segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

PERDÃO, POR NÃO PERDOAR!

Então, Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. Mateus 18:21.
Certa ocasião C. S. Lewis disse: “Todos consideram o perdão uma idéia muito bonita até precisarem perdoar alguém”. Ray Pritchard, em seu livro O poder terapêutico do perdão conta que recebeu um e.mail de um desconhecido que estava lutando para perdoar aqueles que o feriram. Tratava-se de uma pessoa que, por causa de fatos ocorridos em sua infância, vivia nutrindo raiva e ódio em seu coração. Era um homem que havia sido abusado por um vizinho quando criança. Esse trauma, aliado ao fato de não ter recebido carinho e atenção de seus pais, transformou a sua vida num caos.
Eis um trecho daquilo que estava no e.mail: “Só este ano, por meio da oração e da ajuda de um conselheiro cristão, é que estou começando a deixar o passado para trás. Ainda tenho dificuldade de lidar com a raiva, e talvez até do ódio, que sinto do meu pai. Precisei ir ao cemitério visitar o túmulo dos meus pais e ter uma conversa de cerca de duas horas com eles para começar a deixar para trás essa raiva que me manteve num estado de tristeza constante ao longo de grande parte da minha vida adulta”
Ray relata que este homem tinha prazer em ajudar as pessoas. Porém, julgava-se capaz de “consertar” pessoas e problemas. Foi somente quando começou a confrontar os fatos de sua infância, sem poder negá-los ou consertá-los é que pôde reconhecer que só Deus poderia fazer isso. Esta foi sua primeira lição para aprender o que é perdoar.
Essa história ilustra muito bem como o perdão é uma questão de disposição interior. O perdão é fundamentalmente uma decisão interior de recusar-se a viver no passado. É uma escolha consciente que nos levar a cortar os fios que nos prendem ao passado e que, conseqüentemente, nos impedem de estar inteiros no presente. Esses fios podem ser tão sutis, que nem nos damos conta de que eles ainda nos mantêm ligados a um passado recente ou muito remoto. Experiências antigas deixam marcas tão profundas em nossas vidas de tal modo que, mesmo não tendo consciência delas, interferem em nossas ações cotidianas.
Na realidade, o perdão é uma questão espiritual. O perdão começa no íntimo do coração para depois se manifestar exteriormente. Em sentido profundo, todo perdão, mesmo aquele oferecido a alguém que lhe causou grande mágoa, é algo entre você e Deus. As pessoas podem ou não entender ou reconhecer esse fato. A questão do perdão é como um espelho fiel do estado do nosso coração em relação à compaixão, sensibilidade interpessoal e misericórdia. Por esta razão, é um assunto tão importante para todo cristão se aprofundar. Neste texto vamos analisar principalmente dois aspectos do perdão. Primeiro, porque devemos perdoar e, segundo, porque podemos perdoar.
O Senhor Jesus ensinou preciosas e redentivas instruções sobre o perdão. Para os rabinos da época de Jesus, o perdão deveria ser concedido a uma pessoa até três vezes. O apostolo Pedro querendo ser mais generoso arriscou um novo parâmetro: até sete vezes. Porém Jesus demonstrou o poder ilimitado do perdão, setenta vezes sete. Em seguida contou essa história.
Um homem que devia uma quantia enorme (10.000 talentos) ao rei foi convocado para fazer um acerto de contas. Com pernas trêmulas, dirigiu-se ao palácio, certo de que sairia de lá para a prisão ou para o cativeiro. Devia ao seu senhor uma quantia que jamais poderia pagar. As perspectivas mais sombrias se projetavam sobre ele e toda a sua família. “Não tendo ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo quanto possuía e que a dívida fosse paga.” Mateus 18:25. Sua única esperança era saber que o rei gozava de merecida fama por ser um governante misericordioso e justo. Então decidiu clamar por misericórdia para que protelasse a cobrança de sua dívida.
O rei fitou-o com profunda compaixão, bem consciente de que o homem jamais conseguiria quitar a enorme quantia, “mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida”. Mateus 18:27. Saindo do palácio, encontrou um companheiro que lhe devia uma pequena soma. De repente, foi tomado de uma fúria incontrolável, “e, agarrando-o, sufocava, dizendo: Paga-me o que me deves.” Então a cena se repetiu. O seu companheiro clamou por misericórdia e pediu que prorrogasse a cobrança de sua dívida. “Ele, entretanto, não quis; antes, indo-se, o lançou na prisão, até que saldasse a dívida”. Mateus 18:31.
