A experiência tem história, mas não podemos viver
voltados para o passado. Nenhuma pessoa lúcida nega a importância da experiência
na história. Sem os fundamentos do passado não temos a competência para
construir com sabedoria o futuro. Os alicerces do amanhã estão baseados no
ontem. Precisamos do conhecimento antigo para elaborar o novo, pois as raízes da
antiguidade servem para sustentar o desenvolvimento vindouro. O retrovisor é
fundamental para o desempenho no tráfego. Muitos desastres são resultados da
falta da visão anterior. Porém, a vida não pode andar para trás.
No caso em foco, Jesus censura uma pessoa que
estava presa ao cordão emocional de sua linhagem. Ele queria seguir a Jesus, mas
tinha um vínculo com a família que precisava de acertos. Na vereda da fé cristã
há muitos que pensam deste modo. As tradições culturais e o peso da opinião
doméstica exercem grande pressão na decisão pessoal. Muitos ficam amarrados ao
julgamento do seu clã e sentem dificuldades para tomar posição. São pessoas
carentes que temem perder o apoio emocional da família e buscam conciliar sua fé
com a aprovação dos mais chegados.
Porém, esta abordagem ganha uma estimativa muito
mais ampla, quando examinamos outros lados da questão. O olhar para trás pode
representar toda tentativa de congelamento da experiência. Um grande risco que
vemos na história da igreja é o fascínio com o passado. Temos uma tendência de
perpetuar os métodos de uma época. Aquilo que foi de grande valor num momento
histórico recebe dimensões permanentes e, com isto, a igreja se inclina para
colecionar peças de museu.
Volto a insistir: não é possível caminhar com
saúde relacional, sem memória. O passado tem importância fundamental no
progresso de qualquer sistema, e há elementos no projeto da igreja que são
imutáveis. Faltando no horizonte do tempo a dimensão do passado, fica muito
difícil construir uma visão adequada do futuro. Contudo, não é normal permanecer
com aquilo que ficou obsoleto. A lamparina ainda tem a sua noite de glória nos
lugares onde não há energia elétrica, mas nenhum citadino
defende a sua permanência no mundo de hoje. Andar de charrete pode ser
pitoresco, mas é atraso no mundo automotivo.
Antes de qualquer coisa precisamos fazer uma
distinção entre aquilo que é estável e as coisas que são transitórias. Sabemos
que a Palavra de Deus é eterna e que os seus ensinamentos são duráveis. A ética
da Bíblia não muda. As leis do decálogo continuam vivas sob o comando da graça.
Ninguém pode considerar superados os princípios da moral bíblica, uma vez que
estão alicerçados na base perene do caráter de Deus. Mas os costumes e os
métodos históricos precisam ser avaliados em cada geração. Não devemos mumificar
aquilo que é provisório. A permanência das coisas interinas representa um
desperdício de tempo e um gasto tremendo de energia.
A mulher de Ló tornou-se uma estátua de sal ao
virar-se para trás. A igreja nostálgica perde sua função de sal da terra, quando
se agarra a uma metodologia retrógrada. A esterilidade de ambas se manifesta com
a contemplação do passado em desuso. Fixar os olhos naquilo que pôde ser
relevante noutra época, mas se tornou banal para este tempo, se constitui na
maior improdutividade na vivência comunitária. As pessoas orientadas de forma
dogmática para os conceitos atrasados, tentando soluções antiquadas para
problemas novos, acabam se tornando desqualificadas para o seu momento
histórico. Por isso, é importante a distinção entre os fatos eternos e as coisas
efêmeras, a fim de não descartar o que é imutável e não perpetuar aquilo que é
temporário.
O apóstolo Paulo foi um homem de vanguarda que
sabia discernir entre os eventos importantes e necessários e aqueles que serviam
momentaneamente para algum propósito. Os lances que foram admiráveis para ele
numa época, deixaram de merecer sua apreciação, quando auferiu os melhores
conceitos da graça de Deus. Irmãos, quanto a mim, não
julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para
trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo,
para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Filipenses
3:13-14. Paulo não ficou paralisado em sua
experiência passada, uma vez que sua meta tinha proporções absolutas.
Não podemos perder de vista o alvo. A fé cristã
tem mira. A falta de um objetivo supremo desencadeia o envolvimento com as
coisas periféricas. Precisamos atirar na mosca. Quando a igreja desloca seu
olhar do centro para os detalhes, acaba se perdendo nas práticas religiosas, sem
qualquer significado eterno. A grande ameaça que assalta constantemente o
programa da igreja é a concepção de atividades irrelevantes, que simplesmente
mantém as pessoas entretidas. Tanto o passado decrépito como o presente
alucinado por novidades, carece de análise.
A igreja necessita de uma avaliação contínua do
seu programa de atividades sob os cuidados do modelo da cruz. Somente
contemplando Cristo crucificado podemos focalizar o passado de modo
acentuadamente significativo. Não é possível ser tolerante com as vulgaridades
religiosas, quando vemos o panorama espiritual sob o prisma do Calvário. Também
não é possível ver o futuro sem a perspectiva da ressurreição. A igreja de
Cristo tem uma escatologia de esperança e conseqüentemente um culto com
elementos de expressão eterna. Na igreja não há lugar para os métodos
espetaculosos de passatempo religioso.
Os dois problemas mais sérios que temos com o
passado são: primeiramente, a lembrança ardida de uma consciência culpada. Há
uma multidão que sofre com a dificuldade em crer no perdão consumado. Como o
predador que enterra a sua presa, comumente retornamos ao nosso passado para
cavoucar a carniça escondida. A falta de uma visão clara do sacrifício de Cristo
faz muita gente prisioneira de uma memória delituosa. Parece que nunca podemos
viver isentos da culpa, e precisamos recordar em penitência a cena do crime.
Creio que a falta de revelação da obra plena de
Cristo crucificado é responsável por este retorno mórbido ao passado
delinqüente. Refém de incredulidade, o acusado inflexível regressa sempre ao seu
passado para curtir sua expiação recorrente. Ele precisa se martirizar neste
ciclo de autopunição, a fim de liberar um sentimento crônico de clemência.
Vítima de uma teologia psicológica, onde a autocomiseração é mais acentuada do
que a fé, o pobre réu do passado atura, sob pressão, uma mentalidade de
desagravo constante. Diz uma tradição, que Pôncio Pilatos viveu os seus últimos
anos exilado numa ilha, lavando as suas mãos. Nada pode ser mais terrível do que
uma consciência encarcerada num passado de amarguras, em conseqüência de
incriminações repetitivas.
Em segundo lugar, o perigo do passado fica por
conta da reedição dos modelos arcaicos e irrelevantes que são eternizados nas
tradições tolas. A falta de uma visão clara da dimensão escatológica e da
evolução progressiva da igreja faz os saudosistas torcerem o pescoço para
contemplar um passado que já expirou. Muita gente destituída da esperança da
ressurreição, ainda pretende retornar ao velho modelo judaico, que ficou
completamente ultrapassado. Vemos atualmente uma regressão acentuada no culto
cristão, com a preocupação em restaurar as formalidades festivas do judaísmo e
estabelecer uma liturgia atrelada às sombras que já foram superadas.
Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e
bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque
tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de
Cristo. Colossenses 2:16-17. Depois da realidade de
Cristo crucificado e ressurreto temos que formular a nossa teologia com base na
libertação deste passado refugado, e na certeza plena da esperança
vindoura.
A igreja cristã precisa ter uma boa memória,
recordando sempre os fundamentos essenciais de sua crença. A fé tem história,
mas não se atém construindo um memorial daquilo que foi provisório. O padrão do
evangelho é a novidade de vida numa estrutura sempre inovadora. Um legado da
reforma protestante foi que a igreja reformada devia estar sempre se reformando
à luz da esperança escatológica.
