quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

FUGAS E RESISTÊNCIAS




Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão. Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado e de que fizeste a boa confissão perante muitas testemunhas. 1 Timóteo 6:11-12.

A história do homem na Terra tem sido uma trajetória de fugas e resistências. Todas as vezes que ele se sente ameaçado por qualquer sintoma hostil, fora do seu controle, ou oprimido por alguém, sua reação natural é fugir ou resistir. O ser humano sempre procura escapar daquilo que o amedronta ou assusta. E resiste àqueles que lhe causam coação. Desde que o pecado tomou conta do coração humano, a fuga tem sido uma marca de nossa espécie. Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim. Gênesis 3:8. O medo assumiu o controle da alma, depois que a culpa tomou conta da mente. A melhor alternativa agora era fugir e ocultar-se com disfarces e proteções. Com máscaras de folhas e barreiras de troncos, o homem tentar encobrir as suas falhas, fugindo e escondendo-se da presença de Deus. Em face da transgressão moral e de sua rebeldia espiritual, cada passo de sua existência tem se caracterizado por uma postura essencialmente resistente. Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis. Atos 7:51. Estevão estava mostrando aqui que os judeus eram resistentes ao Espírito por tradição genética. Desde Adão e Eva que nossa conduta racial vem se demonstrando obstinada com relação às revelações divinas.
Mas há fugas que são absolutamente inúteis. Todo mecanismo que nos predispõe a distanciar da presença de Deus, causa um total absurdo. Ninguém pode fugir da presença de Deus. O salmista pergunta com muita inteligência e responde com sabedoria inconfundível: Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá. Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa. Salmo 139:7-12.
A Bíblia fala da insensatez de um profeta que pretende fugir da presença de Deus. Freqüentemente encontramos pessoas com esta atitude insana. Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor, para Társis; e, tendo descido a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem e embarcou nele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do Senhor. Jonas 1:3. Muitos expedientes têm sido elaborados com a finalidade de prover o distanciamento do homem da presença de Deus. Mas todos eles correspondem ao mecanismo da avestruz que enfia a cabeça na moita, deixando todo o seu corpo de fora. O ser humano pode não ter consciência da presença de Deus, porém, jamais conseguirá fugir de sua presença.
Por outro lado, há uma necessidade fundamental da fuga relacionada com alguns tipos de envolvimentos. As Escrituras instigam a inevitabilidade de fugir da idolatria. Fugir da presença de Deus é impossível. Contudo é imperioso que fujamos de tudo aquilo que assume o lugar de Deus. Portanto, meus amados, fugi da idolatria. 1Coríntios 10:14. A essência da idolatria é ter pensamentos indignos acerca de Deus. Por este motivo é forçoso para a saúde espiritual que fujamos de qualquer forma de idolatria. Um ídolo na mente é tão ofensivo a Deus quanto um ídolo na mão. Tudo aquilo que esfria o nosso desejo de intimidade por Jesus Cristo, se constitui numa postura idólatra que deve ser renegada a qualquer custo. Ninguém deve resistir à idolatria, mas fugir dela. Filhinhos, guardai-vos dos ídolos. 1João 5:21.
Do mesmo modo que devemos fugir da idolatria, somos exortados a fugir de tudo aquilo que aparenta piedade mas desmerece o poder de Deus. A Bíblia mostra que os tempos do fim serão tempos difíceis, pois os homens se mostrarão bastante egoístas, avarentos, arrogantes... tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes. 2Timóteo 3:1...5. Piedade exterior e corrupção interior formam uma mistura revoltante, que deve ser abominada em uma fuga permanente. A Palavra de Deus não sustenta qualquer envolvimento com este tipo de pessoa que aparenta santidade sem a demonstração poderosa da vida de Cristo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. 1Coríntios 5:11. Está claro que é preciso fugir das companhias fingidas. William Secker afirmava com razão: Uma prostituta maquilada é menos perigosa do que um hipócrita disfarçado. Não adianta combater este tipo de comportamento; neste caso, a fuga é a única atitude satisfatória para o equilíbrio emocional do crente.
Fugir de Deus é um despropósito, mas fugir da impureza é necessário para a manutenção da singeleza de coração. A impureza contamina a mente, corrompe a moral, contagia o corpo, emporcalha as relações e polui a linguagem. Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que uma pessoa comete é fora do corpo; mas aquele que pratica a impureza peca contra o corpo. Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espirito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? 1Coríntios 6:18-19. O texto aqui exige a fuga da impureza e não o combate. É humanamente impossível alguém entrar no fogo sem se queimar e sair dele sem cicatrizes; como também, é inadmissível envolver-se com a impureza sem trazer as marcas de suas manchas. Deus não pede que nós resistamos à impureza, mas fujamos dela, do mesmo modo que sustenta a fuga de todo o tipo de paixões determinantes da juventude. Foge, outrossim, das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, o amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor. 2Timóteo 2:22. A Palavra de Deus sustenta a mensagem que nos mantém fora do perímetro das paixões, por isso, fugir delas é a única alternativa viável. Ninguém é capaz de impedir o surgimento das paixões, nem tão pouco é competente para resistir à sua fúria. A grande arma contra a impureza e as paixões é escapar de sua influência, retirando-se o mais distante possível dos seus limites.
As tuas palavras são em tudo verdade desde o princípio, e cada um dos teus justos juízos dura para sempre. Salmo 119:160. Nada mais seguro do que o terreno da verdade. Ainda que as verdades, como as rosas, tenham espinhos, os homens retos as levam sempre junto ao coração. Nossas almas devem ser o santuário e o refúgio da verdade. É uma grande estupidez tentar resistir à verdade. E, do modo por que Janes e Jambres resistiram a Moisés, também estes resistem à verdade. São homens de todo corrompidos na mente, réprobos quanto a fé; eles, todavia, não irão avante; porque a sua insensatez será a todos evidente, como também aconteceu com a daqueles. 2Timóteo 3:8-9. Provavelmente estes dois homens fossem os sacerdotes de Faraó que tentaram com as suas artes mágicas resistir a Moisés, e acabaram desacreditados com o poder da verdade divina, revelada nas Escrituras.
Se há alguém que nós devemos resistir com a verdade e em plena confiança de fé, este é o Diabo, o pai da mentira. Sujeitai-vos, portanto, a Deus; mas resisti ao Diabo, e ele fugirá de vós. Tiago 4:7. Não podemos fugir de Deus, mas devemos fugir da idolatria, da hipocrisia, da impureza e paixões da mocidade. Não podemos resistir à verdade, porque nada podemos contra a verdade, senão em favor da verdade, 2Corintios 13:8, mas devemos resistir ao Diabo, porque ele fugirá de nós. Muitos fogem do Diabo, porque resistem à verdade. Mas só aqueles que confiam na verdade de Deus podem resistir ao Diabo, pois têm a certeza de que ele fugirá. Quem tenta fugir de Deus resiste à verdade. Quem resiste ao Diabo com fé na verdade de Deus, tem a garantia da sua fuga. De quem fugir e a quem resistir, eis a questão!