Algumas pessoas, que presenciaram as duas cenas foram procurar o rei para relatar o acontecido. A reação do soberano não se fez esperar. Mandando chamar de novo o homem que havia perdoado, confrontou-o com sua maldade. “Que grande mal você praticou! Quando me suplicou, perdoei a enorme quantia que me devia. Não seria de esperar que mostrasse a mesma compaixão para com aquele que lhe devia uma quantia muito menor?” Mateus 18:32-33. Assim, o rei ordenou aos guardas, que entregasse aquele homem aos torturadores até que toda a divida fosse paga. O Senhor Jesus conclui a história dizendo: “Assim também meu Pai celeste vós fará, se do intimo não perdoardes cada um a seu irmão”. Mateus 18:35
Essa história, registrada em Mateus 18:23-35, foi contada por Jesus para ilustrar a importância do perdão. Não era a primeira vez que Jesus usava o conceito de dívida ao ensinar sobre o perdão. Em Mateus 6:12, ele mostrou como devemos orar dizendo: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores.” No final da oração Ele deixa bem claro as conseqüências de não perdoarmos a quem nos ofende. Se não perdoarmos, não seremos perdoados. E como vimos na história do credor incompassivo, nosso destino será o de viver nas mãos dos atormentadores.
Esta história revela a natureza e o modo de agir de Deus. Expõe o coração cheio de misericórdia e compaixão de Deus em comparação ao coração insensível, impiedoso e sem compaixão daquele que não perdoa. A Bíblia demonstra que “Deus é grandioso em perdoar” Isaías 55.7. No salmo 130 lemos a seguinte indagação: “Se tu, ó Senhor, observares as iniqüidades, ó Senhor, quem subsistirá? Mas contigo há perdão; portanto és temido.” Salmo 130:4. O coração de Deus expressa a graça que perdoa. Sendo assim, os filhos de Deus devem ser imitadores do Pai e do Filho, sempre dispostos a perdoar. Como está a sua vida neste momento? Seu coração está cheio de amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, mansidão e domínio próprio ou está cheio de inquietação, angústia, raiva, ressentimento, amargura?
Na Sua parábola, Jesus mostrou claramente que o homem não desejou perdoar seu conservo. Ele estava ensinando que não perdoamos porque não queremos. “Querer” diz respeito à nossa vontade, à maneira como agimos. Quando isso acontece estamos bloqueando a ação do Espírito em nossa vida. A inquietação, a angústia, a raiva, o ressentimento e a amargura são os atormentadores que se instalam em nosso coração para nos perturbar, e nos impedir de gozar a liberdade que o perdão traz. Ressentimento ou raiva é o “veneno” que mais tem destruído vidas no mundo em que vivemos.
Muitos dos problemas existentes a nossa volta tais como: desentendimento familiar, falta de unidade e harmonia entre cônjuges, pais e filhos, problemas de solidão, depressão, descontrole emocional, vários casos de enfermidades psicossomáticas e até loucura, podem ser conseqüências diretas da falta de perdão na vida de uma pessoa. “Perdoar é libertar um prisioneiro e depois descobrir que esse prisioneiro é você mesmo.”
Se quisermos ser verdadeiramente inteiros e portadores de uma vida que expresse a vida de Cristo temos que reavaliar os nossos sentimentos em relação aos outros. Quando Jesus usou a palavra dívida, quis mostrar um aspecto fundamental do ato de perdoar. A palavra grega traduzida como “perdoar” significa literalmente cancelar ou remir. Significa a liberação ou cancelamento de uma obrigação. Por isso, foi algumas vezes usada no sentido de perdoar um débito financeiro.
Se pensarmos em termos de dinheiro, fica mais fácil entender exatamente por que Jesus usou essa expressão. A escritora Wanda de Assumpção, exemplifica com as seguintes palavras: “Suponhamos que você me peça 5000 reais emprestados, prometendo pagar-me em dois meses. Esse dinheiro é meu por direito e posso dispor dele como quiser, mas estou contando com ele para saldar meus próprios compromissos no final dos dois meses. Se, passado o prazo, você não me pagar, quem sairá perdendo? Você usou o dinheiro que não era seu como quis e agora não tem como pagar. Eu fiquei sem algo que era meu, a que tinha direito, e que agora me faz muita falta. Se eu perdoar a sua dívida, ficarei mais pobre na mesma quantia que você me deve.”