O cristianismo não tem lugar para o velhusco e bolorento sistema já deteriorado. O Senhor Jesus foi bem categórico em sua avaliação. Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo novo tira parte da veste velha, e fica maior a rotura. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário, o vinho romperá os odres, e tanto se perde o vinho como os odres. Mas põe-se vinho novo em odres novos. Marcos 2:21-22. A mentalidade do evangelho é nova e a estrutura da igreja tem que ser sempre renovada. Repetir os velhos chavões ou cantar os cânticos da antiga comunidade judaica é olhar para trás. É bom lembrar que a fé cristã nasceu de uma sepultura aberta na madrugada do primeiro dia da semana. Ela é viva, alegre, original e cheia de esperança, olhando firmemente para o alvo, Cristo, seu autor e consumador. Soli Deo Glória. |
O propósito deste blog na sua forma completa é capacitar seus leitores a entenderem a Bíblia. Apresenta instrução básica eficiente do ponto de vista bíblico. Procura remover todas as falsas pressuposições racionalistas, moralistas, antropocêntricas e idólatras que já infectaram,e, na medida desta infecção, cegaram todo homem e toda cultura deste mundo a partir da queda de Adão.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
O PERIGO DO PASSADO
DINHEIRO, BÊNÇÃO OU MALDIÇÃO
Qual é a identidade do dinheiro em sua essência? Como podemos
considerar esse tema: ele é mau em si mesmo ou é bom em sua natureza? Como
podemos classificá-lo quanto à sua origem? Será o dinheiro apenas uma coisa
neutra? Essas são questões que mexem na axiologia do assunto.
Muitas pessoas dizem que o dinheiro é bom. Elas afirmam
categoricamente que não há nada de errado com o dinheiro em si. Que o problema é
o ser humano governado pela cobiça. O dinheiro é uma coisa boa que,
eventualmente, pode ter um mau uso.
Há um outro grupo que não vê qualidades intrínsecas no
dinheiro. Eles acreditam que o sistema monetário é um lance indiferente em seu
valor essencial, isto é: nem mau nem bom. Tudo depende de como se usa o
dinheiro. Não existe dinheiro ruim nem dinheiro bom. Existe sim, gente que faz
uso adequado ou inadequado do dinheiro.
Outros, porém, consideram o dinheiro um mal necessário. Dizem
que ele é mau em sua origem, mas necessário nesse mundo. Afirmam que não há
dinheiro bom em si mesmo, tão pouco, neutro. A raiz do dinheiro é de fato má,
por isso, ele traz em sua natureza uma influência maléfica, ainda que possa ser
usado de um modo acertado do ponto de vista moral.
Alguns estudiosos do assunto dizem que abordar esse tópico da
essência filosófica do dinheiro é típico de cara utópico. Mas não são tão
ilusórias assim essas considerações sobre o tema. Jesus mostra que a origem das
riquezas, na verdade, é injusta. E eu vos recomendo: das riquezas de
origem iníqua fazei amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses amigos
vos recebam nos tabernáculos eternos. Lucas 16:9.
Ora, se os nossos primeiros pais não tivessem pecado no jardim
do Éden, não haveria necessidade de alguém acumular patrimônio. O imperativo da
abastança e a urgência em armazenar passam a existir na história da raça humana,
em razão do desabastecimento da confiança em Deus. O medo da privação acaba
fomentando o acúmulo de bens. Sendo assim, a riqueza é um produto do pavor
pecaminoso. O pano de fundo das riquezas é o receio da escassez e a falta de
confiança na soberania Divina.
Segundo Jesus a raiz das riquezas é de procedência injusta,
ainda que uma riqueza qualquer não tenha sido amontoada em decorrência de
injustiça. Isso quer dizer que, se não houvesse pecado, não haveria acumulação
de bens pessoais e que todos teriam as mesmas coisas de modo compensado. Haveria
uma eqüidade comunitária na repartição.
Creio que o pecado atingiu, em cheio e radicalmente, todos os
recursos humanos e que não há nenhuma atividade dessa raça isenta de
contaminação soberba. No âmago de qualquer expediente e em qualquer sujeito
podem-se encontrar os sintomas da teomania
que foi inoculada pelo discurso da serpente. Com isso, podemos afirmar que o dinheiro é uma criação eivada de desejos egoístas.
Sou daqueles que entendem ser o dinheiro um mal necessário. Não
vejo neutralidade e muito menos bondade essencial nele. A sua origem é injusta e
as suas sugestões estão freqüentemente viciadas pelas ambições mais
interesseiras de uma espécie dominada pela grandeza, por isso, Jesus mostrou
como é difícil ser honesto na administração do dinheiro. Se, pois, não vos
tornastes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta, quem vos confiará a
verdadeira riqueza? Lucas 16:11.
Jesus aqui discursa sobre duas riquezas: aquela que vem de uma
linhagem injusta e a verdadeira riqueza. Uma é carnal, enquanto a outra é
espiritual. De acordo com Jesus, se não soubermos administrar a riqueza de raiz
iníqua, Deus não nos conferirá a verdadeira riqueza de procedência espiritual.
Saber gerir apropriadamente o patrimônio terreno é uma
habilidade rara para os habitantes deste planeta. De modo geral, as pessoas são
escravas do dinheiro. Poucas são aquelas que conseguem governar com sabedoria a
fortuna, grande ou pequena, que se encontra sob seu encargo. A maioria, quando
tem alguma riqueza, ou a esbanja num consumismo descomedido, ou a acumula cada
vez mais no seu pão-durismo. Nesse caso, "o dinheiro é como a água do mar;
quanto mais uma pessoa bebe, mais sede sente".
Além de ser injusta a origem da riqueza, como ensina Jesus,
segundo Paulo, o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Ele não está
dizendo que o dinheiro é a causa de todos os problemas, mas que o amor
ao
dinheiro é o radical
maligno que desvirtua os relacionamentos humanos. Por trás dos desacertos
pessoais e das encrencas sociais, a miúdo, topamos com os ardis desse amor
avarento. Samuel Chadwick disse: "o amor ao dinheiro é para a igreja um mal
maior do que a soma de todos os outros males do mundo".
A história eclesiástica tem sido maculada com as tintas
violentas da cobiça. Vemos com freqüência o governo das igrejas sofrendo com a
influência desastrosa desse amor ao dinheiro. Por trás de muitos discursos
devotos podemos perceber a dissimulação dos desejos que ambicionam as
recompensas monetárias. Porém, como dizia Roger L’Estrange, "aquele que serve a
Deus por dinheiro servirá ao diabo por salário melhor".
O dinheiro não é uma ferramenta passiva. Ele é uma coisa que
ganha poder de um personagem e obtém domínio sobre as pessoas. No tronco do
dinheiro existe um troco emocional que o eleva à condição de dominador. Se
alguma pessoa serve a alguém por causa do dinheiro, o seu serviço acaba se
tornando dependente deste déspota.
Jesus mostra que as riquezas podem ser equiparadas a um deus,
quando disse: Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de
aborrecer-se de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro.
Não podeis servir a Deus e às riquezas.Lucas 16:13. Segundo Jesus, as
riquezas aqui acabam tomando a categoria senhoril de deus, podendo exercer
autoridade total na vida das pessoas.
Quando uma coisa governa uma pessoa, essa coisa fica içada à
hierarquia idólatra da divindade. A idolatria se caracteriza pela divinização da
criatura em lugar do Criador. Qualquer entidade, menor que o Deus absoluto,
assumindo a condição de comando na vida de uma pessoa inteligente, se constitui
numa expressão grosseira de idolatria.
Idolatria é qualquer coisa criada tomando o lugar de Deus.
Quando um ser humano se entrega a alguém que não seja Cristo ou confia em algo
que não seja eterno, ele se envolve diretamente no esquema infernal da
idolatria. "Um deus fabricado não é Deus".