Soli Deo Glória.



A ESPERANÇA DA VOCAÇÃO



Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis como é digno de vocação com que fostes chamados. Ef. 4:1

A chamada celestial não é um dogma vazio, uma teoria ineficaz, nem uma especulação louca. A oração do apóstolo Paulo revela este fato: " Por isso, também eu, tendo ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos, não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à Igreja." Ef. 1:15 a 22. "A esperança da vocação". Se formos conduzidos pelo Espírito Santo à compreensão da verdade de que somos chamados com uma chamada celestial; que o nosso lar, e nossa porção, a nossa esperança e a nossa herança são de cima, "onde Cristo está à destra de Deus", nunca poderemos ficar satisfeitos por manter um posição, buscar um nome ou ter uma herança na terra. Quer dizer, devemos procurar atingir em experiência, na prática e no caráter moral, o ponto para o qual Deus nos chamou, e esse ponto é a plena comunhão com Seu Filho - comunhão com Ele na sua rejeição neste mundo, e na sua aceitação no céu.
Por outro lado, como base do nosso andar, a cruz requer a nossa mais profunda consideração. A mesma cruz que me liga com Deus separou-me do mundo."Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo." Gl. 6:14 .Um homem morto acabou, evidentemente, para o mundo e, tendo ressuscitado com Cristo, está ligado com Deus no poder de uma nova vida, uma nova natureza. " Pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo." II Pe. 1:4. Estando assim inseparavelmente unido com Cristo. Ainda assim, devemos lembrar que Deus nunca nos arrastará ao longo do caminho. Isto não estaria de conformidade com a excelência moral que caracteriza todos os caminhos de Deus. Ele não nos arrasta, mas "nos atrai " para "O Caminho" que conduz à bem-aventurança inefável n'Ele próprio.

