domingo, 16 de dezembro de 2012

O CRIME DA LETRA

E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em Deus não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica. 2 Coríntios 3:4-6.
O termo configura a palavra e essa exibe um significado. A letra grafa um termo que designa uma palavra que tem um sentido. A escrita é o desenho de um vocábulo que traz uma acepção. Água, por exemplo, é um termo que define uma idéia, que expressa um fato. O termo é o diagrama da palavra, enquanto a palavra é como a casca da banana que conserva o fruto. Há um valor verdadeiro em cada palavra que o termo apresenta. Quando eu escrevo o termo água, ele me remete para um conceito que me traz a avaliação da coisa, na base da experiência. Se eu sei o que é água, então o termo me conduz à palavra que coliga com a realidade. A idéia de água é identificada na palavra descrita. Se eu não tenho a definição do termo, então a palavra fica sem sentido para mim. Se eu escrever hudatos, o termo fica incompreensível para muita gente. É preciso uma explicação que traga sentido ao termo. Mas este termo é apenas a transliteração da palavra água, na língua grega. Quem não sabe o termo grego, não sabe o significado da palavra e fica sem entendimento. Por outro lado, o significado das palavras conhecidas varia de cultura para cultura e de pessoa para pessoa. Segundo Paulo, há palavra na letra, mas ela vai além da escrita, pois a letra é em si mesma morta, e do ponto de vista do espírito, ela é mortal. Não há vida espiritual no termo. A expressão da vida encontra-se na vivificação da palavra que sai da boca de Deus. O termo sem a fecundação do Pai e a revelação do Espírito é uma urna funerária que conserva uma expressão morta. A letra sem o Espírito é homicida.
A escrita é a codificação da palavra, porém esta palavra precisa ser avivada pela ação do Espírito Santo, a fim de produzir o resultado espiritual em cada pessoa. O termo gráfico é como um carvão que só pode acender se for inflamado, e só pode ficar incendiado se for soprado pelo Espírito. Sem a vida divina o vocábulo é um mero defunto e sua operação é sinistra. A letra da Escritura sem a vivificação da Trindade é uma composição literária de grande valor histórico, mas sem qualquer importância para o avivamento. A letra sem o sopro do Espírito é delito. Um dos maiores crimes contra a igreja é a pregação da letra fria. Há muita gente morta em conseqüência de uma mensagem rigorosamente letrada. É uma proclamação bíblica e ortodoxa, mas não tem vida espiritual. Estou convencido de que em muitas ocasiões tenho sido culpado desse tipo de pregação, e que há uma multidão de cadáveres religiosos em razão da letra morta. Jesus foi muito claro ao dizer: O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida. João 6:63.
O termo limita a palavra. Quando eu denomino uma realidade com um termo, não significa que eu a compreendo. Além disso, definir um termo é colocar fronteira no seu perímetro. A palavra de Deus ultrapassa o alcance da nossa mente, por isso, delimitá-la é prejuízo de proporções inimagináveis. O apóstolo Paulo afirma com a maior exatidão: Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. 1 Coríntios 2:14. A mente, ainda que seja o terreno da compreensão humana, encontra-se limitada pelos conceitos tridimensionais. Como a realidade espiritual transcende a fronteira da matéria, fica impossível a sua conceituação. A questão ao anunciar a palavra de Deus requer mais do que explicação lógica. A grande necessidade na pregação é a revelação da palavra e a sua vivificação. Uma coisa é a exegese do texto, outra bem diferente é a unção decorrente da intimidade como o Espírito de Deus, que revela e vivifica a palavra. Saber dissecar os termos não gera vida nas pessoas. Só o Espírito produz vida espiritual por meio da sua palavra. A grande crise na pregação moderna é a falta de conhecimento pessoal da palavra de Deus aliada à ausência de revelação e vivificação do Espírito. Hoje se fala muito de unção como sinônimo de sentimento inflamado. Mas, ainda que a emoção tenha lugar numa experiência verdadeiramente espiritual, essa emoção acalorada nunca foi semelhante à unção espiritual. É fogo estranho no altar do Senhor. Um pregador ungido é alguém controlado pelo poder do alto e cheio de domínio próprio, cujo objetivo é transmitir, com fidelidade, a palavra de Deus revelada e vivificada pelo Espírito Santo ao coração dos seus ouvintes. Por isso mesmo, nunca se deve confundir a unção espiritual com essa animação do sujeito na pregação. Mas a alma excitada é um expediente carnal muito comum na exposição da palavra de Deus. Para o apóstolo, o crime da letra é um homicídio da vida espiritual. Se alguém ficar preso à escrita é um morto espiritual e matador. Ainda que a letra seja vital para o conhecimento da palavra de Deus, permanecer aprisionado a ela, é matança. É importante que se conheça a Escritura, pois ela, à semelhança dos trilhos para o trem, é o suporte para a revelação. Todavia, não se pode continuar na vida cristã sendo contido pela letra.
