segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

UMA IGREJA CRUCIFICADA

Em nossa sociedade, há muitos fatores que militam contra a vida comunitária da igreja. Em todos os lugares do mundo, as principais instituições estão sendo questionadas e solapadas. As pressões mais fortes são sobre a família, a escola, a igreja e o Estado. O poder institucional tem perdido a sua força. Assim como a família passou a depender da família, a igreja depende da própria igreja. É nesse ambiente, que vemos proliferar os mais diversos modelos de igreja: igreja-escola, igreja shopping-center, igreja-teatro, igreja-midiática e a igreja internauta, além de uma infinidade de outras formas inovadoras, mas que não contemplam o espírito de comunidade. A grande questão não é tanto de forma, mas de essência. Hoje, mais do que nunca, precisamos essencialmente de uma igreja crucificada. A igreja é uma comunidade de contracultura. É na comunidade que aprendemos padrões, valores e ideais, ou seja, o nomos. Essa necessidade de ordem (nomos) é que nos leva a classificar os objetos, distinguir formas e proporções, dar nomes (nomos) e atribuir adjetivos. A ausência de significado, de ordem, de nomos, de explicação produz no homem sentimentos de confusão, falta de sentido e desespero. É isto que o homem pós-moderno tem experimentado depois que lhe foram arrancadas as grandes utopias. O homem pós-moderno deixou de ser gente. Ele é um ser fragmentado e desumanizado. Por esta razão, a igreja é um dos poucos lugares onde as pessoas podem descobrir o mistério da vida e o encantamento de ser pessoa humana. Porém, se a igreja incorporar os valores, os códigos e a ética do mundo, ela deixa de cumprir sua função de sal e luz. Deste modo, o mundo não consegue entender por que o Evangelho é relevante.Um dos valores centrais da fé cristã é a comunhão; a qual se desdobra em união e unidade. Foi Deus quem chamou a Igreja à existência e nos reuniu como uma só família. Pelo seu Santo Espírito, ele nos faz viver em unidade e harmonia com todos os seus filhos. Ele nos fez parte do seu povo. A nossa vocação é essencialmente relacional. Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. 1 João 4.7. A igreja é o espaço de comunhão dos
filhos de Deus e, ao experimentar conjuntamente o amor divino, desenvolvemos o significado de pessoa. Larry Crabb, em seu livro, O Lugar mais Seguro da Terra, defende que a igreja é este lugar. Na igreja as pessoas se conectam e são transformadas
.Tão certo quanto as aves foram feitas para voar e os peixes para nadar, nós fomos feitos para a comunidade, para o tipo de comunidade que a Trindade vivencia, para a comunidade espiritual. E à medida que a vivenciamos, nós mudamos, crescemos, nos curamos.Uma igreja voltada para as pessoasA crise que as igrejas estão enfrentando também revela a nossa dificuldade de conceituar o que é a igreja. Talvez a nossa forte ênfase em uma espiritualidade pessoal, nos faz ter dificuldades para entender que fazemos parte de algo maior que nós: a congregação dos santos. Mas, antes de tentarmos defender a igreja frente a outras pessoas, nós mesmos precisamos repensar o que entendemos por igreja, e qual a sua função no mundo. Uma teologia enfraquecida tem fortes implicações sobre as nossas ações enquanto igreja. A teologia precede a prática.Afinal, o que nos impede de amar profundamente a nossa igreja e de nos entregar deliberadamente a uma vida comunitária? Eu diria que são três fatores: 1) os valores de nossa sociedade; 2) as nossas ênfases doutrinárias e 3) as nossas tendências pecaminosas. Os valores de nossa sociedade: Uma das características mais fortes de nossa cultura é o individualismo e seus perversos desdobramentos: a autonomia, a privatização da vida e o narcisismo, entre outros. O crente individualista tem ojeriza de qualquer relacionamento e compromisso que não o beneficie. As nossas ênfases doutrinárias: As igrejas que dão muita ênfase à depravação total do ser humano correm o risco de ter uma visão negativa e pessimista das pessoas. Esta concepção, quando não equilibrada com a teologia da criação, leva os crentes a uma atitude de desconfiança e indiferença para com as pessoas. Nossas tendências pecaminosas: Uma forte característica do pecado é o desejo pelo poder. A preferência pelo poder implica a necessidade de se negar o amor. Os dois jamais coexistem na experiência humana. Esta opção foi apresentada no Éden. Desde então, o homem tem escolhido a busca pelo poder e pelo controle, querendo ser igual a Deus. O resultado é uma competição desenfreada pela conquista de glória.Jesus demonstrou que os valores do Reino confrontam os valores deste mundo: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás os teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. Mateus 22.37-40. Aqui percebemos que Jesus ensinou que é preciso deixar de ser autocentralizado, para voltar-se completamente para Deus e para o