Confiar em dinheiro é a divinização da coisa ou a coisificação
da Divindade. Idolatria é qualquer coisa merecendo confiança. Quando confiamos
no dinheiro estamos de fato prestando culto a um tirano que retira de nós o
exercício da verdadeira fé.
Ninguém pode servir a dois soberanos. Se você serve a Deus não
pode servir ao dinheiro. Se você serve ao dinheiro, jamais poderá dedicar-se a
Deus. Foi William Penn quem disse: "os homens precisam escolher ser governados
por Deus ou estarão condenados a ser governados por tiranos". Tirano à parte, o
dinheiro vive tirando a gente do sério.
Mas o dinheiro pode ser um servo útil no reino de Deus, se for
gerido por alguém que serve a Jesus. Se o dinheiro é servo de um servo de
Cristo, então serve para o serviço de Deus. Francis Bacon dizia que "dinheiro é
como esterco: só é bom se for espalhado".
Thomas Manton afirmava que "não existe defeito que limite e
mate mais efetivamente os sentimentos, que torne as afeições do homem mais
completamente centralizadas em si mesmo, excluindo todos os outros de participar
delas, do que o desejo de acumular bens". Por este motivo Jesus adverte:
Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não
pode ser meu discípulo. Lucas 14:33.
A prosperidade, o prestígio e o poder são mais ameaçadores para
o incremento da vida cristã do que a falta de posse, o desprestígio e a
fraqueza. A soberba da riqueza é muito mais perigosa do que o colapso da
pobreza. Isso não significa que a riqueza seja incompatível com a vida
espiritual autêntica, mas nela corre-se mais risco de auto-suficiência do que
nos limites da necessidade. A autonomia humana é o extermínio da confiança em
Deus. Por isso, um sujeito independente de Deus é alguém insuportável.
Além disso, nenhuma pessoa salva pela graça se comporta como se
fosse proprietário de algum bem nesse mundo. De fato, os crentes em Cristo são
mordomos e despenseiros das riquezas divinas. Ninguém é dono de coisa alguma no
mundo. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos
levar dele. 1 Timóteo 6:7.
A Bíblia mostra, também, como aqueles que ambicionam
tornarem-se ricos estão sujeitos às emboscadas mais terríveis. A cobiça e a
inveja têm sufocado mais gente na insatisfação e na censura do que aqueles que
morreram afogados no dilúvio de Noé. Ora, os que querem ficar ricos caem
em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as
quais afogam os homens na ruína e perdição. 1 Timóteo 6:9.
O maior patrimônio que alguém pode ter nesse mundo é o
contentamento. Uma vida vivida com satisfação em qualquer conjuntura é algo
extraordinário. Paulo se matriculou na escola do regozijo e aprendeu uma das
mais belas lições da sua vida. Digo isto, não por causa da pobreza, porque
aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado
como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho
experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de
escassez; Filipenses 4:11-12. É uma festa a companhia de alguém
contente!
O dinheiro pode ser bênção ou maldição. Tudo depende do modo
como nos relacionamos com ele. Se ele for senhor, nós seremos seus escravos.
Nesse caso estamos em maus lençóis. Se ele for um meio a serviço de gente
contente, então ele pode se constituir em bênção. Tendo sustento e com que
nos vestir, estejamos contentes. 1 Timóteo 6:8.
Precisamos aprender a nos contentar com o que temos, bem como
aprender a repartir o que temos. Se Deus nos tem permitido administrar uma fatia
maior do bolo, devemos nos dispor a participar com aquele que se encontra em
condição insuficiente. Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim,
é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor
Jesus: Mais bem-aventurado é dar que receber. Atos 20:35.
Além disso, a escola do contentamento cristão nos ensina a
celebrar com aquele que tem uma porção maior do que a nossa para administrar.
Aqui muita gente fica reprovada, pois é mais fácil compartilhar com aquele que
tem falta, do que partilhar da alegria daquele que tem mais do que nós. Com
freqüência preferimos ajudar o pobre, exibindo nossa generosidade, do que
comemorar o êxito daquele que nos supera na contabilidade.
Na academia do contentamento temos três lições básicas
relativas ao uso do dinheiro: A nossa satisfação pessoal em qualquer situação; a
alegria de compartilhar com o carente, bem como investir no reino de Deus; e a
comemoração pelo êxito daquele que nos supera na supervisão do patrimônio. Você
já se matriculou nesse curso?
Soli Deo Glória.
|
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
O ENIGMA DAS VONTADES
Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que
te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha
ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Mateus
23:37.
Deus é soberano e a sua vontade é absoluta. Ele
faz tudo de acordo com o seu querer e ninguém pode contrariar os seus desígnios.
Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em
todos os abismos. Salmos 135:6.
Deus é soberano e a sua vontade é irresistível.
Nenhum soberano pode ser contestado definitivamente em seus planos. Deus nunca
fará coisa alguma constrangido ou fora dos seus propósitos eternos e ninguém
poderá afrontar a sua vontade em caráter permanente. Tu, porém, me dirás:
De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? Romanos
9:19.
Quem poderá contestar o intuito do seu querer?
Quem poderá mudar a finalidade dos seus objetivos? Comparando a vontade do
Criador com o trabalho do oleiro, o apóstolo Paulo indaga: Ou não tem o
oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e
outro, para desonra? Romanos 9:21.
Deus é soberano e em sua soberania criou um ser
com vontade livre para decidir. A vontade de Deus determinou que a sua criatura
fosse livre para escolher e que só um ser livre poderia ser responsável pela sua
escolha. Por isso os nossos primeiros pais foram os únicos seres humanos com
livre-arbítrio da criação divina. Adão e Eva eram livres
para pecar e para não pecar. Como disse Santo Agostinho, os primeiros pais
tinham a condição de liberdade que os deixavam com posse pecare e posse non
pecare. Mas, depois que eles pecaram a vontade humana ficou escrava do
pecado. Ninguém é mais livre para não pecar. Todos nós nascemos escravos do
pecado e não podemos deixar de pecar por nós mesmos, non posse non
pecare. A vontade da raça humana escrava do pecado não
busca a Deus. O salmista faz como que um inquérito na sua poesia quando afirma
aquilo que o apóstolo Paulo procura responder. Do céu, olha Deus para os
filhos dos homens, para ver se há quem entenda, se há quem busque a Deus. Não há
quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram
inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. Salmos 53:2 e Romanos
3:11-12.
Depois do pecado de Adão, todos nós nascemos neste
mundo com uma indisposição no nosso entendimento contra Deus. Não há lugar para
Deus em nosso coração, pois Ele não é facilmente aceito pelo homem natural.
E a vós outros também que, outrora, éreis estranhos e inimigos no
entendimento pelas vossas obras malignas, Colossenses 1:21. Deus não faz parte de nossas cogitações, já que há uma inimizade
natural contra Ele, em nosso interior, mas, muitas vezes, disfarçada em amizade.
Nós nascemos nesse mundo remando contra a correnteza com
relação à vida espiritual. Não há o menor apetite pela verdadeira vida de Deus,
pois todos os seres humanos nascem obscurecidos de entendimento, alheios à
vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração,
Efésios 4:18. A comunhão com Deus não é de fato a
nossa praia, ainda que sejamos profundamente religiosos. A
vontade natural dos seres humanos é sempre contra Deus. A vontade soberana de
Deus é quem inclina a nossa vontade rebelde para querer a sua vontade. Ninguém
poderá decidir pela vontade de Deus, se Deus mesmo não convencer a nossa vontade
a querer a sua vontade, como um ato livre da nossa vontade. Se nossa deliberação
for forçada ou constrangida pelo medo, interesse ou dever, então essa resolução
não expressa a condição adequada da liberdade moral de um ser responsável.
