terça-feira, 20 de novembro de 2012

O PERIGO DO PASSADO




A experiência tem história, mas não podemos viver voltados para o passado. Nenhuma pessoa lúcida nega a importância da experiência na história. Sem os fundamentos do passado não temos a competência para construir com sabedoria o futuro. Os alicerces do amanhã estão baseados no ontem. Precisamos do conhecimento antigo para elaborar o novo, pois as raízes da antiguidade servem para sustentar o desenvolvimento vindouro. O retrovisor é fundamental para o desempenho no tráfego. Muitos desastres são resultados da falta da visão anterior. Porém, a vida não pode andar para trás.

No caso em foco, Jesus censura uma pessoa que estava presa ao cordão emocional de sua linhagem. Ele queria seguir a Jesus, mas tinha um vínculo com a família que precisava de acertos. Na vereda da fé cristã há muitos que pensam deste modo. As tradições culturais e o peso da opinião doméstica exercem grande pressão na decisão pessoal. Muitos ficam amarrados ao julgamento do seu clã e sentem dificuldades para tomar posição. São pessoas carentes que temem perder o apoio emocional da família e buscam conciliar sua fé com a aprovação dos mais chegados.

Porém, esta abordagem ganha uma estimativa muito mais ampla, quando examinamos outros lados da questão. O olhar para trás pode representar toda tentativa de congelamento da experiência. Um grande risco que vemos na história da igreja é o fascínio com o passado. Temos uma tendência de perpetuar os métodos de uma época. Aquilo que foi de grande valor num momento histórico recebe dimensões permanentes e, com isto, a igreja se inclina para colecionar peças de museu.

Volto a insistir: não é possível caminhar com saúde relacional, sem memória. O passado tem importância fundamental no progresso de qualquer sistema, e há elementos no projeto da igreja que são imutáveis. Faltando no horizonte do tempo a dimensão do passado, fica muito difícil construir uma visão adequada do futuro. Contudo, não é normal permanecer com aquilo que ficou obsoleto. A lamparina ainda tem a sua noite de glória nos lugares onde não há energia elétrica, mas nenhum citadino defende a sua permanência no mundo de hoje. Andar de charrete pode ser pitoresco, mas é atraso no mundo automotivo.

Antes de qualquer coisa precisamos fazer uma distinção entre aquilo que é estável e as coisas que são transitórias. Sabemos que a Palavra de Deus é eterna e que os seus ensinamentos são duráveis. A ética da Bíblia não muda. As leis do decálogo continuam vivas sob o comando da graça. Ninguém pode considerar superados os princípios da moral bíblica, uma vez que estão alicerçados na base perene do caráter de Deus. Mas os costumes e os métodos históricos precisam ser avaliados em cada geração. Não devemos mumificar aquilo que é provisório. A permanência das coisas interinas representa um desperdício de tempo e um gasto tremendo de energia.

A mulher de Ló tornou-se uma estátua de sal ao virar-se para trás. A igreja nostálgica perde sua função de sal da terra, quando se agarra a uma metodologia retrógrada. A esterilidade de ambas se manifesta com a contemplação do passado em desuso. Fixar os olhos naquilo que pôde ser relevante noutra época, mas se tornou banal para este tempo, se constitui na maior improdutividade na vivência comunitária. As pessoas orientadas de forma dogmática para os conceitos atrasados, tentando soluções antiquadas para problemas novos, acabam se tornando desqualificadas para o seu momento histórico. Por isso, é importante a distinção entre os fatos eternos e as coisas efêmeras, a fim de não descartar o que é imutável e não perpetuar aquilo que é temporário.

O apóstolo Paulo foi um homem de vanguarda que sabia discernir entre os eventos importantes e necessários e aqueles que serviam momentaneamente para algum propósito. Os lances que foram admiráveis para ele numa época, deixaram de merecer sua apreciação, quando auferiu os melhores conceitos da graça de Deus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Filipenses 3:13-14. Paulo não ficou paralisado em sua experiência passada, uma vez que sua meta tinha proporções absolutas.

Não podemos perder de vista o alvo. A fé cristã tem mira. A falta de um objetivo supremo desencadeia o envolvimento com as coisas periféricas. Precisamos atirar na mosca. Quando a igreja desloca seu olhar do centro para os detalhes, acaba se perdendo nas práticas religiosas, sem qualquer significado eterno. A grande ameaça que assalta constantemente o programa da igreja é a concepção de atividades irrelevantes, que simplesmente mantém as pessoas entretidas. Tanto o passado decrépito como o presente alucinado por novidades, carece de análise.

A igreja necessita de uma avaliação contínua do seu programa de atividades sob os cuidados do modelo da cruz. Somente contemplando Cristo crucificado podemos focalizar o passado de modo acentuadamente significativo. Não é possível ser tolerante com as vulgaridades religiosas, quando vemos o panorama espiritual sob o prisma do Calvário. Também não é possível ver o futuro sem a perspectiva da ressurreição. A igreja de Cristo tem uma escatologia de esperança e conseqüentemente um culto com elementos de expressão eterna. Na igreja não há lugar para os métodos espetaculosos de passatempo religioso.

Os dois problemas mais sérios que temos com o passado são: primeiramente, a lembrança ardida de uma consciência culpada. Há uma multidão que sofre com a dificuldade em crer no perdão consumado. Como o predador que enterra a sua presa, comumente retornamos ao nosso passado para cavoucar a carniça escondida. A falta de uma visão clara do sacrifício de Cristo faz muita gente prisioneira de uma memória delituosa. Parece que nunca podemos viver isentos da culpa, e precisamos recordar em penitência a cena do crime.

Creio que a falta de revelação da obra plena de Cristo crucificado é responsável por este retorno mórbido ao passado delinqüente. Refém de incredulidade, o acusado inflexível regressa sempre ao seu passado para curtir sua expiação recorrente. Ele precisa se martirizar neste ciclo de autopunição, a fim de liberar um sentimento crônico de clemência. Vítima de uma teologia psicológica, onde a autocomiseração é mais acentuada do que a fé, o pobre réu do passado atura, sob pressão, uma mentalidade de desagravo constante. Diz uma tradição, que Pôncio Pilatos viveu os seus últimos anos exilado numa ilha, lavando as suas mãos. Nada pode ser mais terrível do que uma consciência encarcerada num passado de amarguras, em conseqüência de incriminações repetitivas.

Em segundo lugar, o perigo do passado fica por conta da reedição dos modelos arcaicos e irrelevantes que são eternizados nas tradições tolas. A falta de uma visão clara da dimensão escatológica e da evolução progressiva da igreja faz os saudosistas torcerem o pescoço para contemplar um passado que já expirou. Muita gente destituída da esperança da ressurreição, ainda pretende retornar ao velho modelo judaico, que ficou completamente ultrapassado. Vemos atualmente uma regressão acentuada no culto cristão, com a preocupação em restaurar as formalidades festivas do judaísmo e estabelecer uma liturgia atrelada às sombras que já foram superadas. Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo. Colossenses 2:16-17. Depois da realidade de Cristo crucificado e ressurreto temos que formular a nossa teologia com base na libertação deste passado refugado, e na certeza plena da esperança vindoura.