O legalismo põe o homem, com o fardo dos seus pecados, ao serviço de Deus, guardando a lei; por isso a alma é mantida em constante tortura, e aprisonada. "Assim, pois, a Palavra do Senhor lhes será preceito sobre preceito, preceito e mais preceito; regra sobre regra, regra e mais regra; uma pouco aqui, um pouco ali; para que vão, e caiam para trás, e se quebrantem, se enlacem, e sejam presos." Is.28:13. O que constitui a legalidade é o ato da velha natureza tomar os preceitos de Deus e procurar praticá-los. Tentar regular a natureza humana caída, por meio da lei pura e santa de Deus, é tão inútil e absurdo quanto ensinar urubu alimentar-se de alpiste.

O céu não tem encantos para a natureza humana, ela não tem gosto pelo céu, pelas suas ocupações ou pelos seus habitantes. Se fosse possível ao homem natural encontrar-se ali, sentir-se-ia miserável, como um peixe fora d'água. O legalista ensina que devemos deixar o pecado antes de podermos obter justiça.
O Evangelho revela-nos o próprio Deus em Cristo vindo ao mundo em graça perfeita e tirando o pecado pelo sacrifício da cruz; tirando-o da maneira mais absoluta, sob a base da justiça eterna, "Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus. " II Co. 5:21. E não somente Deus é visto tirando o pecado do mundo mas dando também uma nova vida, a própria vida de ressurreição de Seu Filho, exaltado, e glorificado.


Esta natureza é guiada graciosamente pelos preceitos da Palavra de Deus, aplicada com poder pelo Espírito Santo. Ele anima-a também apresentando-lhe esperanças indestrutíveis: revela, à distância, " a esperança da glória" - "uma cidade que tem fundamentos" -, “uma pátria melhor, isto é, a celestial" - as muitas moradas da casa do Pai -, ligação eterna com Ele próprio, nessas regiões de glória e luz, onde a dor e as trevas nunca poderão entrar - e inefável privilégio de ser conduzido, através dos séculos incontáveis da eternidade, "às águas tranquilas, e verdes pastos" de amor redentor.


Em vez de me mandar educar e dominar, por meio de dogmas da religião sistemática, uma natureza irremediavelmente corrompida, de maneira que eu possa desse modo, renunciar ao mundo que amo, e alcançar um céu que detesto, Deus em graça infinita, e com base no sacrifício de Cristo, concedeu-me uma natureza que pode gozar o céu, e o céu para essa natureza gozar; e não somente o céu, mas Ele próprio, a fonte infalível de toda a alegria do céu.
 
Soli Deo Glória.


PELOS DESERTOS DA VIDA

Entretanto, Deus não se agradou da maioria deles, razão por que ficaram prostrados no deserto.
Ele vinha só. Encurvado e apoiado em seu bordão. Enquanto caminhava, ruminava as lembranças que sempre o perseguiam. Lembranças de seu tempo no Egito. Aquilo fazia brotar em seu peito uma profunda e velha dor. Na época, o seu ideal era ser um grande líder para o seu povo, mas o máximo que conseguiu foi ser pastor das ovelhas do seu sogro. Caminhava determinado, com as ovelhas para o lado ocidental do deserto. Sim, aquela visão no deserto mudou sua vida. Ele não quis acreditar: pensou estar vendo miragens. Aquilo era absurdo. Um arbusto em chamas, no meio daquele deserto! Logo constatou que era real, uma sarça ardente e, o mais assombroso: não se consumia. Assim, Moisés encontrou o Senhor no deserto. Do Deus de seus pais recebeu a missão de dizer a Faraó: O Senhor, o Deus dos hebreus, nos encontrou. Agora, pois, deixa-nos ir caminho de três dias para o deserto, a fim de que sacrifiquemos ao Senhor, nosso Deus. Êxodo 3:18b. O Senhor, que levara Moisés para o deserto, queria levar também todo o seu povo. No deserto eles o serviriam.