Deus é sempre soberano na sua eleição e o ser humano é
sempre responsável pela sua decisão. Deus escolhe a quem ele quer e o escolhido
decide porque quer. Deus não é obrigado a escolher ninguém. Por outro lado,
nenhuma pessoa é obrigada a decidir porque Deus a escolheu. Uma escolha
compelida jamais será uma decisão moralmente livre. A soberania de Deus é
indiscutível, mas a responsabilidade humana é indispensável. Nenhum eleito poderá rejeitar a vontade soberana de Deus, mas nenhum
eleito será forçado a receber a vontade de Deus, contra a sua própria vontade. A
obra soberana da graça de Deus conquista sem violência a nossa vontade
insurgente, para que possamos livremente optar pela vontade soberana de Deus.
A eleição divina é soberana e a decisão humana é franqueada
por uma resolução livre de um ser responsável. Volto a insistir. Só um ser livre
pode receber livremente a vontade soberana de Deus em sua vida. A questão é: por
que Deus escolhe? Por que os escolhidos são livremente convencidos e os outros
não? Por que muitos crêem e muitos continuam rebeldes contra Deus?
Vimos, anteriormente, com Paulo, que o oleiro tem
o direito de fazer um vaso para um lugar de honra e, se ele quiser, um vaso para
um lugar de desonra. Mas por causa da nossa onipotência, nós não achamos que
Deus tem o direito de fazer o que Ele quer. A nossa vontade
dominada pela arrogância do pecado tem a tendência de dar as cartas para aquilo
que Deus faz. Sendo assim, se eu não posso fazer tudo aquilo que acho que devo
fazer, então Deus não tem o direito de fazer aquilo que contraria o que eu acho
que Ele deve fazer. A minha vontade teomaníaca quer decidir o que Deus precisa
fazer e só assim Ele se tornará admissível dentro da minha concepção.
Um deus encaixado na minha cachola é a única fórmula cabível
de deus no meu universo. Mas a vontade do Deus absoluto não pode ser explicada
por uma mente finita. Isto não quer dizer que Deus seja incognoscível e a sua
vontade emblemática, mas que o nosso conhecimento Dele será sempre finito e
dependente de sua revelação. A nossa mente nunca alcançará a grandeza da sua
dimensão. Essa vontade soberba precisa ser invadida e
conquistada pela graça de Deus, a fim de sermos apossados da vontade soberana
que nos torna voluntariamente acessíveis ao querer divino. Quando, pela vontade
de Deus, a nossa vontade se rende livremente à sua vontade, nós nos tornamos
inteiramente identificado com uma vontade singular que traz sentido a existência
humana. Para Jesus a única via que equilibra o conflito
existencial é o ajustamento da nossa vontade com a vontade do Pai. Ele nos
ensina a orar assim: venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na
terra como no céu; Mateus 6:10. O reino é o governo
do Pai em nosso viver diário, onde sempre desemboca no leito da sua vontade
conclusiva.
O próprio Jesus orou no jardim do Getsêmani,
dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a
minha vontade, e sim a tua. Lucas 22:42. Ele sabia
que a vontade do Pai é o único lugar no universo que o espírito encontrará
descanso, ainda que o corpo sofra terrivelmente e a alma se angustie até à
morte. Fora da vontade de Pai, o filho de Deus estará num deserto e a criatura
divina em tormenta eterna.
A vontade de Deus é soberana e a vontade dos
eleitos é livre na escolha. Deus nos escolheu soberanamente e nós recebemos
voluntariamente a sua escalação. Na seleção de Deus não há uma Nike impondo
jogadores, nem craques jogando contra vontade. Se os atletas de Jerusalém não
ouviram a convocação de Jesus é porque não quiseram ouvir. Jesus os convidou para a comunhão das asas, para o abrigo da intimidade,
mas eles não aquiesceram ao convite por causa da soberba azucrinante do seu
orgulho. No fundo do pecado reside uma atitude de auto-suficiência que evita
qualquer advento de humildade. Sendo assim, Deus resiste aos soberbos, mas
dá graça aos humildes. Tiago 4:6b. A justiça própria
é a causa primária de nosso fracasso espiritual.
A vontade de Deus é que sejamos salvos. A vontade
do arrogante é se salvar por si mesmo. O pecado torna o pecador autônomo e
independente de Deus. A nossa atitude audaciosa nos leva à pretensão de renegar
o convite da graça, pois quando Jesus chamou Jerusalém, Jerusalém recusou o
convite da graça. Esse é sempre o maior problema da autonomia do pecado.
Jerusalém não quis a graça porque ela se bastava a si mesma.
Todo o nosso problema é nos conformar plenamente
com a vontade de Deus. Tudo neste mundo é transitório, só a vontade de Deus é
permanente. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele,
porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente.1 João
2:17. Fazer a vontade de Aba é o maior projeto de
vida de seus filhos. Não é o êxito ou o temor que caracterizam o perfil dos
filhos de Aba, mas a alegria de praticar e concordar com a sua vontade.
O cerne da vida cristã seria a disposição natural de fazer
voluntariamente a vontade do Pai acima de tudo, no entanto o nosso coração não
tem essa inclinação. Por isso, a oração de F. B. Mayer se torna
indispensável: Senhor, tu sabes que a minha vontade é fraca de acordo com a
minha carne, e que nunca desejará fazer a tua vontade. Senhor! Faz tua vontade
fazer com que a minha vontade deseje fazer a tua vontade. Aqui a obra da
cruz se torna indispensável em nossa experiência. Só uma pessoa realmente
crucificada com Cristo pode desejar se submeter inteiramente à vontade do
Pai.
Deste modo, também podemos orar assim: Pai, se a
tua vontade não despertar a minha vontade a querer a tua vontade, eu jamais
desejarei buscá-la em minha vida. Por isso, eu te peço que tu me faças querer a
ti mesmo como tu me queres. Eu sei que se tu não me levares a querer-te com o
teu querer, todo o meu querer por ti será um mero desejo de um querer
transitório. Sendo assim, Pai, faze-me querer-te como tu me queres, para que eu
te querendo com o teu querer, possa te querer eternamente com o mesmo querer que
tu sempre me quiseste deste a fundação do mundo. Em nome de Jesus.
Amém.
Soli Deo Glória.
| |
sábado, 17 de novembro de 2012
USANDO OU AMANDO
“Ora, antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a
sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os
seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.”
João 13:1.
Alguém já disse com
muita precisão, que Deus criou o homem
para amar as pessoas e usar as coisas, mas o pecado transtornou tão
profundamente o ser humano, que ele acaba amando as coisas e usando as
pessoas. Na verdade o amor é uma realidade bem pouco conhecida na nossa
experiência diária dos relacionamentos. Nós confundimos amor com interesses
pessoais. Defendemos as causas do amor em nome do nosso egoísmo. Somos
consumidos pela paixão, pensando que o nosso alvo é o amor.
Nós falamos muito de
amor e temos algumas definições apropriadas para os nossos conceitos de amor,
mas a realidade demonstra a incoerência entre o discurso e a vida. Eliane Watson
foi bem objetiva quando tratou de sua grande crise: O meu maior problema não é amar o mundo
todo. A minha maior dificuldade é amar meus conhecidos que moram na casa
vizinha. As vezes falamos do nosso grande amor e da capacidade que temos em
nos doar, enquanto os nossos interesses não são conflitados. Certa ocasião Nero,
o imperador romano, falou publicamente no Senado que o seu preceptor Sêneca, era
o seu melhor e mais fiel amigo; mas quando este amigo, no outro dia, discordou de algumas posições extremadas
assumidas pelo imperador, acabou perdendo a vida. Sêneca era amigo enquanto
concordava totalmente com as posições do imperador. Sêneca agora estava morto e
Nero choromingava a sua morte: Sêneca era
meu amigo, mas eu sou amigo apenas daqueles que me obedecem fielmente! Este
é o perfil psicótico da amizade despótica. Você é meu amigo se pensar como eu
penso e se fizer como eu quero.
