e a nossa humanidade. Entre aquilo que Deus é e
pratica e aquilo que podemos ser e produzir como pessoas. Em essência
Deus é amor, Ele só sabe amar! A Sua intenção é revelar este amor através da Sua
graça. É esta graça que nos convence de que Ele nos ama sem nenhuma condição
prévia.
Há uma tradução hebraica do Salmo 51:1 que diz “Concede-me
Tua graça, ó Deus, conforme Tua benevolência, e por Tua imensa misericórdia
apaga minhas transgressões”. Esta tradução deixa bem claro que, no
relacionamento com o amor do Pai Celeste, nada pode ser originado, mantido ou
consumado pela via humana e terrestre. Dai a necessidade de reconhecermos a
nossa verdadeira condição e clamarmos por este amor Divino.
Tem misericórdia de mim ó Deus... A misericórdia é o
olhar Divino para a vida humana. É a única maneira pela qual o Senhor se achega
a nós. É a ponte celeste construída na estratégia Divina para que o Seu amor
invada as nossas vidas. Neste maravilhoso Salmo Davi suplica ao Senhor que se
achegue a ele porque já reconheceu o fato de que, por si mesmo, ele jamais
poderia fazê-lo. A misericórdia só pode vir do Divino para o humano, e esta
ordem nunca foi, é ou será invertida.
Segundo a Tua benignidade... Numa tradução mais exata
pode-se dizer: por teu amor. No entanto, a experiência com o amor
misericordioso do Pai obedece a critérios Divinos. O pedido do rei de Israel só
foi atendido porque Yhaweh agiu de acordo com quem Ele é e em conformidade com a
Sua vontade soberana, não de acordo com nenhuma expectativa ou ação humana deste
rei. Caso contrário poder-se-ia entender que Davi foi “merecedor” da
misericórdia de Deus despendida a ele. Este rei dá-nos a declaração de que foi
vencido por um amor infinitamente maior do que o seu próprio pecado.
Benignidade... Esta palavra pode ser traduzida como
“bondade amorosa” ou “amor que atrai”. É a capacidade que Deus tem de ser
essencialmente bom. É generosidade Divina apesar da maldade humana. É amor
afetivo de quem gosta e é compassivo com a raça que criou apesar da sua opção
pela rebelião ao projeto inicial da criação: um relacionamento fundamentado no
amor da Trindade. É o amor Divino que inclui a misericórdia direcionada ao Seu
objeto de amor (a humanidade) que se encontra desde então numa condição
perdida e lastimável.
A benignidade Divina é a manifestação do amor que é capaz de
atrair o ser humano mesmo contra a sua vontade! Benignidade é o amor de Deus que
nos constrange e destrói toda a nossa pretensão humana que se opõe à vontade
soberana Divina. A benignidade Divina é avassaladora quando destrói e conquista
o desejo humano por soberania. Não há como “fazer viver” a velha natureza humana
quando este amor benigno nos conquista!
O apóstolo Paulo entendeu muito bem a grandeza, o poder
atrativo e as implicações deste amor benigno Pois o amor de Deus nos
constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram 2
Coríntios 5:14. Aqui a palavra constranger equivale a “deixar sem
defesas”! A posição humana diante do amor Divino é totalmente passiva, pois,
nada pode fazer para merecê-lo ou atraí-lo. O constrangimento vindo de Deus é
produzido pela revelação do Seu amor por nós!
Logo, todos morreram... Significa dizer que quando
recebemos a revelação da obra de Deus em Cristo a única alternativa que nos
resta é vivermos na atração operada por este amor que nos mata e faz
viver uma vida que não podemos produzir em e por nós mesmos! A
palavra traduzida por constrange tem significados mais específicos no sentido de
que o amor de Deus nos insere, impele, controla, mantém reféns ou
demarca. Ou seja, no sentido da teologia paulina todos os que morreram em
Cristo reproduzem a vida do Pai, que está no Filho e pela ação do Espírito.
Em outras palavras, o que Davi está querendo dizer no verso um
deste Salmo é: “Senhor, olhe para mim com o Teu olhar amoroso”. A benignidade
redentora do Pai é a Sua capacidade amorosa de nos enxergar através da Sua
própria bondade! A benignidade Divina nos ensina que Ele é movido a amor,
se revela e se relaciona através do Seu amor! Toda a atividade de
Deus se resume em amar! Desta atividade amorosa dependem todas as Suas demais
ações na criação e na história da redenção.
Das tuas misericórdias... É a “ternura do gostar”. É na
benignidade com a humanidade que se vê somente na doçura da Divindade. Nada do
que somos ou fazemos pode alterar o tipo de amor que Deus tem por nós. O
estoque das misericórdias Divinas jamais poderá ser esgotado. As
misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as tuas
misericórdias não têm fim. Novas são cada manhã; grande é a tua fidelidade
Lamentações 3:22, 23. “Se nossos pecados forem em número como os cabelos de
nossa cabeça, as misericórdias de Deus são como as estrelas dos céus” C. H.
