“Desventurado homem que eu sou! Quem me livrará do corpo
desta morte? Romanos 7:24
Nestes dias temos meditado sobre as palavras de Paulo e suas
implicações descritas no capitulo sete da carta aos Romanos. Paulo, neste
capitulo, manifesta coragem e franqueza diante da palavra de Deus, quando
confrontado e humilhado por esta mesma palavra. “E assim a lei é santa, e o
mandamento santo, justo e bom.” Romanos 7:12.
Esta coragem e esta franqueza, que para o mundo atual mais
parece fraqueza, não são atributos inerentes a Paulo, como uma qualidade moral
já existente em sua vida, pois ele mesmo declara neste capitulo: “Porque eu
sei que em mim, isto é, na minha carne não habita bem algum.” Romanos
7:18a.
Na verdade, a atitude de dizer não à tanga costurada pelo
próprio homem quando Deus vem ao nosso encontro, é a única atitude possível para
aqueles que foram flagrados em seus pensamentos íntimos, e tiveram seus corações
esquadrinhados nas suas motivações, como foi o caso de Paulo no caminho de
Damasco. “E, indo no caminho, aconteceu que, chegando perto de Damasco,
subitamente o cercou um resplendor de luz do céu”. Atos 9:3.
Diante dos holofotes da glória de Deus, do verbo que se fez
carne, Jesus Cristo, que lhe apareceu no caminho de Damasco, qualquer outra
atitude seria tola. A única atitude para o homem Saulo e para qualquer outro
homem, amparada pela verdadeira sabedoria é, na verdade, a rendição plena de
alguém que se viu réu confesso.
Esta rendição se expressa pela sua face estendida no pó. “E,
caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me
persegues?”. Atos 9:4. O rosto em terra é a ação produzida pela visão de
Jesus Cristo ressurreto. Esta visão faz com que o homem tenha um encontro com a
terra; este encontro nada mais é do que um encontro consigo mesmo, com sua
essência de pó, de humos, de humano, como nos ensina as escrituras. Pois ele
conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó. Salmos 103:14.
Como deixa claro o salmista, Deus sabe de nós e conhece a nossa
estrutura. Nós é que precisamos ser lembrados deste fato, pois, logo que o pó
ficou em pé, a altura entre o chão e sua cabeça, por menor que fosse, foi
suficiente para surtá-lo, e para que ele se achasse no céu e se visse na
possibilidade de ser como Deus em si mesmo.
Este é o tamanho da presunção por trás da proposta da serpente
que se instalou no homem de forma essencial depois da queda. “Porque Deus
sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como
Deus, sabendo o bem e o mal.” Gênesis 3:5. O desejo de ser como Deus: Eis
aqui toda a escuridão em que o homem se encontra.
A questão é que diante da luz que veio ao mundo, toda treva é
dissipada, pois treva alguma pode prevalecer diante da Luz verdadeira que
ilumina a todo homem. Diante da luz que é Jesus, esta Luz, ao mesmo tempo em que
nos cega para tudo aquilo que nos distrai e que está fora de nós, tem o poder de
expor a nossa realidade. Ela ilumina o nosso interior, nos dando a condição de
nos enxergar por dentro; de vermos nossas motivações ocultas.
Por esta razão, não existe espaço para as
trevas. “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz
resplandece nas trevas, e contra ela as trevas não prevaleceram. João1:4-5”.
Portanto, uma vida que rejeita a verdade por dura que seja é uma antecipação
da morte. Neste caso, o individuo está morto pelo simples fato de viver uma vida
de mentira e, uma vida de mentira não é vida.
Diante de Jesus, até a ação de abraçar as trevas fica clara
como o sol do meio dia. O paradoxal é perceber que a escolha pela vida de
mentira se dá pela tentativa de escapar da morte, sem a devida confiança no
caráter de Deus, o qual diz que: só escapa da morte quem morre. “Porque,
qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de
mim, perder a sua vida, a salvará.” Lucas 9:24.
A primeira reação diante da aterradora visão de Cristo e a
verdade do que Ele é, surge justamente na tentativa da afirmação de si mesmo,
enquanto velha criação ou, da negação de Jesus Cristo, como a Nova criação; o
que de fato, são dois lados da mesma moeda e que, por esta razão, leva apenas à
um destino - o destino de ser contado entre aqueles que crucificaram a Jesus em
suas vidas.
Isto parece duro, mas ainda que não tenhamos participado do
fato histórico, isto é justamente o que significa o simples fato de, muitas
vezes, querer viver uma vida ética ou religiosa, interessado apenas no
“status quo” porém, na dependência de si mesmo, como fizeram os
religiosos contemporâneos de Jesus. “Caifás, porém, um dentre eles, sumo
sacerdote naquele ano, disse-lhes: Vós nada sabeis, nem considerais que vos
convém que morra um só homem pelo povo, e que não pereça toda a nação.” João
11:49-50.