A verdadeira amizade
não exige fidelidade compulsória, mas concede liberdade para que a
correspondência responsável seja espontânea, livre e pessoal. Jesus tendo amado os seus que estavam no
mundo, amou-os até ao fim. Jesus amou Judas que o traiu com uma amizade
incondicional. A atitude antipática de Judas não podia intervir na realidade
sublime de uma amizade verdadeira. Quando Judas se aproximou de Jesus com o
beijo da traição, Jesus se manifesta com um coração realmente comprometido com a
sua amizade. E logo, Judas aproximou-se de Jesus e lhe
disse: Salve, Mestre! E o beijou. Jesus, porém, lhe disse: Amigo, para que
vieste? Nisto, aproximando-se eles, deitaram as mãos em Jesus e o prenderam.
Mateus 26:49-50. Jesus não usa as pessoas, ele as ama em qualquer
circunstância. Ele não deixa de amá-las por causa da infidelidade humana. Ele
não as despreza em virtude de suas idéias contrárias. Jesus sabe muito bem que a
única maneira de se ter amigos sinceros é ser sinceramente amigo, e
profundamente amável. Matthew Henry percebendo esta realidade afirmou com amor:
Há pessoas com as quais não concordamos,
mas não precisamos afastá-las de nossa amizade. Cremos que o amor é mais forte e mais
poderoso que as diferenças de opiniões e muito mais profundo que os limites de
nossos preconceitos. Há uma grande diferença
entre aqueles que têm amigos e aqueles que são amigos. Muitos primam por
conquistar amigos e se gabam de ter muitos amigos. Contudo, sofrem com o medo de
perder e vivem na corda bamba das susceptibilidades para mantê-los em suas
inconstâncias. Outros são apenas amigos
e não temem perdê-los, pois ainda que estes se vão, eles continuam
verdadeiramente amigos. Eles não usam as pessoas, mas amam sem interesse, nem
culpa.
A Bíblia fala de dois
amigos íntimos que ultrapassam aos padrões vulgares das amizades negociadas, e
das paixões medíocres e deformadas que caracterizam as perversões humanas. Sucedeu que, acabando Davi de falar com
Saul, a alma de Jônatas se ligou com a de Davi; e Jônatas o amou como à sua
própria alma. 1Samuel 18:1. Estes dois se tornaram amigos
incondicionais. Não se trata de uma amizade utilitária nem uma relação passional
ou patológica. Era uma amizade de calibre eterno e de proporções verdadeiras.
Davi e Jônatas tinham uma relação de amigos sinceros e não mera cumplicidade de
vantagens lucrativas. Saul fez tudo para comprometer esta dedicação e colocou
toda forma de incompatibilidade para abortar a afeição genuína que eles nutriam.
Porém esta amizade não estava alicerçada em proveitos próprios, nem se
fundamentava em carências psicológicas complementares. Não havia a necessidade
doentia de aceitação nem o medo obsessivo da rejeição. Eles se amavam sem as
paixões deformantes da alma, nem as vantagens lucrativas do egoísmo. Em
todo o tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão. Provérbios
17:17. Lembro-me de uma pessoa que dizia ser o melhor amigo de alguém,
até ser confrontada por este nos seus interesses pessoais. Pouco a pouco a sua
amizade evaporou-se. A volatilização do relacionamento estava baseado exatamente
na utilização da amizade. Jônatas foi encurralado pelo pai para descartar a
amizade com Davi, pois como Príncipe herdeiro, o seu reino estava ameaçado com a
possibilidade de Davi se tornar Rei. Então, se acendeu a ira de Saul contra
Jônatas, e disse-lhe: Filho de mulher perversa e rebelde; não sei eu que
elegeste o filho de Jessé, para vergonha tua e para vergonha do recato de tua
mãe? Pois, enquanto o filho de Jessé viver sobre a terra, nem tu estarás seguro,
nem seguro o teu reino; pelo que manda buscá-lo, agora, porque deve morrer.
Então, respondeu Jônatas a Saul, seu pai, e lhe disse: Por que há de ele morrer?
Que fez ele? Então, Saul atirou-lhe com a lança para o ferir. 1Samuel
20:30-33a. Jônatas escolhendo a legítima amizade prefere perder o reino
ao amigo; enquanto Saul, que só sabia usar as pessoas, prefere matar o filho, a
conhecer os laços de uma amizade profunda.
Há muitas pessoas que
se interessam pelas outras enquanto estas podem ser úteis, ou quando não causam
ameaça aos seus interesses. Não raro confundimos amizade com utilização de
influência ou prestígio conveniente. Se você me serve, então sua amizade pode
ser meticulosamente engenhada. Muitas vezes, em face da solidão, nos tornamos
amigos de pessoas que podem corresponder à nossa necessidade. Servir-se das
pessoas é muito diferente de servir as pessoas com amor generoso e desprendido.
Seja o que for a amizade, ela jamais se utiliza dos outros para o benefício
pessoal. A prova de uma amizade legítima está na capacidade do amigo se doar
pelo objeto de sua afeição. Muitos amam da boca para fora, mas os amigos amam de
coração, até ao fim, em qualquer circunstância e sem qualquer interesse
mesquinho, senão o de amar o amigo. Jesus foi um amigo dos seus discípulos, e os
amou incondicionalmente até ao fim. Ele não amou por conveniência nem por
solicitude de qualquer carência. Pois o
amor só precisa amar, ainda que não ganhe nada com isso. E como dizia muito bem Thomas Merton, o amor busca apenas uma coisa: o bem do ser
amado. Ele deixa todos os outros elementos secundários por conta de si
mesmos. Deste modo, que a graça de Deus nos constitua amigos das pessoas e
não desfrutantes de seus préstimos ou qualidades. Temos um projeto de vida
maravilhoso de amar as pessoas e não usá-las. Examinemos as nossas relações e
vejamos se estamos usando ou amando!
Soli Deo Glória.
| |
VALORES NA BALANÇA
Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua
alma?
Segundo a avaliação de Jesus, uma vida ou a alma humana vale
mais do que o universo. A vida é mais importante do que o cosmo. Uma pessoa
poderá fazer um investimento que consiga angariar os recursos do mundo todo,
mas, se vier a perder-se eternamente, terá feito uma péssima aplicação. De
acordo com a estimativa de Jesus, a salvação de uma alma é mais preciosa do que
o montante dos recursos do mundo. A salvação de uma única alma é mais importante
do que a produção de recursos para a preservação física de toda a humanidade. E
o maior empreendimento é de quem está envolvido na salvação das almas.
A maioria das pessoas não sabe fazer cálculo. Gasta-se mais
tempo tentando amealhar as riquezas que têm menos valor. No cômputo geral,
prefere-se dar mais atenção aos recursos de origem terrena, do que cuidar das
verdadeiras riquezas espirituais. Isto reflete o estrabismo da visão humana,
causada pelo pecado. Para a grande maioria, uma empresa, uma fazenda ou os
negócios merecem mais consideração do que a salvação eterna de sua alma. Damos
prioridade aos ganhos vantajosos desta vida e desprezamos os valores permanentes
que podem realmente nos preencher. Quando Jesus disse ao jovem rico que ele
precisava vender tudo, dar aos pobres, para receber o tesouro celestial,
ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste, porque era
dono de muitas propriedades. Marcos 10:22. Na sua contabilidade não
constavam os bens duráveis. Ele não sabia fazer avaliação das coisas de
proporções eternas. As bugigangas e os tesouros perecíveis acabam tomando lugar
do patrimônio imutável.
O homem encontra-se vazio. O coração do ser humano está
buscando satisfação ou significado nos valores deste mundo. Entretanto, nada,
por mais importante que seja, é capaz de preencher a lacuna da alma. Há um
buraco muito grande que só algo absoluto pode completar. O vazio do homem tem a
dimensão de Deus, e ninguém pode ocupar este espaço, senão o próprio Deus. A
busca de contentamento ou bem-estar fora da absoluta necessidade de Deus tem
demonstrado uma atividade enfadonha para a alma. Por mais significativos que
sejam os envolvimentos para rechear este vazio, sempre terminam em decepção.