A igreja cristã precisa ter uma boa memória, recordando sempre os fundamentos essenciais de sua crença. A fé tem história, mas não se atém construindo um memorial daquilo que foi provisório. O padrão do evangelho é a novidade de vida numa estrutura sempre inovadora. Um legado da reforma protestante foi que a igreja reformada devia estar sempre se reformando à luz da esperança escatológica.

O cristianismo não tem lugar para o velhusco e bolorento sistema já deteriorado. O Senhor Jesus foi bem categórico em sua avaliação. Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo novo tira parte da veste velha, e fica maior a rotura. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário, o vinho romperá os odres, e tanto se perde o vinho como os odres. Mas põe-se vinho novo em odres novos. Marcos 2:21-22. A mentalidade do evangelho é nova e a estrutura da igreja tem que ser sempre renovada. Repetir os velhos chavões ou cantar os cânticos da antiga comunidade judaica é olhar para trás. É bom lembrar que a fé cristã nasceu de uma sepultura aberta na madrugada do primeiro dia da semana. Ela é viva, alegre, original e cheia de esperança, olhando firmemente para o alvo, Cristo, seu autor e consumador.


Soli Deo Glória.

DINHEIRO, BÊNÇÃO OU MALDIÇÃO

Qual é a identidade do dinheiro em sua essência? Como podemos considerar esse tema: ele é mau em si mesmo ou é bom em sua natureza? Como podemos classificá-lo quanto à sua origem? Será o dinheiro apenas uma coisa neutra? Essas são questões que mexem na axiologia do assunto.
Muitas pessoas dizem que o dinheiro é bom. Elas afirmam categoricamente que não há nada de errado com o dinheiro em si. Que o problema é o ser humano governado pela cobiça. O dinheiro é uma coisa boa que, eventualmente, pode ter um mau uso.
Há um outro grupo que não vê qualidades intrínsecas no dinheiro. Eles acreditam que o sistema monetário é um lance indiferente em seu valor essencial, isto é: nem mau nem bom. Tudo depende de como se usa o dinheiro. Não existe dinheiro ruim nem dinheiro bom. Existe sim, gente que faz uso adequado ou inadequado do dinheiro.
Outros, porém, consideram o dinheiro um mal necessário. Dizem que ele é mau em sua origem, mas necessário nesse mundo. Afirmam que não há dinheiro bom em si mesmo, tão pouco, neutro. A raiz do dinheiro é de fato má, por isso, ele traz em sua natureza uma influência maléfica, ainda que possa ser usado de um modo acertado do ponto de vista moral.
Alguns estudiosos do assunto dizem que abordar esse tópico da essência filosófica do dinheiro é típico de cara utópico. Mas não são tão ilusórias assim essas considerações sobre o tema. Jesus mostra que a origem das riquezas, na verdade, é injusta. E eu vos recomendo: das riquezas de origem iníqua fazei amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos tabernáculos eternos. Lucas 16:9.
Ora, se os nossos primeiros pais não tivessem pecado no jardim do Éden, não haveria necessidade de alguém acumular patrimônio. O imperativo da abastança e a urgência em armazenar passam a existir na história da raça humana, em razão do desabastecimento da confiança em Deus. O medo da privação acaba fomentando o acúmulo de bens. Sendo assim, a riqueza é um produto do pavor pecaminoso. O pano de fundo das riquezas é o receio da escassez e a falta de confiança na soberania Divina.
Segundo Jesus a raiz das riquezas é de procedência injusta, ainda que uma riqueza qualquer não tenha sido amontoada em decorrência de injustiça. Isso quer dizer que, se não houvesse pecado, não haveria acumulação de bens pessoais e que todos teriam as mesmas coisas de modo compensado. Haveria uma eqüidade comunitária na repartição.
Creio que o pecado atingiu, em cheio e radicalmente, todos os recursos humanos e que não há nenhuma atividade dessa raça isenta de contaminação soberba. No âmago de qualquer expediente e em qualquer sujeito podem-se encontrar os sintomas da teomania
que foi inoculada pelo discurso da serpente. Com isso, podemos afirmar que o dinheiro é uma criação eivada de desejos egoístas.
Sou daqueles que entendem ser o dinheiro um mal necessário. Não vejo neutralidade e muito menos bondade essencial nele. A sua origem é injusta e as suas sugestões estão freqüentemente viciadas pelas ambições mais interesseiras de uma espécie dominada pela grandeza, por isso, Jesus mostrou como é difícil ser honesto na administração do dinheiro. Se, pois, não vos tornastes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta, quem vos confiará a verdadeira riqueza? Lucas 16:11.
Jesus aqui discursa sobre duas riquezas: aquela que vem de uma linhagem injusta e a verdadeira riqueza. Uma é carnal, enquanto a outra é espiritual. De acordo com Jesus, se não soubermos administrar a riqueza de raiz iníqua, Deus não nos conferirá a verdadeira riqueza de procedência espiritual.
Saber gerir apropriadamente o patrimônio terreno é uma habilidade rara para os habitantes deste planeta. De modo geral, as pessoas são escravas do dinheiro. Poucas são aquelas que conseguem governar com sabedoria a fortuna, grande ou pequena, que se encontra sob seu encargo. A maioria, quando tem alguma riqueza, ou a esbanja num consumismo descomedido, ou a acumula cada vez mais no seu pão-durismo. Nesse caso, "o dinheiro é como a água do mar; quanto mais uma pessoa bebe, mais sede sente".
Além de ser injusta a origem da riqueza, como ensina Jesus, segundo Paulo, o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Ele não está dizendo que o dinheiro é a causa de todos os problemas, mas que o amor ao
dinheiro é o radical maligno que desvirtua os relacionamentos humanos. Por trás dos desacertos pessoais e das encrencas sociais, a miúdo, topamos com os ardis desse amor avarento. Samuel Chadwick disse: "o amor ao dinheiro é para a igreja um mal maior do que a soma de todos os outros males do mundo".
