E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em Deus não que, por nós
mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo
contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos
ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra
mata, mas o espírito vivifica. 2 Coríntios 3:4-6.
O termo configura a palavra e essa exibe um significado. A
letra grafa um termo que designa uma palavra que tem um sentido. A escrita é o
desenho de um vocábulo que traz uma acepção. Água, por exemplo, é um termo que
define uma idéia, que expressa um fato. O termo é o diagrama da palavra,
enquanto a palavra é como a casca da banana que conserva o fruto. Há um valor
verdadeiro em cada palavra que o termo apresenta. Quando eu escrevo o termo
água, ele me remete para um conceito que me traz a avaliação da coisa, na base
da experiência. Se eu sei o que é água, então o termo me conduz à palavra que
coliga com a realidade. A idéia de água é identificada na palavra descrita. Se
eu não tenho a definição do termo, então a palavra fica sem sentido para mim. Se
eu escrever hudatos, o termo fica incompreensível para muita gente. É
preciso uma explicação que traga sentido ao termo. Mas este termo é apenas a
transliteração da palavra água, na língua grega. Quem não sabe o termo grego,
não sabe o significado da palavra e fica sem entendimento. Por outro lado, o
significado das palavras conhecidas varia de cultura para cultura e de pessoa
para pessoa. Segundo Paulo, há palavra na letra, mas ela vai além da escrita,
pois a letra é em si mesma morta, e do ponto de vista do espírito, ela é mortal.
Não há vida espiritual no termo. A expressão da vida encontra-se na vivificação
da palavra que sai da boca de Deus. O termo sem a fecundação do Pai e a
revelação do Espírito é uma urna funerária que conserva uma expressão morta. A
letra sem o Espírito é homicida.
A escrita é a codificação da palavra, porém esta palavra
precisa ser avivada pela ação do Espírito Santo, a fim de produzir o resultado
espiritual em cada pessoa. O termo gráfico é como um carvão que só pode acender
se for inflamado, e só pode ficar incendiado se for soprado pelo Espírito. Sem a
vida divina o vocábulo é um mero defunto e sua operação é sinistra. A letra da
Escritura sem a vivificação da Trindade é uma composição literária de grande
valor histórico, mas sem qualquer importância para o avivamento. A letra sem o
sopro do Espírito é delito. Um dos maiores crimes contra a igreja é a pregação
da letra fria. Há muita gente morta em conseqüência de uma mensagem
rigorosamente letrada. É uma proclamação bíblica e ortodoxa, mas não tem vida
espiritual. Estou convencido de que em muitas ocasiões tenho sido culpado desse
tipo de pregação, e que há uma multidão de cadáveres religiosos em razão da
letra morta. Jesus foi muito claro ao dizer: O espírito é o que vivifica;
a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e
são vida. João 6:63.
O termo limita a palavra. Quando eu denomino uma realidade com
um termo, não significa que eu a compreendo. Além disso, definir um termo é
colocar fronteira no seu perímetro. A palavra de Deus ultrapassa o alcance da
nossa mente, por isso, delimitá-la é prejuízo de proporções inimagináveis. O
apóstolo Paulo afirma com a maior exatidão: Ora, o homem natural não
aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode
entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. 1 Coríntios 2:14.
A mente, ainda que seja o terreno da compreensão humana, encontra-se limitada
pelos conceitos tridimensionais. Como a realidade espiritual transcende a
fronteira da matéria, fica impossível a sua conceituação. A questão ao anunciar
a palavra de Deus requer mais do que explicação lógica. A grande necessidade na
pregação é a revelação da palavra e a sua vivificação. Uma coisa é a exegese do
texto, outra bem diferente é a unção decorrente da intimidade como o Espírito de
Deus, que revela e vivifica a palavra. Saber dissecar os termos não gera vida
nas pessoas. Só o Espírito produz vida espiritual por meio da sua palavra. A
grande crise na pregação moderna é a falta de conhecimento pessoal da palavra de
Deus aliada à ausência de revelação e vivificação do Espírito. Hoje se fala
muito de unção como sinônimo de sentimento inflamado. Mas, ainda que a emoção
tenha lugar numa experiência verdadeiramente espiritual, essa emoção acalorada
nunca foi semelhante à unção espiritual. É fogo estranho no altar do Senhor. Um
pregador ungido é alguém controlado pelo poder do alto e cheio de domínio
próprio, cujo objetivo é transmitir, com fidelidade, a palavra de Deus revelada
e vivificada pelo Espírito Santo ao coração dos seus ouvintes. Por isso mesmo,
nunca se deve confundir a unção espiritual com essa animação do sujeito na
pregação. Mas a alma excitada é um expediente carnal muito comum na exposição da
palavra de Deus. Para o apóstolo, o crime da letra é um homicídio da vida
espiritual. Se alguém ficar preso à escrita é um morto espiritual e matador.
Ainda que a letra seja vital para o conhecimento da palavra de Deus, permanecer
aprisionado a ela, é matança. É importante que se conheça a Escritura, pois ela,
à semelhança dos trilhos para o trem, é o suporte para a revelação. Todavia, não
se pode continuar na vida cristã sendo contido pela letra.