William Bridge disse que a terra e sua plenitude jamais podem
satisfazer a alma. Glória e brilho não são sinônimos. Podemos ser brilhantes
neste mundo, mas profundamente vazios. A crise da humanidade é fundamentalmente
uma falta de conteúdo, prioridade e direção. Ocupada com assuntos banais, a raça
humana pretende encher o vácuo da alma com as bagatelas econômicas, com as
futilidades culturais, com as ninharias esportivas e com as chochices
religiosas. Muito tempo e investimento têm sido gastos na reparação dos estragos
causados pela inversão dos valores. Mas, na verdade, tudo isto tem sido em vão.
Ninguém pode encontrar aprazimento fora de um relacionamento real com Deus.
Quando falamos de Deus, não estamos nos referindo aos sistemas religiosos
criados pelos homens, para tentar suprir as necessidades da alma.
O miolo da alma tem que ser Deus mesmo. Nenhum conteúdo
religioso pode indenizar os prejuízos causados pela falta de comunhão com o
próprio Deus. Se Deus não for o centro de nossa experiência e a excelência de
nossos relacionamentos, então, estamos envolvidos com trivialidades que jamais
satisfarão as carências profundas de nossa alma. Somente em Deus, ó minha
alma, espera silenciosa; dele vem a minha salvação. Salmo 62:1. A falta
de intimidade pessoal com Deus é a causa da insatisfação dominante do coração
humano. Nada pode completar os desejos íntimos do ser humano, senão o próprio
Deus em pessoa. Nem mesmo as suas bênçãos ou dons são capazes de suprir o vazio
de cada um de nós. Ó Deus, tu és meu Deus forte; eu te busco ansiosamente;
a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem
água. Salmo 63:1. A alma só pode contentar-se com a comunhão íntima de
Deus mesmo. Só a pessoa de Deus pode abastecer a sede do coração. Sem a
consciência real da presença de Deus e sem uma comunhão verdadeira com Ele, a
existência humana perde totalmente o sentido. É por isso que, muitas vezes
ficamos mais sedentos com a secura de nossa religiosidade. Entramos e saímos
destas reuniões, sem gozarmos da intimidade da presença de Deus. O pensador
Martin Buber afirmava: Nada tende a mascarar tanto a face de Deus como
a religião; ela pode tornar-se uma substituta para o próprio Deus. Um
cadáver lembra uma pessoa. Ali está o corpo em que viveu alguém, mas o finado
não tem expressão. Não há diálogo com morto. Religião sem intimidade pessoal com
Deus é funeral. E defunto não cresce, não evolui nem causa progresso. Muita
gente se ilude com suas práticas religiosas supondo que este ritualismo mitiga
as carências de sua alma. O salmista se perturba com o cerimonial religioso do
seu tempo, com o derramar de sua alma, com o festejo da multidão em gritos de
louvor na procissão alegre em busca da Casa de Deus. Havia todo um aparato
estonteante de motivações religiosas, mas a sua alma encontrava-se abatida, e
ele gritava: Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas
dentro de mim? E sua resposta evidencia o grande problema: Espera
em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu. Salmo
42:5. Havia muita religiosidade em sua experiência, mas Deus estava
ausente do seu louvor. A chupeta acalenta o choramingo da criança, mas não
abranda a fome. Só o peito ou a mamadeira podem saciar a ânsia da fome. Nada
neste mundo é capaz de satisfazer plenamente a necessidade pessoal de Deus.
Muitos expedientes podem atenuar a crise, mas não satisfazem o vazio da alma.
Que adianta ao homem gastar todo o seu tempo e empregar todos
os seus esforços no envolvimento com o trabalho, estudo, religião e lazer, não
levando em conta a seriedade da salvação eterna de sua alma? Esta é uma questão
de prioridade. Ninguém pode desconsiderar este assunto e viver com total
significado. Jesus mostrou que, a realização do ser humano passa em primeiro
lugar pela preferência do reino de Deus. Buscai, pois, em primeiro lugar,
o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Mateus 6:33. A salvação eterna e a comunhão íntima com Deus são assuntos
que fazem parte da primazia de uma agenda inteligente. Fica claro, pelas
Escrituras, que uma vida que exibe sucesso neste mundo, mas não leva em
consideração estes ingredientes eternos, não passa de loucura. Jesus, em uma de
suas parábolas, levanta uma pergunta que Deus faz a um homem que havia se
preocupado apenas em cuidar dos seus interesses terrenos. Louco, esta
noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Lucas
12:20. É estupidez da grossa investir todo o nosso tempo e gastar toda a
nossa energia na aquisição de patrimônios que ficarão para trás da sepultura.
Uma pessoa inteligente é aquela que sabe fazer o julgamento
correto dos fatos. Não podemos reputar como inteligente alguém que é desatento
para os assuntos ligados com a salvação eterna da sua alma. A sabedoria abre
os olhos tanto para as glórias do céu quanto para o vazio da terra. A
lucidez da mente e a agudeza do discernimento encontram-se em fazer, enquanto se
estiver vivo, as coisas que serão desejadas quando se estiver morto. Todo
empreendimento que só trata do aqui e agora não tem significado permanente para
o homem. Por isso, vale a pena ponderar os enfoques e as ênfases de nossa
existência, para não cairmos na armadilha de nos envolvermos apenas com as
coisas de menor valor. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e
perder a sua alma?
Soli Deo Glória.
| |
A ESSÊNCIA DA ADORAÇÃO: UMA QUESTÃO DE CORAÇÃO (1)
Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão
o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
João 4.23.
Provavelmente você deve ter lido ou ouvido sobre o termo
adoração. Alguns relacionam esse assunto com um momento específico da reunião da
igreja, dirigido pelo ministro de louvor e executado por artistas vocais e
instrumentais. É provável que a maioria aqui não seja um artista da área musical
e esse assunto não lhe chame muito a atenção, a não ser que o grupo que esteja
ministrando seja bem desafinado. Para alguns, entretanto, que consideram a
estética artística algo primordial, como é o caso dos artistas e de alguns
críticos de plantão nos cultos, esse assunto pode chamar muito a atenção. Mas, o
que você entende por adoração a Deus?
Muitas de nossas dúvidas sobre adoração são como aquela da
mulher samaritana. Se nossas questões estão focadas sobre onde e como
adorar a Deus, é porque nossa visão está na forma e não na essência.
Entretanto Jesus deu uma resposta precisa à mulher samaritana, assim como também
a nós nos dias de hoje, sobre a realidade do espírito e da verdade que estão
além da simples forma. "vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade". João 4.23a.
A mulher samaritana levantou a questão teológica popular entre
os judeus e samaritanos indagando sobre qual o lugar correto para a
adoração. Ela tentou afastar o tema central da discussão, mas na realidade
abriu uma porta para Jesus revelar a essência da obra redentora do Cristo:
não é tão importante o lugar quanto o coração do adorador! Podemos
dizer que a mulher estava falando da melhor forma, da arte, da legitimidade da
liturgia, enquanto Jesus Cristo lhe define o que é de fato a adoração.
"Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste
monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai". João 4:21.
Vamos primeiramente avaliar o ponto de vista da mulher
samaritana. A adoração no Antigo Testamento quanto a forma, começou com os
sacrifícios sobre os altares erguidos em lugares diferentes, depois no
tabernáculo, no templo e por último a adoração nas sinagogas. Desde os tempos
antigos a forma/arte está constantemente mudando e aperfeiçoando sua expressão,
porém não é o primordial alvo na adoração.