A história eclesiástica tem sido maculada com as tintas violentas da cobiça. Vemos com freqüência o governo das igrejas sofrendo com a influência desastrosa desse amor ao dinheiro. Por trás de muitos discursos devotos podemos perceber a dissimulação dos desejos que ambicionam as recompensas monetárias. Porém, como dizia Roger L’Estrange, "aquele que serve a Deus por dinheiro servirá ao diabo por salário melhor".
O dinheiro não é uma ferramenta passiva. Ele é uma coisa que ganha poder de um personagem e obtém domínio sobre as pessoas. No tronco do dinheiro existe um troco emocional que o eleva à condição de dominador. Se alguma pessoa serve a alguém por causa do dinheiro, o seu serviço acaba se tornando dependente deste déspota.
Jesus mostra que as riquezas podem ser equiparadas a um deus, quando disse: Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.Lucas 16:13. Segundo Jesus, as riquezas aqui acabam tomando a categoria senhoril de deus, podendo exercer autoridade total na vida das pessoas.
Quando uma coisa governa uma pessoa, essa coisa fica içada à hierarquia idólatra da divindade. A idolatria se caracteriza pela divinização da criatura em lugar do Criador. Qualquer entidade, menor que o Deus absoluto, assumindo a condição de comando na vida de uma pessoa inteligente, se constitui numa expressão grosseira de idolatria.
Idolatria é qualquer coisa criada tomando o lugar de Deus. Quando um ser humano se entrega a alguém que não seja Cristo ou confia em algo que não seja eterno, ele se envolve diretamente no esquema infernal da idolatria. "Um deus fabricado não é Deus".
Confiar em dinheiro é a divinização da coisa ou a coisificação da Divindade. Idolatria é qualquer coisa merecendo confiança. Quando confiamos no dinheiro estamos de fato prestando culto a um tirano que retira de nós o exercício da verdadeira fé.
Ninguém pode servir a dois soberanos. Se você serve a Deus não pode servir ao dinheiro. Se você serve ao dinheiro, jamais poderá dedicar-se a Deus. Foi William Penn quem disse: "os homens precisam escolher ser governados por Deus ou estarão condenados a ser governados por tiranos". Tirano à parte, o dinheiro vive tirando a gente do sério.
Mas o dinheiro pode ser um servo útil no reino de Deus, se for gerido por alguém que serve a Jesus. Se o dinheiro é servo de um servo de Cristo, então serve para o serviço de Deus. Francis Bacon dizia que "dinheiro é como esterco: só é bom se for espalhado".
Thomas Manton afirmava que "não existe defeito que limite e mate mais efetivamente os sentimentos, que torne as afeições do homem mais completamente centralizadas em si mesmo, excluindo todos os outros de participar delas, do que o desejo de acumular bens". Por este motivo Jesus adverte: Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo. Lucas 14:33.
A prosperidade, o prestígio e o poder são mais ameaçadores para o incremento da vida cristã do que a falta de posse, o desprestígio e a fraqueza. A soberba da riqueza é muito mais perigosa do que o colapso da pobreza. Isso não significa que a riqueza seja incompatível com a vida espiritual autêntica, mas nela corre-se mais risco de auto-suficiência do que nos limites da necessidade. A autonomia humana é o extermínio da confiança em Deus. Por isso, um sujeito independente de Deus é alguém insuportável.
Além disso, nenhuma pessoa salva pela graça se comporta como se fosse proprietário de algum bem nesse mundo. De fato, os crentes em Cristo são mordomos e despenseiros das riquezas divinas. Ninguém é dono de coisa alguma no mundo. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. 1 Timóteo 6:7.
A Bíblia mostra, também, como aqueles que ambicionam tornarem-se ricos estão sujeitos às emboscadas mais terríveis. A cobiça e a inveja têm sufocado mais gente na insatisfação e na censura do que aqueles que morreram afogados no dilúvio de Noé. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. 1 Timóteo 6:9.
O maior patrimônio que alguém pode ter nesse mundo é o contentamento. Uma vida vivida com satisfação em qualquer conjuntura é algo extraordinário. Paulo se matriculou na escola do regozijo e aprendeu uma das mais belas lições da sua vida. Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; Filipenses 4:11-12. É uma festa a companhia de alguém contente!
O dinheiro pode ser bênção ou maldição. Tudo depende do modo como nos relacionamos com ele. Se ele for senhor, nós seremos seus escravos. Nesse caso estamos em maus lençóis. Se ele for um meio a serviço de gente contente, então ele pode se constituir em bênção. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. 1 Timóteo 6:8.
Precisamos aprender a nos contentar com o que temos, bem como aprender a repartir o que temos. Se Deus nos tem permitido administrar uma fatia maior do bolo, devemos nos dispor a participar com aquele que se encontra em condição insuficiente. Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: Mais bem-aventurado é dar que receber. Atos 20:35.
Além disso, a escola do contentamento cristão nos ensina a celebrar com aquele que tem uma porção maior do que a nossa para administrar. Aqui muita gente fica reprovada, pois é mais fácil compartilhar com aquele que tem falta, do que partilhar da alegria daquele que tem mais do que nós. Com freqüência preferimos ajudar o pobre, exibindo nossa generosidade, do que comemorar o êxito daquele que nos supera na contabilidade.
Na academia do contentamento temos três lições básicas relativas ao uso do dinheiro: A nossa satisfação pessoal em qualquer situação; a alegria de compartilhar com o carente, bem como investir no reino de Deus; e a comemoração pelo êxito daquele que nos supera na supervisão do patrimônio. Você já se matriculou nesse curso?
 