O deserto é lugar de transição. É a preparação para se alcançar um estágio mais elevado. É também o período de crise que conduz à maturidade. Lugar de superação. É o fim da fé ingênua. A experiência no deserto serve para nos purificar e nos expor a nós mesmos. Revela que temos medo da liberdade e que não sabemos viver na dependência total de Deus. No deserto, nossas ilusões são confrontadas com a verdade e nossas idéias e conceitos são substituídos pela revelação de Deus. O deserto é símbolo de um lugar de lutas internas e encontro com Deus. É onde ocorre o abandono dos enganos, das ambições e desejos que arruínam a nossa alma. Não deve ser entendido apenas como espaço geográfico, mas um estado da alma diante de Deus e de nós mesmos. Depois do desnudamento da alma e da queda da máscara que colocamos para impressionar as pessoas, experimentamos a quietude, o sossego, a comunhão e a amizade calorosa de Deus. A sós com Deus, reconhecemos a nossa condição de homens caídos e nossa total dependência da vida de Cristo em nós.

Na experiência dos homens de Deus, o deserto tem sido um lugar para ouvir mais claramente a voz de Deus. Abraão teve que deixar a segurança de sua cidade para peregrinar por campos e desertos e assim, se tornar o pai da fé. Moisés, antes de se tornar o grande libertador do seu povo, teve que experimentar o seu tormento no deserto. O mesmo se deu com os profetas de Deus: João Batista, o último profeta, vivia e pregava no deserto. Sobre ele está escrito: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Mateus 3:3b. O próprio Jesus, antes iniciar o seu ministério público, foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, para ser tentado por Satanás. O deserto é lugar de apego à veracidade da palavra de Deus
e de descobrimento do seu poder libertador. É o lugar de estar a sós com Deus.

Somente no Velho Testamento, a expressão midbar aparece 267 vezes. É usada em seu sentido geográfico, porém, representa momentos que precisamos passar para ouvir a voz de Deus. Jim Houston escreveu: Se Deus não nos permitisse passar por ‘desertos’, continuaríamos a ter ‘desertos’ dentro de nosso coração. O povo de Israel, guiado por Moisés, esteve por quarenta anos no deserto, aprendendo a andar nos caminhos do Senhor. Durante a peregrinação, os desejos velados dos corações foram sendo revelados. Os quatro séculos vivendo sob o domínio e cativeiro egípcio incutiram valores, hábitos e costumes do mundo pagão na cultura e religião do povo hebreu. O povo mostrou-se insatisfeito com o propósito de Deus; murmuração e desejo expresso de voltar para o Egito, revelaram que o povo ainda carregava o cativeiro no coração. No deserto, o povo de Israel desbancou Deus para substituí-lo por um ídolo. Infelizmente, muitos de nós fazemos o mesmo. Os nossos ídolos não assumem a forma de um bezerro de ouro, mas vêm em forma de dinheiro, status, trabalho, família, realização e objetos de veneração. Deus não suporta competir com ídolos, por isso, eles devem ser quebrados e virar pó. Para o perfeccionista, Deus tem preparado o deserto da imperfeição. Para o fazedor, há o deserto da inutilidade. Para o legalista, o deserto da fluidez. Para o orgulhoso, o deserto da humilhação. No livro de Oséias, Deus compara
o seu povo idólatra a uma adúltera e demonstra o tratamento a ser dado. Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração. Desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias; desposar-te-ei comigo em fidelidade, e conhecerás ao Senhor. Oséias 2:14, 19-20. Viver a experiência do deserto é imprescindível para crescermos em intimidade com Deus.