Spurgeon.
A misericórdia é uma relação que une dois seres, um ser humano
que vive em sua carência existencial mais profunda e Outro Divino que pode
supri-la totalmente com a suficiência da Sua presença!
Não há nada que possamos ou precisamos ser o fazer para
agradarmos e sermos aceitos pelo Deus cuja essência é o amor e Seu único plano é
nos amar. Pois, tudo o que queremos, sentimos, pensamos e fazemos que não seja
originado e capacitado pelo amor Divino, é movido e marcado por
tentativas humanas que nos afastam Dele. Nosso pecado é caracterizado pela não
aceitação da experiência de sermos absorvidos pelo amor do Pai e pela tentativa
vivermos a não dependência deste amor. Por esta razão a revelação da Sua graça
nos proporciona uma troca completamente desproporcional: o Seu amor pelo nosso
pecado!
Fora do amor de Deus não existe nenhuma espécie de amor capaz
de perdão e restauração. Os amores familial, humanitário, solidário e erótico
não são suficientes para expressar a natureza e a dimensão do amor do Pai. O
amor de Deus não pode ser explicado ou analisado a partir das possibilidades
criadas pelas manifestações “mais legítimas e nobres” do amor humano. O amor de
Deus tem origem Nele mesmo e por isto não pode ser comparado a nenhuma expressão
do amor humano. Quando o amor Divino nos invade todas as possibilidades de amor
humano não têm mais sentido último.
A benignidade do Salmo 51 é a graça Divina caminhando em nossa
direção sem que a desejássemos ou a merecêssemos. É a doçura com qual Deus se
move em nossa direção. É o único amor que cura a nossa humanidade caída e falida
espiritual, emocional, racional e fisicamente. Este amor não é encontrado em
nossa humanidade e invalida todas as tentativas humanas de plágio. Não há
nenhuma possibilidade de fusão entre o amor de Deus e as formas de amor
humano.
Daí, o contraste e as tensões constantes
entre aquilo que somos e fazemos e a essência amorosa e graciosa da pessoa
Divina. Diante do amor que Deus só resta-nos a possibilidade da rendição pessoal
e incondicional a este amor que não impõe nenhuma condição para nos amar! O
critério para a liberação da misericórdia Divina é o Seu amor e não o meu
pecado. O que somos e fazemos não é levado em conta quando a misericórdia do Pai
entra em ação. Por esta razão, não podemos ter medo daquilo que O Senhor quer
ser e fazer em nós!
O Salmo 51:1 nos mostra como O Espírito do Senhor revelou a
realidade deste amor a Davi. Só é possível contemplar a grandeza deste amor
Divino quando se tem a consciência da malignidade do pecado humano. A
benignidade Divina mostra-nos o quanto somos perversos sem a Sua aceitação.
Ensina-nos que o clamor ao amor benigno de Deus é a única possibilidade de
experimentarmos a vida Do, a restauração produzida Pelo e a
identificação com O Deus que é amor. É o amor de Deus nos
constrangendo e desconstruindo toda a possibilidade humana que se opõe à vontade
Divina. A benignidade do Pai é a única solução para a dissintonia entre a
vontade humana caída e a vontade Divina.
O Salmo 51 começa com um clamor pelo Deus que ama sem
contabilizar méritos ou deméritos humanos. Traz um reconhecimento claro e
eficaz da nossa transgressão (pecado) e nossas transgressões (pecados). Este
amor celestial e gracioso exalta a pessoa Divina e humilha e
pessoa humana! O amor do Pai só é revelado através do grande paradoxo entre o
eu humano e o Tú Divino! O Deus a quem Davi clamou só se revela
aos fracassados! “O ser humano verdadeiro é o ser humano vulnerável”
(Anselm Grün - A Cruz: a imagem do ser humano redimido).
Deus quer matar a nossa velha vida pelo impacto produzido pela
revelação do Seu amor redentor. E, consequentemente, quer nos fazer viver
a nova vida gerada por Seu amor que é benigno e invencível! Será que nos vemos
assim? Será que nos vemos carentes desta misericórdia? O contraste entre a
misericórdia e o pecado só pode levar à morte do velho homem. Supliquemos para
que o Pai das misericórdias revele aos nossos corações este amor que nos aceita
sem nenhuma condição!
Quem é Deus? Ele é o amor! O que Ele quer comigo? Quer amar-me!
Quem sou eu? Um pecador! O que tenho para oferecê-lo? O meu pecado e os muitos
pecados que ele produz! Só quem já recebeu a revelação e foi alcançado pelo amor
misericordioso do Pai poderá clamar por misericórdia como o fez Davi.
No Salmo 51:1 a misericórdia e a benignidade Divinas nos dizem
a cada momento: (1) desistam de querer ver amor em vocês; de tentarem ser
bons com bondade própria: de acharem que existe algo de bom no ser humano e na
humanidade e (2) creiam que somente o amor de Deus é o único que gerar
vida e ser visto em vocês!
Soli Deo Glória.
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