Soli Deo Glória.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O ENIGMA DAS VONTADES

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Mateus 23:37.
Deus é soberano e a sua vontade é absoluta. Ele faz tudo de acordo com o seu querer e ninguém pode contrariar os seus desígnios. Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos. Salmos 135:6.
Deus é soberano e a sua vontade é irresistível. Nenhum soberano pode ser contestado definitivamente em seus planos. Deus nunca fará coisa alguma constrangido ou fora dos seus propósitos eternos e ninguém poderá afrontar a sua vontade em caráter permanente. Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? Romanos 9:19.
Quem poderá contestar o intuito do seu querer? Quem poderá mudar a finalidade dos seus objetivos? Comparando a vontade do Criador com o trabalho do oleiro, o apóstolo Paulo indaga: Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? Romanos 9:21.
Deus é soberano e em sua soberania criou um ser com vontade livre para decidir. A vontade de Deus determinou que a sua criatura fosse livre para escolher e que só um ser livre poderia ser responsável pela sua escolha. Por isso os nossos primeiros pais foram os únicos seres humanos com livre-arbítrio da criação divina. Adão e Eva eram livres para pecar e para não pecar. Como disse Santo Agostinho, os primeiros pais tinham a condição de liberdade que os deixavam com posse pecare e posse non pecare. Mas, depois que eles pecaram a vontade humana ficou escrava do pecado. Ninguém é mais livre para não pecar. Todos nós nascemos escravos do pecado e não podemos deixar de pecar por nós mesmos, non posse non pecare. A vontade da raça humana escrava do pecado não busca a Deus. O salmista faz como que um inquérito na sua poesia quando afirma aquilo que o apóstolo Paulo procura responder. Do céu, olha Deus para os filhos dos homens, para ver se há quem entenda, se há quem busque a Deus. Não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. Salmos 53:2 e Romanos 3:11-12.
Depois do pecado de Adão, todos nós nascemos neste mundo com uma indisposição no nosso entendimento contra Deus. Não há lugar para Deus em nosso coração, pois Ele não é facilmente aceito pelo homem natural. E a vós outros também que, outrora, éreis estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas obras malignas, Colossenses 1:21. Deus não faz parte de nossas cogitações, já que há uma inimizade natural contra Ele, em nosso interior, mas, muitas vezes, disfarçada em amizade. Nós nascemos nesse mundo remando contra a correnteza com relação à vida espiritual. Não há o menor apetite pela verdadeira vida de Deus, pois todos os seres humanos nascem obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração, Efésios 4:18. A comunhão com Deus não é de fato a nossa praia, ainda que sejamos profundamente religiosos. A vontade natural dos seres humanos é sempre contra Deus. A vontade soberana de Deus é quem inclina a nossa vontade rebelde para querer a sua vontade. Ninguém poderá decidir pela vontade de Deus, se Deus mesmo não convencer a nossa vontade a querer a sua vontade, como um ato livre da nossa vontade. Se nossa deliberação for forçada ou constrangida pelo medo, interesse ou dever, então essa resolução não expressa a condição adequada da liberdade moral de um ser responsável. Deus é sempre soberano na sua eleição e o ser humano é sempre responsável pela sua decisão. Deus escolhe a quem ele quer e o escolhido decide porque quer. Deus não é obrigado a escolher ninguém. Por outro lado, nenhuma pessoa é obrigada a decidir porque Deus a escolheu. Uma escolha compelida jamais será uma decisão moralmente livre. A soberania de Deus é indiscutível, mas a responsabilidade humana é indispensável. Nenhum eleito poderá rejeitar a vontade soberana de Deus, mas nenhum eleito será forçado a receber a vontade de Deus, contra a sua própria vontade. A obra soberana da graça de Deus conquista sem violência a nossa vontade insurgente, para que possamos livremente optar pela vontade soberana de Deus. A eleição divina é soberana e a decisão humana é franqueada por uma resolução livre de um ser responsável. Volto a insistir. Só um ser livre pode receber livremente a vontade soberana de Deus em sua vida. A questão é: por que Deus escolhe? Por que os escolhidos são livremente convencidos e os outros não? Por que muitos crêem e muitos continuam rebeldes contra Deus?
Vimos, anteriormente, com Paulo, que o oleiro tem o direito de fazer um vaso para um lugar de honra e, se ele quiser, um vaso para um lugar de desonra. Mas por causa da nossa onipotência, nós não achamos que Deus tem o direito de fazer o que Ele quer. A nossa vontade dominada pela arrogância do pecado tem a tendência de dar as cartas para aquilo que Deus faz. Sendo assim, se eu não posso fazer tudo aquilo que acho que devo fazer, então Deus não tem o direito de fazer aquilo que contraria o que eu acho que Ele deve fazer. A minha vontade teomaníaca quer decidir o que Deus precisa fazer e só assim Ele se tornará admissível dentro da minha concepção. Um deus encaixado na minha cachola é a única fórmula cabível de deus no meu universo. Mas a vontade do Deus absoluto não pode ser explicada por uma mente finita. Isto não quer dizer que Deus seja incognoscível e a sua vontade emblemática, mas que o nosso conhecimento Dele será sempre finito e dependente de sua revelação. A nossa mente nunca alcançará a grandeza da sua dimensão. Essa vontade soberba precisa ser invadida e conquistada pela graça de Deus, a fim de sermos apossados da vontade soberana que nos torna voluntariamente acessíveis ao querer divino. Quando, pela vontade de Deus, a nossa vontade se rende livremente à sua vontade, nós nos tornamos inteiramente identificado com uma vontade singular que traz sentido a existência humana. Para Jesus a única via que equilibra o conflito existencial é o ajustamento da nossa vontade com a vontade do Pai. Ele nos ensina a orar assim: venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; Mateus 6:10. O reino é o governo do Pai em nosso viver diário, onde sempre desemboca no leito da sua vontade conclusiva.
O próprio Jesus orou no jardim do Getsêmani, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua. Lucas 22:42. Ele sabia que a vontade do Pai é o único lugar no universo que o espírito encontrará descanso, ainda que o corpo sofra terrivelmente e a alma se angustie até à morte. Fora da vontade de Pai, o filho de Deus estará num deserto e a criatura divina em tormenta eterna.
A vontade de Deus é soberana e a vontade dos eleitos é livre na escolha. Deus nos escolheu soberanamente e nós recebemos voluntariamente a sua escalação. Na seleção de Deus não há uma Nike impondo jogadores, nem craques jogando contra vontade. Se os atletas de Jerusalém não ouviram a convocação de Jesus é porque não quiseram ouvir. Jesus os convidou para a comunhão das asas, para o abrigo da intimidade, mas eles não aquiesceram ao convite por causa da soberba azucrinante do seu orgulho. No fundo do pecado reside uma atitude de auto-suficiência que evita qualquer advento de humildade. Sendo assim, Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Tiago 4:6b. A justiça própria é a causa primária de nosso fracasso espiritual.
A vontade de Deus é que sejamos salvos. A vontade do arrogante é se salvar por si mesmo. O pecado torna o pecador autônomo e independente de Deus. A nossa atitude audaciosa nos leva à pretensão de renegar o convite da graça, pois quando Jesus chamou Jerusalém, Jerusalém recusou o convite da graça. Esse é sempre o maior problema da autonomia do pecado. Jerusalém não quis a graça porque ela se bastava a si mesma.
Todo o nosso problema é nos conformar plenamente com a vontade de Deus. Tudo neste mundo é transitório, só a vontade de Deus é permanente. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente.1 João 2:17. Fazer a vontade de Aba é o maior projeto de vida de seus filhos. Não é o êxito ou o temor que caracterizam o perfil dos filhos de Aba, mas a alegria de praticar e concordar com a sua vontade. O cerne da vida cristã seria a disposição natural de fazer voluntariamente a vontade do Pai acima de tudo, no entanto o nosso coração não tem essa inclinação. Por isso, a oração de F. B. Mayer se torna indispensável: Senhor, tu sabes que a minha vontade é fraca de acordo com a minha carne, e que nunca desejará fazer a tua vontade. Senhor! Faz tua vontade fazer com que a minha vontade deseje fazer a tua vontade. Aqui a obra da cruz se torna indispensável em nossa experiência. Só uma pessoa realmente crucificada com Cristo pode desejar se submeter inteiramente à vontade do Pai.
Deste modo, também podemos orar assim: Pai, se a tua vontade não despertar a minha vontade a querer a tua vontade, eu jamais desejarei buscá-la em minha vida. Por isso, eu te peço que tu me faças querer a ti mesmo como tu me queres. Eu sei que se tu não me levares a querer-te com o teu querer, todo o meu querer por ti será um mero desejo de um querer transitório. Sendo assim, Pai, faze-me querer-te como tu me queres, para que eu te querendo com o teu querer, possa te querer eternamente com o mesmo querer que tu sempre me quiseste deste a fundação do mundo. Em nome de Jesus. Amém.
 
Soli Deo Glória.