Quando entendemos a arte como a inspiração criativa Divina e um
meio de adoração a Deus, podemos contemplar a beleza da criação de Deus e sermos
ajudados a louvar nessa contemplação. Os céus proclamam a glória de
Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Salmos 19:1. Deus
deu a Davi a habilidade de construir instrumentos e compor Salmos de adoração.
"quatro mil porteiros e quatro mil para louvarem o SENHOR com os
instrumentos que Davi fez para esse mister." I Crônicas 23:5. "E quando em
uníssono, a um tempo, tocaram as trombetas e cantaram para se fazerem ouvir,
para louvarem o SENHOR e render-lhe graças; e quando levantaram eles a voz com
trombetas, címbalos e outros instrumentos músicais para louvarem o SENHOR,
porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre, então, sucedeu que
a casa, a saber, a Casa do SENHOR, se encheu de uma nuvem;". II Crônicas
5:13.
Grandes artistas na história foram incrivelmente talentosos e
dedicaram suas obras de arte a Deus. Podemos citar a composição de
Mendelssohn numa incrível expressão artística da presença de Deus na
obra "Elias". Johann Sebastian Bach que compôs a cantata BWV 80, planejou uma
expressão instrumental do mistério da trindade divina, colocando no órgão uma
melodia na mão direita, uma melodia na mão esquerda e uma outra ainda na linha
do pedal. Como disse um escritor sobre essa composição "se alguém tem o
coração em Deus, essa expressão artística lhe fará um grande bem para
compreender a verdade tríplice. Se estiver apenas interessado na arte, pode
deleitar-se com a música, mas perde-se o objetivo." Se retirarmos a atitude
do coração conduzida pelo Espírito Santo, tudo que restará será uma bela
expressão artística.
A arte no entanto, é muitas vezes exigente e pode facilmente
tomar o lugar de Deus como objeto da adoração. A arte vocal e instrumental, por
exemplo, pode se tornar uma religião e a principal busca como meio de prazer e
satisfação do artista ou do ouvinte. Por outro lado, alguns cristãos acreditam
que a arte não é espiritual, negligenciando a excelência para não caírem na
armadilha de colocar a arte acima de Deus.
De fato, a arte não faz de ninguém um verdadeiro adorador, mas
a verdadeira adoração pode também se expressar através da arte. Adoração não é
uma questão específica de lugar e forma, mas uma questão de coração.
"Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas,
como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está
longe de mim". Marcos 7:6 .
Como é fácil voltarmos nossos olhos para a forma e não
para Deus. Parece que precisamos constantemente afirmar que adoração não é, em
sua essência, uma condição do lugar, do ambiente ou da melodia, antes, é uma
condição do coração. Muitas mudanças na estrutura do culto são apenas mais uma
tentativa de lidar com a arte e não com o coração. Somos nós que precisamos de
mudanças. Não deveria ser algo relevante para quem se reúne para o culto, saber
quem esta pregando ou cantando. A adoração precede a reunião de domingo e quando
nos reunimos deveríamos adorar a Deus porque já o fizemos durante a semana.
Mas o que é adoração? Tanto no AT quanto no NT o termo adoração
significa inclinar-se, prostrar-se diante de; ajoelhar-se, prestar homenagem ou
reverência a alguém, seja para expressar respeito ou para suplicar. Adorar
significa uma atitude reverente que se expressa atribuindo valor ou mérito.
Vejamos o Salmo 96.7,8. "Tributai ao Senhor, ó famílias dos povos,
tributai ao Senhor glória e força. Tributai ao Senhor a glória devida ao seu
nome; trazei oferendas, e entrai nos seus átrios".
Adoração é uma reação ativa a Deus. Deus se revela e o homem
reage a sua revelação adorando-o com fé. Porém, em geral somos até bons
ouvintes, mas fraquíssimos em praticar a Palavra de Deus. Ficamos extasiados com
a graça de Deus, mas não respondemos coerentemente a essa graça, obedecendo-lhe
naquilo que nos manda obedecer. Será que a causa de uma pessoa não ser achada
por Deus como verdadeiro adorador é que essa pessoa não vive a adoração como
estilo de vida, mas como o resultado apenas de um momento?
O padrão de Deus não mudou, Deus busca adoradores que o adorem
em espírito e em verdade. Essa é uma condição sine qua non na adoração: ser uma
nova criatura em Cristo, regenerado pela Palavra de Deus. A adoração em espírito
e em verdade depende primariamente do novo coração recebido pela fé na nossa
inclusão em Cristo na sua morte e ressurreição. Deus não busca adoradores fora
do seu reino, porém não são todos os do reino que são encontrados como
adoradores.
Jesus classificou os adoradores em três tipos: os samaritanos
que adoram o que não conhecem - ninguém se relaciona bem com quem não tem
intimidade; os que conhecem, mas vivem num conhecimento teórico sem
relacionamento profundo, e os que adoram em espírito e em verdade. A adoração
verdadeira baseia-se no conhecimento e no amor. Deus só pode ser adorado se for
conhecido e amado. O salmista convoca o povo de Deus para adoração dizendo:
"Sabei que o SENHOR é Deus; foi ele quem nos fez, e dele somos; somos o
seu povo e rebanho do seu pastoreio". Salmos 100:3.
Podemos criar muitas desculpas para não adorarmos a Deus.
Podemos dizer que se o local fosse mais bonito e confortável poderíamos adorar
de verdade. Podemos dizer que se a igreja tivesse mais calor humano e comunhão
poderíamos adorar de verdade. Ainda podemos dizer que se a equipe do ministério
de adoração fosse melhor em qualidade, poderíamos adorar com excelência; se os
cânticos fossem mais contemporâneos ou mais tradicionais, então poderíamos
realmente adorar. O que realmente é importante? A forma ou o conteúdo?
"Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as
melodias das tuas liras". Amós 5.23.
Um rapaz de nossa comunidade me perguntou: Como posso saber se
o que estou fazendo está certo ou errado, se é pecado ou não? Respondi: Não há
possibilidade de uma pessoa andar com você o tempo todo para te responder às
situações. Se você não tiver um relacionamento íntimo com Deus, não saberá e não
dará ouvido quando o Espírito Santo falar com você. Da mesma maneira alguém pode
perguntar: Como posso ser um adorador verdadeiro? Posso responder: quando você
tiver um relacionamento de amor para com Deus este relacionamento o levará a
adorá-lo em espírito e em realidade dia-a-dia.
O texto principal de nossa meditação diz: "porque o Pai
procura a tais que assim o adorem" (v.23b). Você e eu temos sido
encontrados continuamente por Deus como verdadeiros adoradores? Façamos uma
profunda avaliação afim de que possamos entender o que Deus é e o que nós somos,
e assim adorar ao nosso Deus em espírito e em verdade.
Soli Deo Glória.
| |
A TENTAÇÃO DO TRADICIONALISMO
Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos
homens. Marcos 7: 8
Quando olhamos com cuidado para as escrituras, e também para a
história da igreja, ou dos movimentos avivalistas, podemos verificar uma
dinâmica recorrente. Trata-se do fato do distanciamento do objetivo original
proposto pelo movimento, que vai corrompendo os ideais, até que muito pouco
reste do projeto original.
Na grande maioria das vezes, aquilo que surgiu com uma
determinada intenção, com o passar dos anos se transforma em algo que é
contrário, por mais absurdo que isto pareça, ao espírito, ou a essência daquilo
que motivou o surgimento do próprio movimento. Os estudiosos dizem que todo
movimento profético tende com o passar dos anos a se tornar sacerdotal.
Como exemplo histórico, podemos destacar o movimento da reforma
protestante, que nasce com o objetivo de restaurar verdades bíblicas que, depois
de muitos séculos, haviam sido substituídas por doutrinas humanas, além de uma
ingênua pretensão de reformar a igreja católica romana.