A questão aqui é de amor. Quem nós amamos mais? A luz ou as
trevas, a verdade ou a mentira? A pílula vermelha ou a pílula azul? “O juízo
é este, que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz;
pois eram más as suas obras.” João 3:19. Como no filme “Matrix,” muitos
preferem viver a ilusão do mundo, em detrimento da vida do reino de Deus. Isto
porque, ninguém entra no reino de Deus sem dar razão a Deus. E dar razão a Deus
é, necessariamente, caminhar para a cruz.
Aquilo que parece fraqueza para o mundo, mesmo no contexto
religioso, que prefere a mentira dos “justos” - tipificada na oração do
fariseu, “Deus graças te dou, porque não sou como os demais homens” - do
que a verdade dos falidos confessada pelo publicano - “tem misericórdia de
mim pecador” - é justamente a diferença entre a vida e a morte.
Se formos despertados para o amor à verdade, veremos que não
precisamos nos ocultar e nem viver nas sombras. Então, ainda que em angústias e
sudorese sanguíneas - como Cristo no Getsêmani – tomaremos o caminho do
Calvário; da negação de nós mesmos, dizendo sim ao discipulado de Cristo que
“Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada
dia a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas
quem perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará. Lucas 9:23-24
Sabemos que isto envolve angústia, haja vista o desespero de
Paulo. O grito de Paulo é sua carne exposta. Este grito revela a angústia de
alguém que teve seu peito aberto pelo bisturi de Deus. Sim, a palavra de Deus,
quando enviada por Deus para operar na vida de uma pessoa, vem e age como um
bisturi tendo em vista sua precisão.
Mas, na verdade, a palavra é Sua espada afiada nos dois gumes.
“Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada
alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das
juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e as intenções do
coração”. Hebreus 4:12.
Para uma sociedade como a nossa e para a religião deste mundo,
pautada na aparência e não na verdade - que precisa parecer ser o que de fato
não é - tal exposição de Paulo é muito chocante, e não deve ser praticada.
Antes, os seus integrantes devem ocultá-la, sob pena de não serem mais aceitos
entre os falsos perfeitos.
Para o mundo, a imagem e a semelhança de Deus não são
necessárias, basta a imagem. Mas Deus, que não abre mão de um til em sua
palavra, diz que para Ele não basta ter a imagem; a semelhança é fundamental. Em
outras palavras, não basta a forma, uma vez que o conteúdo é condição “sine
qua nom”: “ façamos o homem a nossa imagem conforme a nossa
semelhança”.
Tudo seria muito triste, sombrio e pessimista se não houvesse a
ressurreição. Como disse o próprio Paulo, poderíamos nos banquetear enquanto
aguardávamos a morte. Toda maldade seria natural, esconder seu mau cheiro era só
o que poderíamos fazer. Nas sombras construiríamos nossas casas em condomínios
cada vez mais fechados, onde pudéssemos esconder nosso rancor, ganância, desamor
e falta de sentido para a vida.
Mas, Paulo deu graças. Por que? Porque Jesus ressuscitou. O
desventurado louvador, que se viu réu, achou lugar para o arrependimento. Lugar
onde ele poderia confessar todos os seus pecados e deixá-los, certo do perdão.
“Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor.” Romanos 7:25a.
O desventurado louvador deu graças a Deus por Cristo Jesus,
pois Cristo deu a condição para que o amor de Deus, que é santo, chegue aos
pecadores. “Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por
nós, sendo nós ainda pecadores.” Romanos 5:8.
O desventurado louvador deu graças, não só por que se descobriu
amado por Deus, mas também porque em Cristo agora se viu amando a Deus. Deu
graças, não só porque em Cristo não havia mais condenação sobre ele, mas porque
também agora, não se via mais em condição de condenar ninguém. O desventurado
louvador deu graças, não só porque em Cristo foi perdoado de todo pecado, mas
porque agora o pecado não era mais o senhor de sua vida. “Porque a lei do
Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte.”
Romanos 8:2.
Não é o fim descobrir a verdade do que somos, quando sabemos
que somos amados por Deus o Pai. Não é o fim saber quem somos, quando
descobrimos que o que somos, foi crucificado com Deus, o Filho. Não é o fim
saber que em mim, isto é na minha carne não habita bem algum, quando descubro
que não sou mais escravo do mal, pois fui liberto pela lei de Deus o Espírito.
Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim;
e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no filho de Deus, o qual me amou,
e se entregou a si mesmo por mim. Gálatas 2:19-20.
Soli Deo Glória.
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