sábado, 17 de novembro de 2012

USANDO OU AMANDO

“Ora, antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.” João 13:1.
Alguém já disse com muita precisão, que Deus criou o homem para amar as pessoas e usar as coisas, mas o pecado transtornou tão profundamente o ser humano, que ele acaba amando as coisas e usando as pessoas. Na verdade o amor é uma realidade bem pouco conhecida na nossa experiência diária dos relacionamentos. Nós confundimos amor com interesses pessoais. Defendemos as causas do amor em nome do nosso egoísmo. Somos consumidos pela paixão, pensando que o nosso alvo é o amor.
Nós falamos muito de amor e temos algumas definições apropriadas para os nossos conceitos de amor, mas a realidade demonstra a incoerência entre o discurso e a vida. Eliane Watson foi bem objetiva quando tratou de sua grande crise: O meu maior problema não é amar o mundo todo. A minha maior dificuldade é amar meus conhecidos que moram na casa vizinha. As vezes falamos do nosso grande amor e da capacidade que temos em nos doar, enquanto os nossos interesses não são conflitados. Certa ocasião Nero, o imperador romano, falou publicamente no Senado que o seu preceptor Sêneca, era o seu melhor e mais fiel amigo; mas quando este amigo, no outro dia, discordou de algumas posições extremadas assumidas pelo imperador, acabou perdendo a vida. Sêneca era amigo enquanto concordava totalmente com as posições do imperador. Sêneca agora estava morto e Nero choromingava a sua morte: Sêneca era meu amigo, mas eu sou amigo apenas daqueles que me obedecem fielmente! Este é o perfil psicótico da amizade despótica. Você é meu amigo se pensar como eu penso e se fizer como eu quero.
A verdadeira amizade não exige fidelidade compulsória, mas concede liberdade para que a correspondência responsável seja espontânea, livre e pessoal. Jesus tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Jesus amou Judas que o traiu com uma amizade incondicional. A atitude antipática de Judas não podia intervir na realidade sublime de uma amizade verdadeira. Quando Judas se aproximou de Jesus com o beijo da traição, Jesus se manifesta com um coração realmente comprometido com a sua amizade. E logo, Judas aproximou-se de Jesus e lhe disse: Salve, Mestre! E o beijou. Jesus, porém, lhe disse: Amigo, para que vieste? Nisto, aproximando-se eles, deitaram as mãos em Jesus e o prenderam. Mateus 26:49-50. Jesus não usa as pessoas, ele as ama em qualquer circunstância. Ele não deixa de amá-las por causa da infidelidade humana. Ele não as despreza em virtude de suas idéias contrárias. Jesus sabe muito bem que a única maneira de se ter amigos sinceros é ser sinceramente amigo, e profundamente amável. Matthew Henry percebendo esta realidade afirmou com amor: Há pessoas com as quais não concordamos, mas não precisamos afastá-las de nossa amizade. Cremos que o amor é mais forte e mais poderoso que as diferenças de opiniões e muito mais profundo que os limites de nossos preconceitos. Há uma grande diferença entre aqueles que têm amigos e aqueles que são amigos. Muitos primam por conquistar amigos e se gabam de ter muitos amigos. Contudo, sofrem com o medo de perder e vivem na corda bamba das susceptibilidades para mantê-los em suas inconstâncias. Outros são apenas amigos e não temem perdê-los, pois ainda que estes se vão, eles continuam verdadeiramente amigos. Eles não usam as pessoas, mas amam sem interesse, nem culpa.
A Bíblia fala de dois amigos íntimos que ultrapassam aos padrões vulgares das amizades negociadas, e das paixões medíocres e deformadas que caracterizam as perversões humanas. Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma. 1Samuel 18:1. Estes dois se tornaram amigos incondicionais. Não se trata de uma amizade utilitária nem uma relação passional ou patológica. Era uma amizade de calibre eterno e de proporções verdadeiras. Davi e Jônatas tinham uma relação de amigos sinceros e não mera cumplicidade de vantagens lucrativas. Saul fez tudo para comprometer esta dedicação e colocou toda forma de incompatibilidade para abortar a afeição genuína que eles nutriam. Porém esta amizade não estava alicerçada em proveitos próprios, nem se fundamentava em carências psicológicas complementares. Não havia a necessidade doentia de aceitação nem o medo obsessivo da rejeição. Eles se amavam sem as paixões deformantes da alma, nem as vantagens lucrativas do egoísmo. Em todo o tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão. Provérbios 17:17. Lembro-me de uma pessoa que dizia ser o melhor amigo de alguém, até ser confrontada por este nos seus interesses pessoais. Pouco a pouco a sua amizade evaporou-se. A volatilização do relacionamento estava baseado exatamente na utilização da amizade. Jônatas foi encurralado pelo pai para descartar a amizade com Davi, pois como Príncipe herdeiro, o seu reino estava ameaçado com a possibilidade de Davi se tornar Rei. Então, se acendeu a ira de Saul contra Jônatas, e disse-lhe: Filho de mulher perversa e rebelde; não sei eu que elegeste o filho de Jessé, para vergonha tua e para vergonha do recato de tua mãe? Pois, enquanto o filho de Jessé viver sobre a terra, nem tu estarás seguro, nem seguro o teu reino; pelo que manda buscá-lo, agora, porque deve morrer. Então, respondeu Jônatas a Saul, seu pai, e lhe disse: Por que há de ele morrer? Que fez ele? Então, Saul atirou-lhe com a lança para o ferir. 1Samuel 20:30-33a. Jônatas escolhendo a legítima amizade prefere perder o reino ao amigo; enquanto Saul, que só sabia usar as pessoas, prefere matar o filho, a conhecer os laços de uma amizade profunda.
Há muitas pessoas que se interessam pelas outras enquanto estas podem ser úteis, ou quando não causam ameaça aos seus interesses. Não raro confundimos amizade com utilização de influência ou prestígio conveniente. Se você me serve, então sua amizade pode ser meticulosamente engenhada. Muitas vezes, em face da solidão, nos tornamos amigos de pessoas que podem corresponder à nossa necessidade. Servir-se das pessoas é muito diferente de servir as pessoas com amor generoso e desprendido. Seja o que for a amizade, ela jamais se utiliza dos outros para o benefício pessoal. A prova de uma amizade legítima está na capacidade do amigo se doar pelo objeto de sua afeição. Muitos amam da boca para fora, mas os amigos amam de coração, até ao fim, em qualquer circunstância e sem qualquer interesse mesquinho, senão o de amar o amigo. Jesus foi um amigo dos seus discípulos, e os amou incondicionalmente até ao fim. Ele não amou por conveniência nem por solicitude de qualquer carência. Pois o amor só precisa amar, ainda que não ganhe nada com isso. E como dizia muito bem Thomas Merton, o amor busca apenas uma coisa: o bem do ser amado. Ele deixa todos os outros elementos secundários por conta de si mesmos. Deste modo, que a graça de Deus nos constitua amigos das pessoas e não desfrutantes de seus préstimos ou qualidades. Temos um projeto de vida maravilhoso de amar as pessoas e não usá-las. Examinemos as nossas relações e vejamos se estamos usando ou amando!
 
Soli Deo Glória.

VALORES NA BALANÇA

Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?
Segundo a avaliação de Jesus, uma vida ou a alma humana vale mais do que o universo. A vida é mais importante do que o cosmo. Uma pessoa poderá fazer um investimento que consiga angariar os recursos do mundo todo, mas, se vier a perder-se eternamente, terá feito uma péssima aplicação. De acordo com a estimativa de Jesus, a salvação de uma alma é mais preciosa do que o montante dos recursos do mundo. A salvação de uma única alma é mais importante do que a produção de recursos para a preservação física de toda a humanidade. E o maior empreendimento é de quem está envolvido na salvação das almas.

A maioria das pessoas não sabe fazer cálculo. Gasta-se mais tempo tentando amealhar as riquezas que têm menos valor. No cômputo geral, prefere-se dar mais atenção aos recursos de origem terrena, do que cuidar das verdadeiras riquezas espirituais. Isto reflete o estrabismo da visão humana, causada pelo pecado. Para a grande maioria, uma empresa, uma fazenda ou os negócios merecem mais consideração do que a salvação eterna de sua alma. Damos prioridade aos ganhos vantajosos desta vida e desprezamos os valores permanentes que podem realmente nos preencher. Quando Jesus disse ao jovem rico que ele precisava vender tudo, dar aos pobres, para receber o tesouro celestial, ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste, porque era dono de muitas propriedades. Marcos 10:22. Na sua contabilidade não constavam os bens duráveis. Ele não sabia fazer avaliação das coisas de proporções eternas. As bugigangas e os tesouros perecíveis acabam tomando lugar do patrimônio imutável.

