sábado, 20 de outubro de 2012

O CHAMADO DE ABRAÃO

“Ora, disse o Senhor a Abraão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma benção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra.” Gênesis 12.1-3
Wilbert Shenk, professor de cultura contemporânea do Seminário Teológico Fuller, escreveu que “vida, liberdade e busca de felicidade” tornaram-se marcas da cultura moderna. Comentando sobre a cultura ocidental, ele observa que é uma cultura pressionada pela busca de auto-estima, e que a tentação de “ser como Deus” assumiu na cultura moderna a forma de fazer de si próprio o alvo. No que se refere a sociedade brasileira, segundo Rubem Amorese, consultor legislativo do Senado Federal do Brasil e secretário nacional da Associação Evangélica Brasileira, a ética brasileira desenvolveu traços em que as pessoas não querem fazer sacrifício algum, e nem mesmo serem disciplinadas. Vantagens, jeitinho brasileiro, prestigio e poder são valores que caracterizam o caráter do brasileiro. A Igreja de nossos dias tem espelhado a sociedade na qual está inserida. Vivemos em uma sociedade hedonista e narcisista. A tendência cultural é valorizar o prazer, a realização pessoal e o sucesso a qualquer custo. A Igreja nem sempre tem discernido o seu cativeiro cultural e, muitas vezes, tem reproduzido valores incompatíveis com os princípios divinos. Tal como o povo de Israel, no cativeiro, incorporava os valores da nação dominante, também a Igreja tem recebido o impacto da cultura moderna sobre o seu pensamento e a sua prática. Poucos dias atrás um missionário, após ter relatado as experiências e os desafios do trabalho entre os indígenas, foi abordado por um crente com a seguinte afirmação. “Para fazer tudo isso, é porque você é um herói”. O missionário humildemente balançou a cabeça de um lado para o outro e respondeu: “Eu, herói? Não! Sou apenas obediente.” Este acontecimento revela compreensões distintas sobre o chamado de Deus em Cristo para o seu povo. Ao escrever à igreja de Èfeso, o apóstolo Paulo expressa o seu anseio em ver a Igreja compreendendo qual é “ a esperança da vocação de Deus e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos”. Ef. 1.15-22. Pois o apostolo Paulo sabia que uma compreensão equivocada do chamado da Igreja, implicaria em um sério comprometimento no“andar como é digno” de sua vocação.
“A esperança do Seu chamamento” é o maravilhoso propósito de Deus para todos os santos, tanto individual como corporativamente. No livro de Gênesis, capítulo 12, encontramos Deus chamando Abraão dentre os habitantes de Ur dos Caldeus para participar do Seu propósito eterno em relação à humanidade. Um olhar mais atento sobre a fidelidade e a graça de Deus chamando Abraão, com certeza nos ajuda a redefinir a nossa compreensão e a nossa resposta ao chamado de Deus. A Bíblia apresenta Abraão como um exemplo do que a graça pode fazer, e de como atua silenciosamente, de dentro para fora, infundindo fé na alma humana e a desenvolvendo em meio aos embates da vida. Em Gênesis capitulo 12 encontramos o que se chama de Aliança Abraâmica. Ela está ligada ao plano redentor apresentado em Gênesis 3.15. O Redentor deveria vir do descendente da mulher, depois dos descendentes de Sete, de Noé e agora de Abraão. Aproximadamente um quarto do livro de Gênesis é devotado à vida deste homem. São feitas mais de 40 referências a Abraão no Velho Testamento. O Novo Testamento de forma nenhuma diminui a importância da vida e do caráter de Abraão. Há aproximadamente 75 referências a ele no Novo Testamento. Paulo escolheu Abraão como o melhor exemplo do homem que é justificado diante de Deus pela fé e não pelas obras (Romanos 4). Já o escritor aos Hebreus aponta Abraão como exemplo de um homem que andava pela fé, dedicando mais espaço a ele do que a qualquer outro indivíduo no capítulo onze (Hebreus 11:8-19).
Nas férteis terras da Mesopotâmia havia uma bela cidade. Era a cidade capital de nome Ur, também conhecida como “Ur dos Caldeus”. A sua população vivia mergulhada em idolatria. Em Ur estava o santuário à deusa lua. Seus sacerdotes guardavam o templo, observando cuidadosamente o movimento das estrelas. Também o sol e as estrelas eram adorados, num sistema politeísta dos mais desenvolvidos. Ur era um lugar cheio de ídolos, alguns estudos indicam que, no tempo de Abraão, existiam, no mínimo, 2000 tipos de ídolos. Foi neste ambiente que nasceu e cresceu Abrão. Possivelmente o próprio pai de Abrão era fabricante de ídolos. Josué, em suas palavras no final de sua vida, nos dá uma compreensão melhor do caráter de Terá, pai de Abrão.Então, disse Josué a todo o povo: Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Antigamente, vossos pais, Terá, pai de Abraão e de Naor, habitaram dalém do Eufrates e serviram a outros deuses.” Josué 24.2 Durante mais de 70 anos Abrão viveu no meio pagão, uma vida como a de qualquer outro. Até o dia em que viu e ouviu o Deus Altíssimo. “Ora, disse o Senhor a Abrão: “Sai da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai e vem para a terra que eu te mostrar. E eu farei de ti um grande povo, e te abençoarei, e engrandecerei o teu nome, e serás bendito. Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as nações da Terra” (Gen. 12,1-3).
Abrão era mais um na multidão, um anônimo para o mundo. Todavia a Graça de Deus o alcançou. Não é de se estranhar que Deus ordenasse a Abrão para deixar a sua terra, a sua parentela e a casa de seus pais (Gênesis 12:1)! Era preciso romper o cordão umbilical com qualquer mentalidade corrompida pela ausência de Deus. Assim também é conosco. Antes de conhecermos o verdadeiro Deus, podíamos buscar consolo, sentido e proteção em muitas outras coisas ou pessoas - ídolos de nossa devoção. Porém, quando nos é revelado a Glória de Deus no rosto de Jesus, o Espírito Santo inicia um processo de iconoclastia em nosso viver, fazendo com que nada possa receber maior devoção do que o Senhor Jesus Cristo.
