sábado, 5 de janeiro de 2013

O PODER FASCINANTE DO PODER

Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido?
E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido? 1 Coríntios 4:7.

 
O ser humano encontra-se contaminado pelo vírus da grandeza. Ninguém está imune a esse agente contagioso e são poucos aqueles que conseguem soro satisfatório para neutralizar seus efeitos letais. A necessidade de prestígio tem financiado as táticas ardilosas de distinção para levar muita gente encurtada ao auge da fama. Ninguém gosta do ostracismo nem do lugar comum. A burguesia é vulgar demais para o estilo elevado da alta nobreza. Todos nós sofremos com os micróbios invisíveis deste macro dimensionamento, pois há uma tendência inata na raça humana pelo pódio. O pecado da espécie adâmica é assinalado por um desejo teomaníaco de consideração. No fundo do desempenho reside uma vontade de ser reconhecido. Mesmo a atuação mais ingênua corre o risco da arrogância. A humildade pode ser uma máscara para ocultar os sentimentos disfarçados da importância humana. Todos os dias eu enfrento algum anseio de elevação ou alguma carência de reconhecimento. O pecado me deixou obcecado pelo quesito da estima. Esse é um dos quocientes que mede o meu valor perante a opinião pública. Todos nós somos pessoas carentes, por isso, os elogios se prestam para negociar com a nossa estima no mercado da apreciação. Quando alguém fala bem de mim, percebo que estou em perigo. Sou muito vulnerável a esse jogo do poder que me faz reconhecido diante da platéia. A minha valorização no conceito dos outros é uma tática que me mantém escravo de um bom julgamento.
O apóstolo Paulo indaga: Pois quem é que te faz sobressair? Se você e eu somos pessoas únicas, essa singularidade é uma dádiva de Deus. Todos nós somos o resultado da seleção divina, e ninguém consegue ir além do que lhe foi concedido. Veja como João Batista vê esse ponto. Respondeu João: O homem não pode receber coisa alguma se do céu não lhe for dada. João 3:27.
Ora, se alguém consegue se destacar nas atividades do Reino de Deus, deve esse realce à graça. Tudo o que somos como filhos de Deus é conseqüência direta dessa graça imerecida. A pergunta do apóstolo é: o que você tem que não tenha ganhado? E o Rei Davi responde: Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo, na tua mão há força e poder; contigo está o engrandecer e a tudo dar força. 1 Crônicas 29:12.
Deus é a causa primária de todas as coisas, mas Ele não é a origem do pecado. A vontade é um atributo natural do ser humano, entretanto o desejo de ser como Deus é uma aberração desse atributo. Deus fez Adão e Eva como seres humanos à sua semelhança, sendo assim, não havia probabilidade do gênero humano ser Deus. Esse desejo de ser como Deus é a fonte da rebeldia pecaminosa. A contaminação do pecado desandou com a raça adâmica. Somos uma espécie rebelada e viciada pelo poder. O deslumbramento por grandeza, distinção e poder é uma cachaça na existência de cada componente da humanidade. Observe o exemplo do rei de Tiro: Filho do homem, dize ao príncipe de Tiro: Assim diz o SENHOR Deus: Visto que se eleva o teu coração, e dizes: Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento no coração dos mares, e não passas de homem e não és Deus, ainda que estimas o teu coração como se fora o coração de Deus. Ezequiel 28:2.
Você logo rebarba: isto é exceção. Não, isto é a regra. O ser humano é um caçador permanente de poder. Sempre que alguém tiver a chance de governar, vai usar da posse para se projetar. Mesmo um síndico de barracos sofre com a pressão do poder. Nós não gostamos da invisibilidade. Ser uma pessoa insignificante é complicado para a valorização da personagem. Viver no camarote escondido da platéia é algo muito difícil para quem busca os aplausos. Todos nós gostamos dos holofotes e ninguém vive sem algum espectador. Ser um Zé ninguém, um zero à esquerda ou uma sombra no escuro é qualquer coisa insuportável para uma espécie interesseira. Nós gostamos de nos exibir. A religião é um terreno fértil para essa casta que gosta de ostentar suas qualidades. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; Lucas 18:11.
Aqui está outra prova desta atitude enfatuada de excepcionalidade. Não é coisa natural o afastamento voluntário do palco. Temos muita necessidade de nos apresentar no show da vida e é extremamente complexo tolerar a discrição. Viver no anonimato é uma arte que só as pessoas que trazem os estigmas da cruz poderão suportar. Nesse mundo das apreciações é assaz importante você se sentir importante quando alguém se importa com a sua importância. Mas aí se encontra o perigo. Herodes foi alvejado quando o povo clamava: É voz de um deus, e não de homem! Atos 12:22.
Naquele instante os bichos tomaram conta da sua carcaça. Um homem mortal que tenta se passar por Deus não tem alternativa, senão se tornar gororoba de gusano. O pecado incha o ego a tal ponto que não há estrutura capaz de conter uma soberba como essa. O egoísmo é a obesidade dos desejos presunçosos. O problema é que o poder egoísta, muitas vezes, vem disfarçado de simplicidade. A grande ameaça do poder não é sua badalação, mas a sua sutileza. Por trás de muitos gestos aparentemente inocentes reside uma grande necessidade de vanglória. É aqui que nós precisamos investigar com mais cuidado esse assunto. Paulo indaga: E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?
Qual é a finalidade dos relatórios que damos aos outros? Informar as atividades que foram realizadas seria muito bom se a exposição ficasse apenas nesse terreno dos dados. A dificuldade aparece quando vemos a imagem do realizador sendo glorificada junto com as suas realizações. Agora é que o enigma precisa ser esclarecido. Por que eu estou trazendo esta notificação a público? Qual é a verdadeira razão do meu relato?