próximo. Um dos maiores desafios da igreja nos dias de hoje é o desenvolvimento desta sensibilidade para com o outro. O pastor e professor Jorge Barro analisa: A igreja necessita de uma segunda conversão. Ela necessita converter-se ao próximo. A primeira conversão é à Deus, e a segunda é ao próximo.A igreja é a encarnação de Cristo na terra. Ela é a sua noiva. Ela está destinada a incorporar as paixões do seu Noivo. Cristo é exemplo de amor sacrificial, espírito de serviço humilde e abnegado. Ele convida a igreja a se identificar com os outros, da mesma forma que se identificou com pecadores na cruz, demonstrando até que ponto a solidariedade divina é capaz de chegar. Jesus espera de sua igreja uma vivência de encarnação, tal como ele propôs para se aproximar da humanidade. Ele não abriu um buraco no céu para nos anunciar sua vontade, mas encurtou a distância fazendo-se gente. É isso que Ele espera de sua noiva: que ela não tenha medo de sujar as mãos e de sentir as dores das pessoas que ainda não conhecem ao Deus crucificado. Uma igreja crucificadaUm dos maiores problemas das igrejas é que elas vivem somente para si mesmas. A igreja tem se tornado um fim em si mesma. Quando a comunidade deixa de ter consciência de sua missão, ela deixa de ser igreja, torna-se qualquer outra coisa, menos igreja. A única solução para recuperarmos a identidade da igreja e a sua função redentiva no mundo, é ela estar crucificada para si mesma. Pois o amor de Cristo nos constrange, porque estamos convencidos de que um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos para que aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou. 2 Corintios 5.14-15. Se prestarmos atenção ao texto, percebemos que ele está no plural. A igreja é uma comunidade de crucificados, os quais não vivem mais para si mesmos, à cata de bênçãos, mas para em tudo, agradar ao Senhor da salvação. Uma igreja crucificada é voltada para Deus. Ela sabe que os verdadeiros relacionamentos não surgem por meio de técnicas e programas, mas do seu relacionamento profundo com Deus. Sabe que ela somente existe e persevera como povo de Deus, por causa da Nova Aliança. Por esta razão, Cristo é o mediador de uma nova aliança para que os que são chamados recebam a promessa da herança eterna, visto que ele morreu como resgate pelas transgressões cometidas sob a primeira aliança. Hebreus 9.15. Uma igreja crucificada é marcada pela fé. Ela reconhece que somente o Evangelho de Deus é capaz de transformar vidas e realidades. Ela sabe que o Evangelho é capaz de transformar o homem por inteiro. Ela crê que o Evangelho não pode se restringir à crucificação de Cristo, mas deve contemplar a morte do velho homem para o pecado e a ressurreição do novo homem em Cristo. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus. Romanos 6.11. Ela sabe reconhecer que somente as convicções doutrinárias não bastam. Vinculada à proclamação, deve haver, também, vidas transformadas pelo Evangelho. Uma igreja crucificada é marcada pela esperança. Supera a desconfiança e a visão pessimista do ser humano, ao conhecer o poder redentor do Evangelho da Graça. Não se fixa nas falhas e nos defeitos das pessoas, mas na manifestação da graça na vida do outro. Não é legalista e punitiva, mas graciosa e amorosa. Aceita as individualidades, pois sabe que há graus diferenciados de maturidade na fé cristã. As pessoas desenvolveram a confiança no outro, a ponto de compartilharem suas dificuldades e seus conflitos na busca de ajuda, reconhecendo o poder das amizades espirituais, como bálsamo para as feridas da alma.Uma igreja crucificada é marcada pelo amor. O amálgama da comunidade espiritual é o amor. O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. 1 Coríntios. 13.4-7. Qual foi a última vez que você disse a um irmão em Cristo que o amava? Se faz tempo, não há problema, mas qual foi a última vez que demonstrou amor para um deles, superando a impaciência, a inveja, o orgulho, o egoísmo, o ressentimento e as suas falhas? Se eu não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine... nada serei... nada valerá. 1 Coríntios 13.1-3. Porém, ao abrir mão do controle e deixar o Espírito tomar conta, o amor irá contagiar a nossa comunidade, e esta contagiará a nossa sociedade.Apesar de todas as conspirações, sejam elas da sociedade ou do nosso próprio coração, é possível viver em comunidade. Somos vocacionados a reinventar a vida, e a Graça nos favorece nesse empreendimento. Ao conhecermos o amor verdadeiro, experimentamos o calor, a solidariedade, a intimidade, o aconchego, a liberdade, e o acolhimento do outro. Por esta razão, reiteramos que somente uma igreja crucificada é capaz de oferecer ao homem pós-moderno respostas redentivas de Deus e propostas concretas de vida abundante. De modo que em nós atua a morte, mas em vocês, a vida. 2 Coríntios 4.12.

Solo Deo Glória

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