O chamado de Deus envolve renúncia. Muitas vezes significa ser desalojado da zona de conforto, deixar a estabilidade e a segurança, para trilhar o caminho da fé onde a provisão e o cuidado vêm direto das mãos de Deus. A partir de relatos paralelos de Gênesis 12 podemos concluir que Abrão teve dificuldades em obedecer prontamente o chamado divino. De acordo com o descrição de Estevão, o primeiro mártir cristão, Abrão teve uma visão celestial.“O Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão, estando na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã, e disse-lhe: Sai da tua terra e de entre a tua parentela, e dirige-te á terra que eu te mostrar. Então saiu da terra dos caldeus, e habitou em Harã. E dali, depois que seu pai faleceu, Deus o trouxe para esta terra em que habitais agora”. Atos 7.2-4.
O resultado desta comunicação é apresentado em Gênesis capitulo 11.31. “E tomou Terá a Abrão seu filho, e a Lo filho de Harã, filho do seu filho, e a Sarai sua nora, mulher de seu filho Abrão, e saiu com eles de Ur dos Caldeus, para ir à terra de Canaã; e vieram até Harã e habitaram ali... e morreu Terá em Harã.” Podemos concluir que os laços de família impediram a resposta plena da alma de Abraão à chamada de Deus. Embora chamado para Canaã, contudo, demora-se em Harã, até que os laços da natureza sejam quebrados pela morte. Depois disso é que toma o seu caminho para o lugar que Deus o convocara. Isto é cheio de significação. As influências da natureza são sempre hostis à plena realização do poder prático da “chamada de Deus”. É necessário muita simplicidade e integridade de fé para obedecer o Senhor prontamente.
Abraão somente se pôs a caminho depois da morte de seu pai. Foi a morte que quebrou o laço pelo qual a natureza o prendia à terra de Harã. Do mesmo modo, no nosso caso, foi a morte de Cristo que operou a nossa separação deste mundo. “... o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso.” Gálatas 1.4 Portanto, devemos compreender a verdade que, a morte de Jesus significou a nossa morte e que a sua ressurreição é a nossa vivificação. O Filho de Deus suspenso na cruz, entre o céu e a terra, foi a forma que Deus usou para atrair os pecadores para Si mesmo, removendo o pecado e os colocando dentro dos seus propósitos eternos. Jesus crucificado é a maior benção de Deus para os pecadores.
O chamado de Deus em Cristo inicia com a cruz e continua sob a cruz. Segundo C. H. Mackintosh, a cruz é a base de nossa adoração e a base do nosso discipulado, da nossa paz e do nosso testemunho, da nossa afinidade com Deus, e da nossa relação com o Mundo. A Cruz de Cristo está presente nas duas grandes fases fundamentais do supremo chamado. A primeira fase é a obra da cruz, a qual estabelece a paz com Deus. Pela cruz Deus tratou com o pecado de tal maneira que Se glorifica a Si Próprio, infinitamente. Nesta primeira fase da vida cristã, a cruz aparece como o fundamento da paz do pecador, a base de sua adoração, e do seu eterno parentesco com Deus.
Na segunda fase, a cruz aparece como base de nosso discipulado prático e testemunho. Tão perfeita como o primeiro momento, a mesma cruz que me liga com Deus separou-me do mundo. Um homem morto está morto para o mundo, porém, ressuscitado com Cristo, está ligado com Deus no poder de uma nova vida, uma nova natureza. As duas coisas andam juntas. A primeira faz dele um adorador e cidadão do céu, a segunda torna-o uma testemunha e um estrangeiro na terra. A cruz opera a separação entre mim e os meus pecados, e também opera separação do mesmo modo entre mim e o mundo. O apostolo Paulo dizia que a sua glória repousava somente “... na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo” Gálatas 6.14 Como seria diferente se todos os cristãos compreendessem o poder prático destes dois aspectos da cruz de Cristo.
Andar pelo caminho da fé foi um aprendizado para Abraão . Não sabemos por quanto tempo Abraão se demorou em Harã, mas sabemos que Deus esperou pacientemente pelo seu servo. Deus queria aperfeiçoar a fé de Abraão e não poderia fazer isto se não lhe desse liberdade para ele fracassar. C.H. Mackintosh escreveu. Deus nunca nos arrastará ao longo do caminho do verdadeiro discipulado. Isto não estaria de conformidade com a excelência moral que caracteriza todos os caminhos de Deus. Ele não nos arrasta, mas atrai-nos ao longo do caminho que conduz á bem-aventurança inefável nEle Próprio”.
Nós normalmente calculamos os sacrifícios, impedimentos, e as dificuldades em vez de corrermos ao longo do caminho, com alegria e vivacidade de alma, como aqueles que conhecem e amam Aquele cujo chamado tocou os seus corações. Existe verdadeira benção para a alma em cada ato de obediência, pois a obediência é o fruto da fé, e a fé liga-nos a Deus e leva-nos a uma comunhão viva com Ele. A fé à qual somos chamados não é uma fé em um projeto, mas numa Pessoa. “ Pela fé, Abraão, quando chamado obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber onde ia” Hebreus 11.8.Mas, o que é viver pela fé? Viver pela fé é saber onde começa a jornada , mas não onde termina. Ter que depender de Deus a cada passo e a cada momento. Abraão andou por fé e não por vista.
Deus prometeu a Abraão uma terra, uma grande nação através dos seus descendentes e uma bênção que alcançaria todas as nações da terra (12.2,3). “... em ti serão benditas todas as famílias da terra”. Essa é a maior de todas as promessas dadas a Abraão porque diz respeito ao Senhor Jesus Cristo. Deus estava prometendo que um dos descendentes de Abraão seria o Messias, e que todas as famílias de todas as nações seriam abençoadas através do seu descendente. O Novo Testamento ensina claramente que a última parte dessa promessa cumpre-se hoje na proclamação missionária do evangelho de Cristo. “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti serão abençoados todos os povos.” Gl 3.8.