Na perspectiva do evangelho, os grandes movimentos avivalistas
da história como, por exemplo, o avivamento Morávio do conde Zinzendorf no
século XVIII, que deu base para avivamentos posteriores e o caso de um evento
tão importante quanto à reforma protestante, não têm como fundamento a
descoberta de uma nova idéia a cerca do evangelho, o evangelho por si só já é
novo.
Antes sua beleza esta em redescobrir a mesma verdade imutável e
libertadora da palavra de Deus, do evangelho da graça de Cristo Jesus. No
avivamento Moraviano, o que começou a fazer toda diferença, era a dedicação à
prática da oração, leitura das escrituras, dos relacionamentos e da ajuda mutua.
Não há nada de novo nisto, aliás, nada é mais básico para a fé
cristã do que orar e ter comunhão com a palavra e uns com os outros, como
podemos verificar no livro de Atos. "E perseveravam na doutrina dos apóstolos
e na comunhão, no partir do pão e nas orações."Atos 2:42
Já na reforma, apesar das 95 teses de Lutero, podemos destacar
aquilo que ficou conhecido como às cinco colunas ou pilares da reforma, que
eram, 1º Sola Scriptura, 2º Sola Gratia, 3º Sola Fide, 4º Solo Christi, 5º Soli
Deo Glória. A reforma surge num momento em que as encíclicas papais tinham mais
autoridade que as Escrituras, onde as pessoas não podiam ler a bíblia, mesmo que
a bíblia nos dissesse, " Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o
ensino, para a repreensão, para correção, para educação na justiça, a fim de que
o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa
obra." II Timoteo 3:16-17 .
Onde a graça era desprezada ou inexistente, sendo substituída
pelo pagamento de indulgências e a fé era forjada na fogueira, mesmo que a
palavra de Deus nos ensinasse que "...pela graça sois salvos, mediante a fé;
e isto (a fé) não vem de vós; é dom de Deus; não de obras para que ninguém se
glorie." Efésios 2:8-9.
A intermediação de Cristo era insuficiente, bem como sua obra
na cruz, fazendo-se necessários outros mediadores entre Deus e os homens, ainda
que a palavra de Deus nos afirmasse: "Porquanto há um só Deus e um só
mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem." I Timóteo 2:5. A
glória de Deus foi substituída pela glória dos homens, algo que estava em
contradição com a palavra de Deus.
O que promove esta deteriorização é a associação do tempo mais
a obstinação de homens, de não abandonar a sabedoria deste mundo, "acaso não
tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?" I Coríntios 1:20c, que amam a
ordem criada pelas regras em detrimento da vida e da liberdade promovidas pelo
evangelho. Esta associação produz uma das fortalezas mais terríveis, a qual se
da o nome de tradicionalismo, de modo que estas pessoas passam a se sustentarem
na tradição humana e não na palavra de Deus.
Um exemplo disso é quando a igreja hoje, diante de uma mulher,
a qual foi descoberto seu adultério, a julga e a condena, segundo o
tradicionalismo religioso, enquanto o evangelho encarnado, Cristo Jesus diz:
"nem eu tampouco te condeno, vai e não peques mais." João 8:11b. E ainda
que não seja possível apedreja-la com pedras, apedrejamo-a com nossos olhares de
condenação, e ainda que não seja possível mata-la, fazemos isto socialmente
tirando-a de nosso convívio.
Fazendo assim agimos em contradição ao Cristo que dizemos crer,
e em conformidade com a tradição religiosa dos fariseus e escriba e dos
sacerdotes exigentes que crucificaram a Jesus. Brennan Manning escreve em seu
livro; "O evangelho maltrapilho" "Jesus sentava-se à mesa com qualquer
um que queria estar presente, inclusive os que eram banidos das casas
decentes.Compartilhando da refeição eles recebiam consideração em vez da
esperada condenação. Um perdão misericordioso em vez de um apresado veredicto de
culpa. Graça admirável em vez de desgraça universal.Eis aqui uma demonstração
muito prática da lei da graça, uma nova chance na vida."
Para que houvesse a reforma, foi necessário que se buscasse com
sinceridade na fonte, a verdadeira essência do evangelho, separando-o de todo o
entulho possível, que os homens no decorrer dos tempos, tendo em vista à
sabedoria deste mundo, interesses mesquinhos, a glória humana e não a glória de
Deus, acrescentaram ao evangelho. Este fato acabou por descaracterizá-lo,
portanto negando sua eficácia. É o que Paulo vai chamar de outro evangelho.
"Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça
de Cristo para outro evangelho." Gálatas 1:6 .
Alem desta busca, o que foi mais importante para que a reforma
ocorresse, foi Deus pelo seu Espírito, levantar homens, que nada mais possuíam
se não somente a Jesus, homens mortos para sua reputação, para si mesmos, mas
vivos para Deus. Esta condição lhes deu ousadia para romper com toda a tradição
religiosa estabelecida ao longo de séculos.
Hoje, 493 anos depois da reforma protestante, nos deparamos com
os mesmos problemas que Lutero e Calvino enfrentaram, a tradição religiosa fala
mais forte que a palavra de Deus, a graça tem sido desprezada, a fé passou a ser
acreditar em qualquer coisa, desde que o individuo não tenha que se comprometer
com aquilo que diz crer, Cristo não é suficiente e Deus só serve, se puder
elevar a glória humana segundo este mundo, concedendo ao fiel distinção dos
demais homens. E isto, até mesmo dentro das igrejas que foram frutos da reforma.
Não devemos nos espantar, esta tensão sempre existirá, devemos
antes é nos abrir para o novo trazido pelo evangelho, rejeitando sempre esta
estrutura aprisionante do mundo, que tenta nos colocar numa forma, como esta
escrito: "Não tomeis a forma deste mundo, mas transformai-vos pela renovação
da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita
vontade de Deus". Romanos 12:2
A tradição humana, sempre será uma das armas do inimigo de
nossas almas, para nos aprisionar no pecado, porque a obediência a
tradicionalismo nunca poderá libertar o homem do seu pecado, pois somente a
obediência ao evangelho da graça de Deus em Cristo Jesus pode salvar o homem,
libertando-o de si mesmo e de seu pecado mediante sua morte e ressurreição com
Cristo.
Sim, o evangelho, a boa nova de Deus, a novidade trazida na
encarnação de Cristo, como João diz: "Porque a lei foi dada por intermédio de
Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo." João 1:17, e
não o tradicionalismo da lei, que em Cristo foi removido,como Paulo afirma:
"Mas o sentido deles se embotaram. Pois até o dia de hoje, quando fazem a
leitura da antiga aliança o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em
Cristo, é removido." II Coríntios 3:14.
Mas o vinho novo que rompe o odre velho, que para o
tradicionalismo religioso é vergonha e escândalo, mas que para nós os que cremos
deve ser sempre motivo de alegria como esta escrito: " Pois não me envergonho
do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê,
primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no
evangelho, de fé em fé, como esta escrito: O justo viverá por fé." Romanos
1:16-17 . Sim somente o evangelho é o poder de Deus para a libertação humana e
não a nossa obediência as tradições humanas.
Jesus ao ser interrogado pelos fariseus e escribas, no verso 5
do capitulo 7 do evangelho de Marcos, sobre o motivo pelo qual seus discípulos
não andavam segundo a tradição dos mais velhos responde: "...Bem profetizou
Isaias a respeito de vós, hipócritas, como esta escrito: este povo honra-me com
os lábios mas seu coração esta longe de mim. E em vão me adoram, ensinando
doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus,
guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o
preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição." Marcos 7:6-9
Que Deus nos livre disso, e nos de a ousadia de viver, somente
com sua palavra, confiando somente em sua graça, sustentado somente pela fé, na
suficiência única de Cristo para que em tudo somente Deus o Pai seja
glorificado.Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solo Christi, Soli Deo
glória.
Soli Deo Glória.
| |
Assinar:
Postagens (Atom)