O homem encontra-se vazio. O coração do ser humano está buscando satisfação ou significado nos valores deste mundo. Entretanto, nada, por mais importante que seja, é capaz de preencher a lacuna da alma. Há um buraco muito grande que só algo absoluto pode completar. O vazio do homem tem a dimensão de Deus, e ninguém pode ocupar este espaço, senão o próprio Deus. A busca de contentamento ou bem-estar fora da absoluta necessidade de Deus tem demonstrado uma atividade enfadonha para a alma. Por mais significativos que sejam os envolvimentos para rechear este vazio, sempre terminam em decepção. William Bridge disse que a terra e sua plenitude jamais podem satisfazer a alma. Glória e brilho não são sinônimos. Podemos ser brilhantes neste mundo, mas profundamente vazios. A crise da humanidade é fundamentalmente uma falta de conteúdo, prioridade e direção. Ocupada com assuntos banais, a raça humana pretende encher o vácuo da alma com as bagatelas econômicas, com as futilidades culturais, com as ninharias esportivas e com as chochices religiosas. Muito tempo e investimento têm sido gastos na reparação dos estragos causados pela inversão dos valores. Mas, na verdade, tudo isto tem sido em vão. Ninguém pode encontrar aprazimento fora de um relacionamento real com Deus. Quando falamos de Deus, não estamos nos referindo aos sistemas religiosos criados pelos homens, para tentar suprir as necessidades da alma.

O miolo da alma tem que ser Deus mesmo. Nenhum conteúdo religioso pode indenizar os prejuízos causados pela falta de comunhão com o próprio Deus. Se Deus não for o centro de nossa experiência e a excelência de nossos relacionamentos, então, estamos envolvidos com trivialidades que jamais satisfarão as carências profundas de nossa alma. Somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosa; dele vem a minha salvação. Salmo 62:1. A falta de intimidade pessoal com Deus é a causa da insatisfação dominante do coração humano. Nada pode completar os desejos íntimos do ser humano, senão o próprio Deus em pessoa. Nem mesmo as suas bênçãos ou dons são capazes de suprir o vazio de cada um de nós. Ó Deus, tu és meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água. Salmo 63:1. A alma só pode contentar-se com a comunhão íntima de Deus mesmo. Só a pessoa de Deus pode abastecer a sede do coração. Sem a consciência real da presença de Deus e sem uma comunhão verdadeira com Ele, a existência humana perde totalmente o sentido. É por isso que, muitas vezes ficamos mais sedentos com a secura de nossa religiosidade. Entramos e saímos destas reuniões, sem gozarmos da intimidade da presença de Deus. O pensador Martin Buber afirmava: Nada tende a mascarar tanto a face de Deus como a religião; ela pode tornar-se uma substituta para o próprio Deus. Um cadáver lembra uma pessoa. Ali está o corpo em que viveu alguém, mas o finado não tem expressão. Não há diálogo com morto. Religião sem intimidade pessoal com Deus é funeral. E defunto não cresce, não evolui nem causa progresso. Muita gente se ilude com suas práticas religiosas supondo que este ritualismo mitiga as carências de sua alma. O salmista se perturba com o cerimonial religioso do seu tempo, com o derramar de sua alma, com o festejo da multidão em gritos de louvor na procissão alegre em busca da Casa de Deus. Havia todo um aparato estonteante de motivações religiosas, mas a sua alma encontrava-se abatida, e ele gritava: Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? E sua resposta evidencia o grande problema: Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu. Salmo 42:5. Havia muita religiosidade em sua experiência, mas Deus estava ausente do seu louvor. A chupeta acalenta o choramingo da criança, mas não abranda a fome. Só o peito ou a mamadeira podem saciar a ânsia da fome. Nada neste mundo é capaz de satisfazer plenamente a necessidade pessoal de Deus. Muitos expedientes podem atenuar a crise, mas não satisfazem o vazio da alma.

Que adianta ao homem gastar todo o seu tempo e empregar todos os seus esforços no envolvimento com o trabalho, estudo, religião e lazer, não levando em conta a seriedade da salvação eterna de sua alma? Esta é uma questão de prioridade. Ninguém pode desconsiderar este assunto e viver com total significado. Jesus mostrou que, a realização do ser humano passa em primeiro lugar pela preferência do reino de Deus. Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Mateus 6:33. A salvação eterna e a comunhão íntima com Deus são assuntos que fazem parte da primazia de uma agenda inteligente. Fica claro, pelas Escrituras, que uma vida que exibe sucesso neste mundo, mas não leva em consideração estes ingredientes eternos, não passa de loucura. Jesus, em uma de suas parábolas, levanta uma pergunta que Deus faz a um homem que havia se preocupado apenas em cuidar dos seus interesses terrenos. Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Lucas 12:20. É estupidez da grossa investir todo o nosso tempo e gastar toda a nossa energia na aquisição de patrimônios que ficarão para trás da sepultura.

Uma pessoa inteligente é aquela que sabe fazer o julgamento correto dos fatos. Não podemos reputar como inteligente alguém que é desatento para os assuntos ligados com a salvação eterna da sua alma. A sabedoria abre os olhos tanto para as glórias do céu quanto para o vazio da terra. A lucidez da mente e a agudeza do discernimento encontram-se em fazer, enquanto se estiver vivo, as coisas que serão desejadas quando se estiver morto. Todo empreendimento que só trata do aqui e agora não tem significado permanente para o homem. Por isso, vale a pena ponderar os enfoques e as ênfases de nossa existência, para não cairmos na armadilha de nos envolvermos apenas com as coisas de menor valor. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?
 
Soli Deo Glória.

A ESSÊNCIA DA ADORAÇÃO: UMA QUESTÃO DE CORAÇÃO (1)

Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. João 4.23.
Provavelmente você deve ter lido ou ouvido sobre o termo adoração. Alguns relacionam esse assunto com um momento específico da reunião da igreja, dirigido pelo ministro de louvor e executado por artistas vocais e instrumentais. É provável que a maioria aqui não seja um artista da área musical e esse assunto não lhe chame muito a atenção, a não ser que o grupo que esteja ministrando seja bem desafinado. Para alguns, entretanto, que consideram a estética artística algo primordial, como é o caso dos artistas e de alguns críticos de plantão nos cultos, esse assunto pode chamar muito a atenção. Mas, o que você entende por adoração a Deus?
Muitas de nossas dúvidas sobre adoração são como aquela da mulher samaritana. Se nossas questões estão focadas sobre onde e como adorar a Deus, é porque nossa visão está na forma e não na essência. Entretanto Jesus deu uma resposta precisa à mulher samaritana, assim como também a nós nos dias de hoje, sobre a realidade do espírito e da verdade que estão além da simples forma. "vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade". João 4.23a.
A mulher samaritana levantou a questão teológica popular entre os judeus e samaritanos indagando sobre qual o lugar correto para a adoração. Ela tentou afastar o tema central da discussão, mas na realidade abriu uma porta para Jesus revelar a essência da obra redentora do Cristo: não é tão importante o lugar quanto o coração do adorador! Podemos dizer que a mulher estava falando da melhor forma, da arte, da legitimidade da liturgia, enquanto Jesus Cristo lhe define o que é de fato a adoração. "Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai". João 4:21.
Vamos primeiramente avaliar o ponto de vista da mulher samaritana. A adoração no Antigo Testamento quanto a forma, começou com os sacrifícios sobre os altares erguidos em lugares diferentes, depois no tabernáculo, no templo e por último a adoração nas sinagogas. Desde os tempos antigos a forma/arte está constantemente mudando e aperfeiçoando sua expressão, porém não é o primordial alvo na adoração.
Quando entendemos a arte como a inspiração criativa Divina e um meio de adoração a Deus, podemos contemplar a beleza da criação de Deus e sermos ajudados a louvar nessa contemplação. Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Salmos 19:1. Deus deu a Davi a habilidade de construir instrumentos e compor Salmos de adoração. "quatro mil porteiros e quatro mil para louvarem o SENHOR com os instrumentos que Davi fez para esse mister." I Crônicas 23:5. "E quando em uníssono, a um tempo, tocaram as trombetas e cantaram para se fazerem ouvir, para louvarem o SENHOR e render-lhe graças; e quando levantaram eles a voz com trombetas, címbalos e outros instrumentos músicais para louvarem o SENHOR, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre, então, sucedeu que a casa, a saber, a Casa do SENHOR, se encheu de uma nuvem;". II Crônicas 5:13.
Grandes artistas na história foram incrivelmente talentosos e dedicaram suas obras de arte a Deus. Podemos citar a composição de Mendelssohn numa incrível expressão artística da presença de Deus na obra "Elias". Johann Sebastian Bach que compôs a cantata BWV 80, planejou uma expressão instrumental do mistério da trindade divina, colocando no órgão uma melodia na mão direita, uma melodia na mão esquerda e uma outra ainda na linha do pedal. Como disse um escritor sobre essa composição "se alguém tem o coração em Deus, essa expressão artística lhe fará um grande bem para compreender a verdade tríplice. Se estiver apenas interessado na arte, pode deleitar-se com a música, mas perde-se o objetivo." Se retirarmos a atitude do coração conduzida pelo Espírito Santo, tudo que restará será uma bela expressão artística.
A arte no entanto, é muitas vezes exigente e pode facilmente tomar o lugar de Deus como objeto da adoração. A arte vocal e instrumental, por exemplo, pode se tornar uma religião e a principal busca como meio de prazer e satisfação do artista ou do ouvinte. Por outro lado, alguns cristãos acreditam que a arte não é espiritual, negligenciando a excelência para não caírem na armadilha de colocar a arte acima de Deus.
De fato, a arte não faz de ninguém um verdadeiro adorador, mas a verdadeira adoração pode também se expressar através da arte. Adoração não é uma questão específica de lugar e forma, mas uma questão de coração. "Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim". Marcos 7:6 .
Como é fácil voltarmos nossos olhos para a forma e não para Deus. Parece que precisamos constantemente afirmar que adoração não é, em sua essência, uma condição do lugar, do ambiente ou da melodia, antes, é uma condição do coração. Muitas mudanças na estrutura do culto são apenas mais uma tentativa de lidar com a arte e não com o coração. Somos nós que precisamos de mudanças. Não deveria ser algo relevante para quem se reúne para o culto, saber quem esta pregando ou cantando. A adoração precede a reunião de domingo e quando nos reunimos deveríamos adorar a Deus porque já o fizemos durante a semana.
Mas o que é adoração? Tanto no AT quanto no NT o termo adoração significa inclinar-se, prostrar-se diante de; ajoelhar-se, prestar homenagem ou reverência a alguém, seja para expressar respeito ou para suplicar. Adorar significa uma atitude reverente que se expressa atribuindo valor ou mérito. Vejamos o Salmo 96.7,8. "Tributai ao Senhor, ó famílias dos povos, tributai ao Senhor glória e força. Tributai ao Senhor a glória devida ao seu nome; trazei oferendas, e entrai nos seus átrios".
Adoração é uma reação ativa a Deus. Deus se revela e o homem reage a sua revelação adorando-o com fé. Porém, em geral somos até bons ouvintes, mas fraquíssimos em praticar a Palavra de Deus. Ficamos extasiados com a graça de Deus, mas não respondemos coerentemente a essa graça, obedecendo-lhe naquilo que nos manda obedecer. Será que a causa de uma pessoa não ser achada por Deus como verdadeiro adorador é que essa pessoa não vive a adoração como estilo de vida, mas como o resultado apenas de um momento?
O padrão de Deus não mudou, Deus busca adoradores que o adorem em espírito e em verdade. Essa é uma condição sine qua non na adoração: ser uma nova criatura em Cristo, regenerado pela Palavra de Deus. A adoração em espírito e em verdade depende primariamente do novo coração recebido pela fé na nossa inclusão em Cristo na sua morte e ressurreição. Deus não busca adoradores fora do seu reino, porém não são todos os do reino que são encontrados como adoradores.
Jesus classificou os adoradores em três tipos: os samaritanos que adoram o que não conhecem - ninguém se relaciona bem com quem não tem intimidade; os que conhecem, mas vivem num conhecimento teórico sem relacionamento profundo, e os que adoram em espírito e em verdade. A adoração verdadeira baseia-se no conhecimento e no amor. Deus só pode ser adorado se for conhecido e amado. O salmista convoca o povo de Deus para adoração dizendo: "Sabei que o SENHOR é Deus; foi ele quem nos fez, e dele somos; somos o seu povo e rebanho do seu pastoreio". Salmos 100:3.
Podemos criar muitas desculpas para não adorarmos a Deus. Podemos dizer que se o local fosse mais bonito e confortável poderíamos adorar de verdade. Podemos dizer que se a igreja tivesse mais calor humano e comunhão poderíamos adorar de verdade. Ainda podemos dizer que se a equipe do ministério de adoração fosse melhor em qualidade, poderíamos adorar com excelência; se os cânticos fossem mais contemporâneos ou mais tradicionais, então poderíamos realmente adorar. O que realmente é importante? A forma ou o conteúdo? "Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras". Amós 5.23.
Um rapaz de nossa comunidade me perguntou: Como posso saber se o que estou fazendo está certo ou errado, se é pecado ou não? Respondi: Não há possibilidade de uma pessoa andar com você o tempo todo para te responder às situações. Se você não tiver um relacionamento íntimo com Deus, não saberá e não dará ouvido quando o Espírito Santo falar com você. Da mesma maneira alguém pode perguntar: Como posso ser um adorador verdadeiro? Posso responder: quando você tiver um relacionamento de amor para com Deus este relacionamento o levará a adorá-lo em espírito e em realidade dia-a-dia.
O texto principal de nossa meditação diz: "porque o Pai procura a tais que assim o adorem" (v.23b). Você e eu temos sido encontrados continuamente por Deus como verdadeiros adoradores? Façamos uma profunda avaliação afim de que possamos entender o que Deus é e o que nós somos, e assim adorar ao nosso Deus em espírito e em verdade.
 
Soli Deo Glória.

