“Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se
negue, dia a dia tome sua cruz e siga-me” Lucas 9:23.
Existe uma lenda proveniente da Grécia antiga, sobre um
oráculo, caracterizado por sua infalibilidade. Pessoas que exerciam autoridade
naquele contexto, ou mesmo pessoas comuns, não tomavam decisões importantes sem
antes consultá-lo. Toda a autoridade daquele oráculo se fundamentava e se
sustentava na tradição sedimentada por séculos.
Dois episódios exemplificam a relação dos povos antigos com os
oráculos. O primeiro, refere-se à batalha das Termópilas, na qual a guarda
pessoal do rei Leônidas de Sparta, composta de trezentos bravos soldados, teve
que resistir até à morte, trezentos mil soldados persas, comandados pelo
terrível rei Xerxes – na Bíblia chamado de Rei Assuero (519 a.C. a 466 a.C.).
Esta Batalha se deu após a desobediência do Rei Leônidas, uma vez que, o oráculo
o havia aconselhado a não ir à guerra.
No segundo episódio, a lenda grega conta a história de um rei
que, na iminência da guerra, recorreu ao oráculo, o qual lhe deu a seguinte
resposta: “Irás voltarás não morrerás ali”. Tendo ouvido isto, o rei mobilizou o
seu exército, foi, não voltou e morreu na batalha. Este acontecimento pôs em
dúvida a confiabilidade e a infalibilidade do oráculo, bem como toda a tradição
na qual se sustentava.
Diante de tal obstáculo, os sábios se reuniram, examinaram o
caso, e chegaram à seguinte conclusão: o rei, devido o seu estado de apreensão,
não prestou atenção à pontuação contida no enunciado. A frase não dizia: “ Irás
voltarás não morrerás ali”. Mas sim, “Irás. Voltarás? Não, morrerás ali”. Deste
modo, os sábios conseguiram manter intacta a credibilidade do oráculo, como
também aquela tradição vigente no mundo helênico.
O que podemos perceber nesta pequena história é o esforço dos
sábios do mundo em questão, para preservar a confiabilidade daquele oráculo. O
objetivo era a preservação da ordem vigente e o curso natural daquela sociedade,
pois questionar o veredicto do oráculo poderia causar desordem, lançando dúvidas
sobre todas as decisões – passadas e futuras - o que poderia dar origem a uma
crise institucional sem precedentes.
O homem, sua sabedoria e sua tradição constituíam os três
pilares que sustentavam aquela sociedade. Olhando para o mundo atual,
constatamos que pouco ou quase nada mudou. O homem moderno continua o seu
esforço para salvaguardar conhecimentos destinados à manutenção do curso do
mundo; continuam pretendendo conservar inabaláveis os fundamentos humanistas que
orientam e moldam o pensamento do mundo, onde ele é o centro.
O Apóstolo Paulo, ao se dirigir aos irmãos de Colossos, os
adverte contra o risco de fazer do Evangelho – a boa nova de Deus – algo
passivamente conformado aos velhos rudimentos do mundo: “Tende cuidado, para
que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo
a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”.
Colossenses 2:8.
Conformar o Evangelho ao sistema do mundo, significa
transformá-lo numa religião na qual o homem é o centro e o agente – e não
Cristo. Um Evangelho assimilado pelas práticas vigentes na cultura do mundo,
pode convergir para três noções - igualmente falsas. A primeira é que, Deus
avaliou mal o homem e o seu pecado. A segunda é que há a possibilidade do homem
satisfazer a justiça divina sem a morte com Cristo e, a terceira, diz que o
homem é capaz de servir a Deus, sem Cristo.
Mas, alguém poderia dizer: jamais algum cristão falaria tal
coisa! Não existe qualquer tratado teológico que expresse categoricamente tal
afirmação! Talvez não, mas deixando os tratados teológicos de lado, devemos
dedicar especial atenção aos significados dissimulados nas entrelinhas de muitos
sermões que são atualmente pronunciados nos púlpitos, bem como, nas práticas de
boa parte da chamada “cristandade”. Veremos que as mensagens pregadas estão cada
vez mais próximas, e sutilmente ajustadas ao curso deste mundo.
Quando tentamos sustentar nosso relacionamento com Deus, com
nossos possíveis “acertos”, estamos, na verdade, nos autoafirmando enquanto
velho homem. Quando negamos alguma prática pecaminosa na base do rigor ascético,
e tomamos esse esforço pessoal como uma credencial para entrar com confiança na
presença de Deus, isto é sinal de que, para nós, o pecado não é tão forte assim,
e que somos capazes de vencê-lo. A esse respeito, a Escritura nos diz: “Pode
o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Tampouco podeis vós
fazer o bem acostumados que estais a fazer o mal. Jeremias 13:23.
Olhando para o texto de Lucas, Dizia a todos: Se alguém quer
vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me,
percebemos que a sentença logo de início revela o caráter inovador do reino de
Deus, no qual Cristo é a Rocha que sustenta todas as coisas por Sua Graça –
contrastando com o sistema vigente no mundo.