Assim como a agulha magnética aponta para o Pólo Norte, a
Escritura aponta para a pessoa de Cristo. Ela é uma biblioteca que testemunha da
vida magnífica de Cristo. Jesus disse para os seus contemporâneos:
Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas
mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida.
João 5:39-40.
De acordo com Jesus, a Bíblia é o álbum de sua pessoa, o
cardápio do seu banquete, a anamnese de sua história, o mapa da sua andança, a
revelação de sua identidade e a receita da única vida que realmente faz sentido.
A Escritura distingue essa fonte suficiente de vida e a oferece como exclusiva
para dar significado ao ser humano. Ninguém se relaciona pessoalmente com
retrato, nem come cardápio. Mesmo que a carta geográfica seja indispensável para
a orientação dos peregrinos, nenhuma pessoa anda sobre os traçados das cartas.
Além disso, todos nós precisamos de alguém vivo para nos relacionar. Apesar de o
cardápio ter valor na escolha da comida, ele não é o alimento. A Bíblia é o
cardápio do céu, mas Cristo é o único mantimento. Eu preciso do cardápio para
conhecer e escolher os pratos, porém eu não me alimento dele. Jesus é o maná do
menu de Deus e só ele pode nos satisfazer realmente. Declarou-lhes, pois,
Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em
mim jamais terá sede. João 6:35. Ele não é lição preciosa para a nossa
vida. Ele é o pão cotidiano.
A letra é útil para nos conduzir ao manjar, contudo a letra não
nos nutre. A alimentação específica da vida espiritual é Cristo. Não existe
outra comida que possa atender às necessidades do espírito fora da pessoa de
Cristo Jesus. Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto
e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não
pereça. João 6:48-50.
O crime da letra é a desnutrição e a morte. Sem comida a vida
perece. Alguém desnutrido é um aspirante a defunto. Cristo é o verbo encarnado e
o pasto das ovelhas. Não existe outra pastagem para o crente além da pessoa de
Cristo. Se não encontrarmos a pessoa de Cristo em nossa leitura bíblica, não
encontramos a vida e o alimento espiritual. Só Cristo pode contentar a nossa
alma e alegrar o nosso espírito com a sua vida. Ele é o único alimento
espiritual que pode dar significado ao ser humano. Assim como o Pai, que
vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta
por mim viverá. João 6:57.
A fome da alma é um apetite por Deus que apenas Cristo pode
satisfazer. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão, e o vosso
suor, naquilo que não satisfaz? Ouvi-me atentamente, comei o que é bom e vos
deleitareis com finos manjares. Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a
vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, que consiste nas
fiéis misericórdias prometidas a Davi. Isaías 55:2-3.
A nação israelita ficou apenas com o cardápio, deixando de
comer o verdadeiro pão que veio do céu. Mas a igreja atual passa pelo mesmo
lance crítico. Hoje em dia nós nos esmeramos na qualidade estética do cardápio e
na sua melhor tradução, e apesar disso, pouca gente tem comido do pão de Deus.
As versões bíblicas são fantásticas e as encadernações primorosas e ainda assim
o povo está morto espiritualmente e com fome, pois a letra mata. Erudição não
mata a fome do espírito. Madame Guyon falava de uma leitura textual que deve
enfocar a pessoa de Cristo. Quando estivermos lendo a Escritura precisamos parar
a cada instante para entrarmos em contato com o Cristo que habita em nosso
espírito e que se revela no encadeamento das palavras que estamos lendo. Se não
houver esta afinidade entre o Cristo que vive no espírito do crente e o Espírito
de Cristo que se manifesta na palavra, nós estamos sem vida. Como vimos
anteriormente, podemos ter uma pregação ortodoxa e profundamente escriturística,
mas sem a vida espiritual. A grande necessidade da igreja atual é de um
avivamento bíblico. Precisamos de centralidade na Bíblia, mas carecemos, além
disso, da vivificação e revelação do Espírito Santo. A letra sem o hálito fresco
da boca Divina é um esqueleto literário, sem o poder de vivificar. O palácio
real sem a realeza é simplesmente um museu. A letra da Escritura sem a vida
manifesta de Cristo é bibliografia ou história. A grande necessidade da igreja é
de comunhão pessoal com o seu Salvador e Senhor, por isso, não basta fazer a
mera leitura da Bíblia, já que é imperativa a revelação do Espírito para
torná-la viva na experiência do crente. Sem a luz do Espírito a letra se
configura numa arma assassina, e nós, os pregadores, em múmias criminosas. Vem
Senhor vivificar e revelar a tua palavra em nosso ser.
Soli Deo Glória.
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O propósito deste blog na sua forma completa é capacitar seus leitores a entenderem a Bíblia. Apresenta instrução básica eficiente do ponto de vista bíblico. Procura remover todas as falsas pressuposições racionalistas, moralistas, antropocêntricas e idólatras que já infectaram,e, na medida desta infecção, cegaram todo homem e toda cultura deste mundo a partir da queda de Adão.
domingo, 16 de dezembro de 2012
O CRIME DA LETRA
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