A TENTAÇÃO DO TRADICIONALISMO

Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. Marcos 7: 8
Quando olhamos com cuidado para as escrituras, e também para a história da igreja, ou dos movimentos avivalistas, podemos verificar uma dinâmica recorrente. Trata-se do fato do distanciamento do objetivo original proposto pelo movimento, que vai corrompendo os ideais, até que muito pouco reste do projeto original.
Na grande maioria das vezes, aquilo que surgiu com uma determinada intenção, com o passar dos anos se transforma em algo que é contrário, por mais absurdo que isto pareça, ao espírito, ou a essência daquilo que motivou o surgimento do próprio movimento. Os estudiosos dizem que todo movimento profético tende com o passar dos anos a se tornar sacerdotal.
Como exemplo histórico, podemos destacar o movimento da reforma protestante, que nasce com o objetivo de restaurar verdades bíblicas que, depois de muitos séculos, haviam sido substituídas por doutrinas humanas, além de uma ingênua pretensão de reformar a igreja católica romana.
Na perspectiva do evangelho, os grandes movimentos avivalistas da história como, por exemplo, o avivamento Morávio do conde Zinzendorf no século XVIII, que deu base para avivamentos posteriores e o caso de um evento tão importante quanto à reforma protestante, não têm como fundamento a descoberta de uma nova idéia a cerca do evangelho, o evangelho por si só já é novo.
Antes sua beleza esta em redescobrir a mesma verdade imutável e libertadora da palavra de Deus, do evangelho da graça de Cristo Jesus. No avivamento Moraviano, o que começou a fazer toda diferença, era a dedicação à prática da oração, leitura das escrituras, dos relacionamentos e da ajuda mutua.
Não há nada de novo nisto, aliás, nada é mais básico para a fé cristã do que orar e ter comunhão com a palavra e uns com os outros, como podemos verificar no livro de Atos. "E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações."Atos 2:42
Já na reforma, apesar das 95 teses de Lutero, podemos destacar aquilo que ficou conhecido como às cinco colunas ou pilares da reforma, que eram, 1º Sola Scriptura, 2º Sola Gratia, 3º Sola Fide, 4º Solo Christi, 5º Soli Deo Glória. A reforma surge num momento em que as encíclicas papais tinham mais autoridade que as Escrituras, onde as pessoas não podiam ler a bíblia, mesmo que a bíblia nos dissesse, " Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para correção, para educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra." II Timoteo 3:16-17 .
Onde a graça era desprezada ou inexistente, sendo substituída pelo pagamento de indulgências e a fé era forjada na fogueira, mesmo que a palavra de Deus nos ensinasse que "...pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto (a fé) não vem de vós; é dom de Deus; não de obras para que ninguém se glorie." Efésios 2:8-9.
A intermediação de Cristo era insuficiente, bem como sua obra na cruz, fazendo-se necessários outros mediadores entre Deus e os homens, ainda que a palavra de Deus nos afirmasse: "Porquanto há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem." I Timóteo 2:5. A glória de Deus foi substituída pela glória dos homens, algo que estava em contradição com a palavra de Deus.
O que promove esta deteriorização é a associação do tempo mais a obstinação de homens, de não abandonar a sabedoria deste mundo, "acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?" I Coríntios 1:20c, que amam a ordem criada pelas regras em detrimento da vida e da liberdade promovidas pelo evangelho. Esta associação produz uma das fortalezas mais terríveis, a qual se da o nome de tradicionalismo, de modo que estas pessoas passam a se sustentarem na tradição humana e não na palavra de Deus.
Um exemplo disso é quando a igreja hoje, diante de uma mulher, a qual foi descoberto seu adultério, a julga e a condena, segundo o tradicionalismo religioso, enquanto o evangelho encarnado, Cristo Jesus diz: "nem eu tampouco te condeno, vai e não peques mais." João 8:11b. E ainda que não seja possível apedreja-la com pedras, apedrejamo-a com nossos olhares de condenação, e ainda que não seja possível mata-la, fazemos isto socialmente tirando-a de nosso convívio.
Fazendo assim agimos em contradição ao Cristo que dizemos crer, e em conformidade com a tradição religiosa dos fariseus e escriba e dos sacerdotes exigentes que crucificaram a Jesus. Brennan Manning escreve em seu livro; "O evangelho maltrapilho" "Jesus sentava-se à mesa com qualquer um que queria estar presente, inclusive os que eram banidos das casas decentes.Compartilhando da refeição eles recebiam consideração em vez da esperada condenação. Um perdão misericordioso em vez de um apresado veredicto de culpa. Graça admirável em vez de desgraça universal.Eis aqui uma demonstração muito prática da lei da graça, uma nova chance na vida."
Para que houvesse a reforma, foi necessário que se buscasse com sinceridade na fonte, a verdadeira essência do evangelho, separando-o de todo o entulho possível, que os homens no decorrer dos tempos, tendo em vista à sabedoria deste mundo, interesses mesquinhos, a glória humana e não a glória de Deus, acrescentaram ao evangelho. Este fato acabou por descaracterizá-lo, portanto negando sua eficácia. É o que Paulo vai chamar de outro evangelho. "Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho." Gálatas 1:6 .
Alem desta busca, o que foi mais importante para que a reforma ocorresse, foi Deus pelo seu Espírito, levantar homens, que nada mais possuíam se não somente a Jesus, homens mortos para sua reputação, para si mesmos, mas vivos para Deus. Esta condição lhes deu ousadia para romper com toda a tradição religiosa estabelecida ao longo de séculos.
Hoje, 493 anos depois da reforma protestante, nos deparamos com os mesmos problemas que Lutero e Calvino enfrentaram, a tradição religiosa fala mais forte que a palavra de Deus, a graça tem sido desprezada, a fé passou a ser acreditar em qualquer coisa, desde que o individuo não tenha que se comprometer com aquilo que diz crer, Cristo não é suficiente e Deus só serve, se puder elevar a glória humana segundo este mundo, concedendo ao fiel distinção dos demais homens. E isto, até mesmo dentro das igrejas que foram frutos da reforma.
Não devemos nos espantar, esta tensão sempre existirá, devemos antes é nos abrir para o novo trazido pelo evangelho, rejeitando sempre esta estrutura aprisionante do mundo, que tenta nos colocar numa forma, como esta escrito: "Não tomeis a forma deste mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus". Romanos 12:2
A tradição humana, sempre será uma das armas do inimigo de nossas almas, para nos aprisionar no pecado, porque a obediência a tradicionalismo nunca poderá libertar o homem do seu pecado, pois somente a obediência ao evangelho da graça de Deus em Cristo Jesus pode salvar o homem, libertando-o de si mesmo e de seu pecado mediante sua morte e ressurreição com Cristo.
Sim, o evangelho, a boa nova de Deus, a novidade trazida na encarnação de Cristo, como João diz: "Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo." João 1:17, e não o tradicionalismo da lei, que em Cristo foi removido,como Paulo afirma: "Mas o sentido deles se embotaram. Pois até o dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido." II Coríntios 3:14.
Mas o vinho novo que rompe o odre velho, que para o tradicionalismo religioso é vergonha e escândalo, mas que para nós os que cremos deve ser sempre motivo de alegria como esta escrito: " Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como esta escrito: O justo viverá por fé." Romanos 1:16-17 . Sim somente o evangelho é o poder de Deus para a libertação humana e não a nossa obediência as tradições humanas.
Jesus ao ser interrogado pelos fariseus e escribas, no verso 5 do capitulo 7 do evangelho de Marcos, sobre o motivo pelo qual seus discípulos não andavam segundo a tradição dos mais velhos responde: "...Bem profetizou Isaias a respeito de vós, hipócritas, como esta escrito: este povo honra-me com os lábios mas seu coração esta longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição." Marcos 7:6-9
Que Deus nos livre disso, e nos de a ousadia de viver, somente com sua palavra, confiando somente em sua graça, sustentado somente pela fé, na suficiência única de Cristo para que em tudo somente Deus o Pai seja glorificado.Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solo Christi, Soli Deo glória.
 
Soli Deo Glória.