Além disso, o chamado de Abraão envolvia não somente uma pátria terrestre, mas principalmente uma celestial. Sua visão do Deus da Glória fez com que enxergasse as coisas da terra como mera ilusões. “Pela fé peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador.” Hb. 11.9-10. A vida cristã não é conhecer exatamente o que o futuro reserva mas conhecer Àquele que reserva o futuro. Ao analisarmos a vida de Abraão percebemos que o seu chamado constituiu um processo de crescimento na graça e no conhecimento de Deus, caracterizada por atitudes de obediência e fé. O restante do relato de Gênesis demonstra que Abraão em sua caminhada especializou- se em duas coisas: construção de altares e armação de tendas. “E edificou ali um altar ao Senhor, que lhe aparecera. Passando dali para o monte ao oriente de Betel, armou a sua tenda.” Gênesis 12.7. O altar e a tenda dão-nos dois grandes traços do caráter de Abraão: uma vida de adoração e consciência de ser um peregrino na terra. Estes dois símbolos revelam que Abraão aprendeu a se render e se entregar à vontade Daquele que o chamou. Na caminhada da Igreja não pode ser diferente. Tal foi realidade na vida de Abraão, tal é o caso de todos que experimentam o chamado e a benção de Abraão concretizados em Cristo.
 
Solo Deo Glória.

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