Esta passagem nos mostra que o Deus todo poderoso se fez fraco
para ouvir a vontade do fraco, quando diz: Se alguém quer vir após mim.
Em um mundo onde o forte não abre mão do seu poder, a vontade do fraco é
desprezada e, a vontade do forte é imposta. Por isso, as palavras de Jesus soam
como subversivas e perigosas a quem quer manter a ordem do mundo tal como
está.
Esta situação muito se agrava diante da condição trazida por
Cristo àqueles que, de algum modo, expressam uma vontade positiva de segui-lo,
negando-se a si mesmos. Negar a si mesmo significa ir contra a correnteza. Isso
não faz sentido a um mundo completamente corrompido pelo pecado.
Neste mundo eu tenho que ser, e não deixar de ser. Tenho que me
autoafirmar e não me negar. O negar-se acaba com as guerras, com a opressão, com
a violência, com a desigualdade e com a competitividade, ou seja, acaba com a
força propulsora do mundo. Você já imaginou um mundo onde ninguém quer ser mais
do que o outro; cada um considerando o outro superior a si mesmo em pleno
contentamento?
O negar-se é uma bomba para o mundo, pois todo o sistema que o
sustenta seria reduzido a nada. É neste ponto que os sábios deste mundo entram
em ação com suas acrobacias exegéticas, ou pela falta dela, tal como os sábios
da Grécia antiga o fizeram. No que se refere à perspectiva da religião, usam de
todos os artifícios possíveis para que o mundo, como sistema, não entre em
colapso. Eles transformam o “negar a si mesmo”, na negação do
negar-se, fazendo da auto-negação, um meio pelo qual possam se autoafirmar,
assim com o fariseu no capítulo 18 de Lucas. Lançam mão da dialética da negativa
do não ser, para se auto-afirmar enquanto ser.
Pois, ao dizer: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como
os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este cobrador
de impostos. Lucas 18:11; ele, na verdade, está dizendo: eu sou especial e,
em vez de negar a si mesmo ele se autoafirma. Quando ele se apresenta como
diferente dos demais homens, quer afirmar a sua própria justiça e santidade, em
vez de negá-la, assim como tudo o que lhe diz respeito. Ao contrário do fariseu,
Paulo admite: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita
bem algum, e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o
bem”Romanos 7: 8.
Ao pretendermos fazer do Evangelho um meio de nos autoafirmar e
de nos diferenciar dos demais, estamos dizendo um NÃO ao chamado de Cristo para
sermos seus discípulos, pois Ele diz: se alguém quer ser meu discípulo, a si
mesmo se negue. Isto significa recusar a Cruz que é diária e, andar no
sentido contrário ao Senhor Jesus, ainda que possamos dizer: jejuo duas vezes
por semana e dou o dízimo de tudo quanto tenho.
A verdade que queremos mostrar é que, para a nova criatura é
impossível viver ou fazer qualquer coisa, a não ser em comunhão com o Cristo
morto e ressurreto, e isto se expressa na dependência total da manifestação da
vida de Cristo nele, o que elemina toda e qualquer jactância: Sem mim nada
podeis fazer. João 15:5. Viver de modo diferente é invalidar a novidade do
Evangelho, conformando-o ao sistema velho do mundo, onde o homem é o agente e
por isso pode se vangloriar.
Com isto, a religião torna-se uma espécie de saída honrosa,
porém inútil, para o homem no pecado. Que não admite negar a si mesmo e nem a
solução proposta por Deus na cruz do calvário. E por mais paradoxal que isto
pareça, buscam na pregação baseada neste texto de Lucas 9:23, a autoafirmação do
homem, mantendo assim, o pecado e os velhos rudimentos do mundo intactos.
Isto só é possível quando negamos o veredicto da Palavra que
diz: a alma que pecar esta morrerá. Ezequiel 18:4. O velho homem se
desespera diante da imutável Palavra de Deus por não admitir que para ele existe
somente uma solução: morrer. Não consegue negar-se e abandonar-se à morte, mas
tenta desesperadamente firmar-se na “possibilidade” de satisfazer a santidade e
a justiça de Deus em si mesmo.
Se essa possibilidade existisse no próprio homem, o sacrifício
de Jesus Cristo seria desnecessário. Aliás, seria uma incoerência divina diante
da Sua própria essência amorosa, expor Jesus ao Massacre da Cruz, se o homem
pudesse por si mesmo libertar-se do pecado e da morte. Em outras palavras, se o
homem pudesse negar a si mesmo, “Mas longe de mim esteja gloriar-me, a não
ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado
para mim e eu para o mundo”. Gálatas 6:14.
Soli Deo Glória.
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O propósito deste blog na sua forma completa é capacitar seus leitores a entenderem a Bíblia. Apresenta instrução básica eficiente do ponto de vista bíblico. Procura remover todas as falsas pressuposições racionalistas, moralistas, antropocêntricas e idólatras que já infectaram,e, na medida desta infecção, cegaram todo homem e toda cultura deste mundo a partir da queda de Adão.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
A NEGAÇÃO DO NEGAR-SE
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