domingo, 30 de dezembro de 2012

O TEU AMOR E O MEU PECADO

Tem misericórdia de mim ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias. Salmo 51:1­­
Quem é Deus e o que Ele quer comigo? Quem sou eu e o que tenho para oferecê-lo? No que se refere à nossa relação com Deus a resposta para estes questionamentos é um convite à desistência de qualquer possibilidade e potencialidade humanas e à experiência da suficiência Divina! Ao ser humano não resta alternativa senão a rendição incondicional a “Pessoa que é amor”; que manifesta o amor que não pode ser vencido e nada pede em troca!
O título deste este estudo faz uma distinção entre a Pessoa e a obra Divina e a nossa humanidade. Entre aquilo que Deus é e pratica e aquilo que podemos ser e produzir como pessoas. Em essência Deus é amor, Ele só sabe amar! A Sua intenção é revelar este amor através da Sua graça. É esta graça que nos convence de que Ele nos ama sem nenhuma condição prévia.
Há uma tradução hebraica do Salmo 51:1 que diz “Concede-me Tua graça, ó Deus, conforme Tua benevolência, e por Tua imensa misericórdia apaga minhas transgressões”. Esta tradução deixa bem claro que, no relacionamento com o amor do Pai Celeste, nada pode ser originado, mantido ou consumado pela via humana e terrestre. Dai a necessidade de reconhecermos a nossa verdadeira condição e clamarmos por este amor Divino.
Tem misericórdia de mim ó Deus... A misericórdia é o olhar Divino para a vida humana. É a única maneira pela qual o Senhor se achega a nós. É a ponte celeste construída na estratégia Divina para que o Seu amor invada as nossas vidas. Neste maravilhoso Salmo Davi suplica ao Senhor que se achegue a ele porque já reconheceu o fato de que, por si mesmo, ele jamais poderia fazê-lo. A misericórdia só pode vir do Divino para o humano, e esta ordem nunca foi, é ou será invertida.
Segundo a Tua benignidade... Numa tradução mais exata pode-se dizer: por teu amor. No entanto, a experiência com o amor misericordioso do Pai obedece a critérios Divinos. O pedido do rei de Israel só foi atendido porque Yhaweh agiu de acordo com quem Ele é e em conformidade com a Sua vontade soberana, não de acordo com nenhuma expectativa ou ação humana deste rei. Caso contrário poder-se-ia entender que Davi foi “merecedor” da misericórdia de Deus despendida a ele. Este rei dá-nos a declaração de que foi vencido por um amor infinitamente maior do que o seu próprio pecado.
Benignidade... Esta palavra pode ser traduzida como “bondade amorosa” ou “amor que atrai”. É a capacidade que Deus tem de ser essencialmente bom. É generosidade Divina apesar da maldade humana. É amor afetivo de quem gosta e é compassivo com a raça que criou apesar da sua opção pela rebelião ao projeto inicial da criação: um relacionamento fundamentado no amor da Trindade. É o amor Divino que inclui a misericórdia direcionada ao Seu objeto de amor (a humanidade) que se encontra desde então numa condição perdida e lastimável.
A benignidade Divina é a manifestação do amor que é capaz de atrair o ser humano mesmo contra a sua vontade! Benignidade é o amor de Deus que nos constrange e destrói toda a nossa pretensão humana que se opõe à vontade soberana Divina. A benignidade Divina é avassaladora quando destrói e conquista o desejo humano por soberania. Não há como “fazer viver” a velha natureza humana quando este amor benigno nos conquista!
O apóstolo Paulo entendeu muito bem a grandeza, o poder atrativo e as implicações deste amor benigno Pois o amor de Deus nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram 2 Coríntios 5:14. Aqui a palavra constranger equivale a “deixar sem defesas”! A posição humana diante do amor Divino é totalmente passiva, pois, nada pode fazer para merecê-lo ou atraí-lo. O constrangimento vindo de Deus é produzido pela revelação do Seu amor por nós!
Logo, todos morreram... Significa dizer que quando recebemos a revelação da obra de Deus em Cristo a única alternativa que nos resta é vivermos na atração operada por este amor que nos mata e faz viver uma vida que não podemos produzir em e por nós mesmos! A palavra traduzida por constrange tem significados mais específicos no sentido de que o amor de Deus nos insere, impele, controla, mantém reféns ou demarca. Ou seja, no sentido da teologia paulina todos os que morreram em Cristo reproduzem a vida do Pai, que está no Filho e pela ação do Espírito.
Em outras palavras, o que Davi está querendo dizer no verso um deste Salmo é: “Senhor, olhe para mim com o Teu olhar amoroso”. A benignidade redentora do Pai é a Sua capacidade amorosa de nos enxergar através da Sua própria bondade! A benignidade Divina nos ensina que Ele é movido a amor, se revela e se relaciona através do Seu amor! Toda a atividade de Deus se resume em amar! Desta atividade amorosa dependem todas as Suas demais ações na criação e na história da redenção.