Assim como a agulha magnética aponta para o Pólo Norte, a Escritura aponta para a pessoa de Cristo. Ela é uma biblioteca que testemunha da vida magnífica de Cristo. Jesus disse para os seus contemporâneos: Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida. João 5:39-40.
De acordo com Jesus, a Bíblia é o álbum de sua pessoa, o cardápio do seu banquete, a anamnese de sua história, o mapa da sua andança, a revelação de sua identidade e a receita da única vida que realmente faz sentido. A Escritura distingue essa fonte suficiente de vida e a oferece como exclusiva para dar significado ao ser humano. Ninguém se relaciona pessoalmente com retrato, nem come cardápio. Mesmo que a carta geográfica seja indispensável para a orientação dos peregrinos, nenhuma pessoa anda sobre os traçados das cartas. Além disso, todos nós precisamos de alguém vivo para nos relacionar. Apesar de o cardápio ter valor na escolha da comida, ele não é o alimento. A Bíblia é o cardápio do céu, mas Cristo é o único mantimento. Eu preciso do cardápio para conhecer e escolher os pratos, porém eu não me alimento dele. Jesus é o maná do menu de Deus e só ele pode nos satisfazer realmente. Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede. João 6:35. Ele não é lição preciosa para a nossa vida. Ele é o pão cotidiano.
A letra é útil para nos conduzir ao manjar, contudo a letra não nos nutre. A alimentação específica da vida espiritual é Cristo. Não existe outra comida que possa atender às necessidades do espírito fora da pessoa de Cristo Jesus. Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não pereça. João 6:48-50.
O crime da letra é a desnutrição e a morte. Sem comida a vida perece. Alguém desnutrido é um aspirante a defunto. Cristo é o verbo encarnado e o pasto das ovelhas. Não existe outra pastagem para o crente além da pessoa de Cristo. Se não encontrarmos a pessoa de Cristo em nossa leitura bíblica, não encontramos a vida e o alimento espiritual. Só Cristo pode contentar a nossa alma e alegrar o nosso espírito com a sua vida. Ele é o único alimento espiritual que pode dar significado ao ser humano. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá. João 6:57.
A fome da alma é um apetite por Deus que apenas Cristo pode satisfazer. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão, e o vosso suor, naquilo que não satisfaz? Ouvi-me atentamente, comei o que é bom e vos deleitareis com finos manjares. Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi. Isaías 55:2-3.
A nação israelita ficou apenas com o cardápio, deixando de comer o verdadeiro pão que veio do céu. Mas a igreja atual passa pelo mesmo lance crítico. Hoje em dia nós nos esmeramos na qualidade estética do cardápio e na sua melhor tradução, e apesar disso, pouca gente tem comido do pão de Deus. As versões bíblicas são fantásticas e as encadernações primorosas e ainda assim o povo está morto espiritualmente e com fome, pois a letra mata. Erudição não mata a fome do espírito. Madame Guyon falava de uma leitura textual que deve enfocar a pessoa de Cristo. Quando estivermos lendo a Escritura precisamos parar a cada instante para entrarmos em contato com o Cristo que habita em nosso espírito e que se revela no encadeamento das palavras que estamos lendo. Se não houver esta afinidade entre o Cristo que vive no espírito do crente e o Espírito de Cristo que se manifesta na palavra, nós estamos sem vida. Como vimos anteriormente, podemos ter uma pregação ortodoxa e profundamente escriturística, mas sem a vida espiritual. A grande necessidade da igreja atual é de um avivamento bíblico. Precisamos de centralidade na Bíblia, mas carecemos, além disso, da vivificação e revelação do Espírito Santo. A letra sem o hálito fresco da boca Divina é um esqueleto literário, sem o poder de vivificar. O palácio real sem a realeza é simplesmente um museu. A letra da Escritura sem a vida manifesta de Cristo é bibliografia ou história. A grande necessidade da igreja é de comunhão pessoal com o seu Salvador e Senhor, por isso, não basta fazer a mera leitura da Bíblia, já que é imperativa a revelação do Espírito para torná-la viva na experiência do crente. Sem a luz do Espírito a letra se configura numa arma assassina, e nós, os pregadores, em múmias criminosas. Vem Senhor vivificar e revelar a tua palavra em nosso ser.
 
Soli Deo Glória.

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