Em outras palavras, perdoar é doar a perda. É aceitar o prejuízo. É privação de algo que, por direito, era meu. Tenho que absorver a perda daquilo que faria uma diferença grandiosa em minha vida. E se eu vier a passar fome ou outra necessidade básica por sua causa, ficará ainda mais difícil me conformar com essa perda. Toda vez que a fome apertar ou o frio me incomodar, vou me lembrar de que você usou como quis aquilo que agora me faz tanta falta.
Vejamos por que é tão difícil perdoar. Usando essa analogia, vamos pensar agora em termos de alguma mágoa ou ofensa que alguém tenha cometido contra nós. O que acontece na área financeira acontece também na área pessoal. Todos nós temos certas necessidades básicas que precisam ser satisfeitas. Da mesma forma que precisamos de água e alimento para sermos saudáveis, nossa alma precisa de amor e afeto para sermos emocionalmente saudáveis. Todo ser humano precisa da segurança de sentir que alguém o ama incondicionalmente, e que o valoriza por ser quem é, não por alguma coisa que possa fazer. Assim, quando alguém me rejeita, de alguma forma maltratando, desprezando, abandonando, gritando comigo, cobrando ou criticando, está tirando um pouco da minha segurança e do significado da minha vida.
Quando alguém tira algo precioso de mim, quando não sou amado, quando não me tratam bem, é normal me sentir diminuído, com medo, confuso e sozinho. Fico então diante de duas alternativas. Na primeira, exijo que o meu devedor devolva aquilo que me tirou. Afinal, dívida é dívida! Por isso, fico agarrado ao pescoço do devedor até que devolva o que me tirou, remoendo vez após vez a ofensa cometida contra mim. Na segunda alternativa, decido perdoar, abrindo mão do que me é devido e até desejando que a outra pessoa possa fazer bom uso daquilo que é meu. Mas, muitas vezes dizemos: “Sim, sei que devo perdoar. E quero perdoar. Mas não consigo.”
Nós somente podemos perdoar, porque fomos perdoados, aceitos e reconciliados. A boa nova do evangelho é que Jesus pagou o preço por nossos pecados com sua morte na cruz. O perdão, então, é um ato no qual o ofendido livra o ofensor do pecado, liberta-o da culpa pelo pecado. Este é o sentido pelo qual Deus “esquece” quando perdoa, como diz Hebreus 8:12: “Pois serei misericordioso para com suas iniqüidades, e de seus pecados e de suas iniqüidades não me lembrarei mais” .
Entretanto, Deus já nos deu o suprimento que precisamos para perdoar. Deus por meio do Seu Filho Jesus Cristo, já proveu tudo o que precisamos para usufruir de uma vida plena de alegria e gozo, abundante em realizações. Esta é a vida que Jesus prometeu nos dar. Primeiramente, Deus perdoou todas as nossas dívidas e nos vivificou por meio de Cristo Jesus. “E a vós outros que estáveis mortos nos vossos pecados... vos vivificou juntamente com ele, perdoando-nos todos os nossos pecados, tendo cancelado o escrito de divida que era contra nós...” Colossenses 2:13-14a. Deus aceitou a morte de Jesus como o pagamento de nossos pecados e nos transferiu para uma outra esfera de vida, mediante a nossa união na morte e ressurreição com Cristo. Em segundo lugar, Nele temos a satisfação de todas as nossas necessidades. “…pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2 Pedro 1:3, grifo meu). Assim, em Jesus, temos o amor incondicional por que tanto anelamos.
Como disse Henri Nouwen. “O Evangelho liberta-nos da cadeia de ferimentos e necessidades, revelando-nos uma compaixão que pode fazer mais do que apenas reagir fora das necessidades que brotam de nossos ferimentos. Faz isso trazendo-nos a uma aceitação que antecede a qualquer aceitação ou rejeição humana. E esse amor original a tudo abrange; detém o poder de amar inimigos tanto quanto os amigos; o poder de permitir-nos amar desse modo. Esse é o amor que nos faz filhos e filhas do “Altíssimo”’. Esta é nossa verdadeira identidade. Nada pode nos tirar desta posição de aceitos e amados de Aba.
Por pertencermos ao reino dos céus, já ganhamos crédito ilimitado para perdoar todas as ofensas, feridas e prejuízos desta vida. Além disso, toda vez que perdoamos uma dívida, recebemos imediatamente a mesma quantia multiplicada na nossa conta. Esse crédito, nada mais é do que o amor de Deus que temos em Cristo Jesus.
Solo Deo Glória

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