Muita coisa que nós realizamos na igreja tem como fim a nossa promoção pessoal. Jesus chamou a atenção para as ofertas que eram dadas com o propósito do reconhecimento do ofertante. Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Mateus 6:2.
Como é forte a nossa carência de aceitação perante os outros. Luci Shaw diz que o problema do eu insaciável, a terrível e corrosiva necessidade de aparecer, de ser conhecida e reconhecida como detentora de dons naturais exclusivos, tem-me afligido durante quase toda a vida adulta. A questão não é exclusivamente dela, é minha também. Como eu gosto de ser benquisto perante os meus espectadores. O poder de uma boa imagem é alguma coisa muito astuta. Todos nós como cristãos devemos demonstrar o bom conceito da fé, mas isso não significa que somos figurantes num papel que requer aclamação. Em última análise a imagem que estamos refletindo é a influência da pessoa de Cristo. Jesus nunca aceitou ser um sensacionalista nem fez qualquer coisa com o objetivo de ser famoso. Quando realizava um sinal maravilhoso, normalmente, pedia às pessoas beneficiadas que não divulgassem o acontecimento. Por exemplo, na cura de um leproso; Ordenou-lhe Jesus que a ninguém o dissesse, mas vai, disse, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o sacrifício que Moisés determinou, para servir de testemunho ao povo. Lucas 5:14. Jesus trabalhava em silêncio sem qualquer propaganda. Ele não procurava promover-se por meio de seu ministério, mas cuidava das pessoas com o fim de torná-las inteiras, sendo tudo feito para a glória do Pai. Henri Nouwen disse: uma das maiores ironias da história da cristandade é que os líderes sempre cederam à tentação do poder – poder político, poder militar, poder econômico ou moral e poder espiritual –, embora continuassem a falar no nome de Jesus. A obsessão pelo poder na liderança cristã é uma afronta ao estilo de servo, encarnado por Jesus. Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Marcos 10:45.
Além das sutilezas do poder das realizações e da imagem ainda temos o lance do poder espiritual. É muito comum a fé ser usada como um instrumento de dominação. O moderno empowerment da fé, isto é, a atribuição de poder inerente à fé é um dos grandes contratempos da saúde emocional da igreja contemporânea. A fé na fé é um deslocamento perigoso que se tem dado à questão do poder. Sabemos biblicamente que o poder é um atributo de Deus. Não há poder na fé, assim como não há poder na lâmpada. A energia está no gerador e a lâmpada revela o poder do motor. O poder espiritual é a ponte de relacionamento com Deus, onde a fé é conectada à fonte. Muitas vezes nós queremos mostrar que somos pessoas de grande fé para recebermos o reconhecimento dos nossos observadores. Com certeza é uma precipitação contarmos os feitos de Deus realizados através de nossa instrumentalidade, uma vez que as pessoas têm a tendência de pagar o cachê àqueles que são visíveis. É preciso muita cautela na divulgação dos sinais da fé, pois podemos embolsar a glória que pertence a Deus. Ainda no terreno do poder espiritual podemos ganhar pontos pessoais quando tentamos exibir a humildade como predicado particular. Mas nada é mais falso do que uma humildade alardeada. Aquele que pretende demonstrar a sua humildade acaba contaminando-a com a sua própria vaidade. A humildade é aquela qualidade que você a perde quando percebe que a tem. Toda exteriorização de humildade se constitui numa falência dessa virtude. A humildade está relacionada com a dependência do homem para com Deus, por isso só Deus sabe quem é realmente submisso a ele e dependente dele. Muitos gostam de demonstrar algo que eles acham que é humildade, a fim de angariar créditos para sua pessoa.
Mas a cruz é o único meio capaz de despejar a intenção de poder. Eugene Peterson faz uma paráfrase do esvaziamento de Cristo, com as palavras de Paulo: Façam-me o favor! Concordem entre si, amem-se mutuamente, sejam amigos sinceros. Não forcem a passagem para ficar na frente. Não agradem com palavras para ficar por cima. Fiquem de lado para deixar que os outros passem. Não tenham obsessão de levar vantagem. Esqueçam a si mesmos e pensem em si da mesma forma que fez Jesus Cristo. Ele ocupava uma posição igual à de Deus, mas não se tinha em alta conta a ponto de agarrar-se a isso de qualquer maneira. De modo algum. Quando a hora chegou, ele despojou-se dos privilégios divinos e assumiu a condição de escravo, tornando-se humano. O poder é uma coisa fascinante para o ser humano, e nós queremos comprovar o nosso poder a qualquer custo. Luci Shaw foi ainda mais clara quando afirmou: podemos falar interminavelmente sobre o poder para o bem em oposição ao poder para o mal. Mas há muito tempo já se sabe que, seja qual for a motivação, o poder pessoal pode corromper, e a luta pelo poder em si mesmo quase sempre cria conflitos que provocam a destruição ou aniquilação de outrem.
Para terminar, vejamos as palavras do salmista em sua profundidade. Uma vez falou Deus, duas vezes ouvi isto: Que o poder pertence a Deus, Salmos 62:11. Deus falou apenas uma vez, mas ele ouviu duas. Precisamos ouvir muito bem. O poder pertence tão-somente a Deus. Alguém já disse que deve ser todo-poderoso o poder cuja força suficiente é a fraqueza. É assim que podemos sintetizar Paulo: quando eu sou realmente fraco então poderei ser totalmente forte, porque dependerei apenas do poder absoluto de Deus,

Pr. Barbosa Neto.
 
Soli Deo Glória.

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