Das tuas misericórdias... É a “ternura do gostar”. É na benignidade com a humanidade que se vê somente na doçura da Divindade. Nada do que somos ou fazemos pode alterar o tipo de amor que Deus tem por nós. O estoque das misericórdias Divinas jamais poderá ser esgotado. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as tuas misericórdias não têm fim. Novas são cada manhã; grande é a tua fidelidade Lamentações 3:22, 23. “Se nossos pecados forem em número como os cabelos de nossa cabeça, as misericórdias de Deus são como as estrelas dos céus” C. H. Spurgeon.
A misericórdia é uma relação que une dois seres, um ser humano que vive em sua carência existencial mais profunda e Outro Divino que pode supri-la totalmente com a suficiência da Sua presença!
Não há nada que possamos ou precisamos ser o fazer para agradarmos e sermos aceitos pelo Deus cuja essência é o amor e Seu único plano é nos amar. Pois, tudo o que queremos, sentimos, pensamos e fazemos que não seja originado e capacitado pelo amor Divino, é movido e marcado por tentativas humanas que nos afastam Dele. Nosso pecado é caracterizado pela não aceitação da experiência de sermos absorvidos pelo amor do Pai e pela tentativa vivermos a não dependência deste amor. Por esta razão a revelação da Sua graça nos proporciona uma troca completamente desproporcional: o Seu amor pelo nosso pecado!
Fora do amor de Deus não existe nenhuma espécie de amor capaz de perdão e restauração. Os amores familial, humanitário, solidário e erótico não são suficientes para expressar a natureza e a dimensão do amor do Pai. O amor de Deus não pode ser explicado ou analisado a partir das possibilidades criadas pelas manifestações “mais legítimas e nobres” do amor humano. O amor de Deus tem origem Nele mesmo e por isto não pode ser comparado a nenhuma expressão do amor humano. Quando o amor Divino nos invade todas as possibilidades de amor humano não têm mais sentido último.
A benignidade do Salmo 51 é a graça Divina caminhando em nossa direção sem que a desejássemos ou a merecêssemos. É a doçura com qual Deus se move em nossa direção. É o único amor que cura a nossa humanidade caída e falida espiritual, emocional, racional e fisicamente. Este amor não é encontrado em nossa humanidade e invalida todas as tentativas humanas de plágio. Não há nenhuma possibilidade de fusão entre o amor de Deus e as formas de amor humano.
Daí, o contraste e as tensões constantes entre aquilo que somos e fazemos e a essência amorosa e graciosa da pessoa Divina. Diante do amor que Deus só resta-nos a possibilidade da rendição pessoal e incondicional a este amor que não impõe nenhuma condição para nos amar! O critério para a liberação da misericórdia Divina é o Seu amor e não o meu pecado. O que somos e fazemos não é levado em conta quando a misericórdia do Pai entra em ação. Por esta razão, não podemos ter medo daquilo que O Senhor quer ser e fazer em nós!
O Salmo 51:1 nos mostra como O Espírito do Senhor revelou a realidade deste amor a Davi. Só é possível contemplar a grandeza deste amor Divino quando se tem a consciência da malignidade do pecado humano. A benignidade Divina mostra-nos o quanto somos perversos sem a Sua aceitação. Ensina-nos que o clamor ao amor benigno de Deus é a única possibilidade de experimentarmos a vida Do, a restauração produzida Pelo e a identificação com O Deus que é amor. É o amor de Deus nos constrangendo e desconstruindo toda a possibilidade humana que se opõe à vontade Divina. A benignidade do Pai é a única solução para a dissintonia entre a vontade humana caída e a vontade Divina.
O Salmo 51 começa com um clamor pelo Deus que ama sem contabilizar méritos ou deméritos humanos. Traz um reconhecimento claro e eficaz da nossa transgressão (pecado) e nossas transgressões (pecados). Este amor celestial e gracioso exalta a pessoa Divina e humilha e pessoa humana! O amor do Pai só é revelado através do grande paradoxo entre o eu humano e o Divino! O Deus a quem Davi clamou só se revela aos fracassados! “O ser humano verdadeiro é o ser humano vulnerável” (Anselm Grün - A Cruz: a imagem do ser humano redimido).
Deus quer matar a nossa velha vida pelo impacto produzido pela revelação do Seu amor redentor. E, consequentemente, quer nos fazer viver a nova vida gerada por Seu amor que é benigno e invencível! Será que nos vemos assim? Será que nos vemos carentes desta misericórdia? O contraste entre a misericórdia e o pecado só pode levar à morte do velho homem. Supliquemos para que o Pai das misericórdias revele aos nossos corações este amor que nos aceita sem nenhuma condição!
Quem é Deus? Ele é o amor! O que Ele quer comigo? Quer amar-me! Quem sou eu? Um pecador! O que tenho para oferecê-lo? O meu pecado e os muitos pecados que ele produz! Só quem já recebeu a revelação e foi alcançado pelo amor misericordioso do Pai poderá clamar por misericórdia como o fez Davi.
No Salmo 51:1 a misericórdia e a benignidade Divinas nos dizem a cada momento: (1) desistam de querer ver amor em vocês; de tentarem ser bons com bondade própria: de acharem que existe algo de bom no ser humano e na humanidade e (2) creiam que somente o amor de Deus é o único que gerar vida e ser visto em vocês!
 
Soli Deo Glória.
 
 

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