O deserto é lugar de aprender submissão e obediência. As ordenanças, as leis e os dez mandamentos não foram dados no Egito, mas no deserto. Ron Mehl, em seu livro A Ternura dos Dez Mandamentos, demonstra como os mandamentos são muito mais uma carta de amor, uma mensagem terna e sincera vinda da mão de Deus, do que uma lista de proibições sob pena de condenação eterna. Deus nosso Pai – muito mais do que eu, um pai humano imperfeito – deseja que evitemos os caminhos destrutivos e deu-nos, então, Sua Palavra e, especificamente, os Dez Mandamentos. Ele fez isso por amor, querendo remover a confusão de nossas vidas... querendo nos proteger das armadilhas e laços do Destruidor... querendo poupar-nos da devastação, da consumição do pecado... querendo que encontremos o nosso destino como seus filhos e filhas. Somente quando nos deparamos com Deus e experimentamos o derramar do seu amor e de sua graça nos tornamos aptos a entregar-nos em submissão e obediência. Ao atravessar desertos percebemos que, viver na graça não consiste em dar vazão a nossos desejos e esperar a libertação de Deus. Isto é tentar a Deus. Descobrimos que liberdade não consiste em fazer o que queremos, mas aquilo para que fomos criados. Contudo, fazer e ser aquilo para que fomos recriados só é possível na comunhão submissa e obediente ao Senhor. O deserto é lugar de autenticidade e verdade. Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos. Deuteronômio 8:2. Onze semanas seria tempo suficiente para o povo de Israel ir do Egito a Canaã, porém, foram quarenta anos de peregrinação. Isso tudo para Deus poder expurgar o Egito de dentro de seus corações. Saíram do Egito, mas o Egito não havia saído de dentro deles. O mesmo acontece conosco, muitas vezes não temos idéia de como ainda estamos impregnados dos valores deste mundo pecaminoso. A palavra de Deus diz que enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá? Jeremias 17:9. Nele estão ilusões que distorcem a verdade sobre nós mesmos e sobre a vida. Criamos uma falsa imagem de nós mesmos, de Deus e do mundo que nos cerca e nos revestimos de uma aura de espiritualidade, tentando enganar aos outros e a nós mesmos. Porém, no deserto, temos a possibilidade de reconhecer quem realmente somos. Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. João 8:32. A verdade é: nascemos em pecado, e em iniquidade fomos formados. Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe. Ai desta nação pecaminosa, povo carregado de iniquidade... Toda a cabeça está doente, e todo o coração, enfermo. Deste a planta do pé até à cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo. Salmo 51:5 e Isaías 1:4a,5b,6. Nascemos pecadores e temos uma inclinação incorrigível para o pecado. No deserto, os nossos pecados mais íntimos afloram e constatamos que realmente fazemos parte de uma raça caída e perversa.

O apóstolo Paulo exortou a igreja de Corinto para que a cobiça não dirigisse suas ações, tal como fizeram os israelitas no deserto. Eles se tornaram exemplos de como nãofazermos. Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós a fim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O povo assentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se. E não pratiquemos imoralidade, como alguns deles o fizeram, e caíram, num só dia, vinte e três mil. Não ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram e pereceram pelas mordeduras das serpentes. Nem murmureis, como alguns deles murmuraram e foram destruídos pelo exterminador. Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado. 1Coríntios 10:6-11.
Para conter a rebeldia do povo no deserto, Deus enviou serpentes abrasadoras que mordiam as pessoas. O povo clamou a Moisés para interceder junto a Deus e então, receberam a cura. Bastava olharem para a serpente de bronze, enrolada em uma haste, e saravam. O que estava implícito neste ato era a fé. Sem fé para crer que, olhar para uma haste com uma serpente de bronze seria o suficiente para ser curado, a pessoa morria. Jesus, falando a Nicodemos sobre o novo nascimento, expressou: E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna. João 3:14-15. Nos desertos da vida, reconhecemos em nós os efeitos do veneno da serpente que enganou os nossos pais no Paraíso. Reconhecemos que somos pecadores mas, também, que o Filho de Deus pendurado no Calvário é o antídoto contra a mordedura da serpente na raça humana. Por isso, foi que também Jesus, para santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta. Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério. Hebreus 13:12-13. Cristo crucificado é o remédio para todas as enfermidades do coração. Levar o seu vitupério, é levar a nossa morte juntamente com ele. Fomos unidos a Jesus no momento de sua crucificação. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. João 12:32. Desta forma, podemos confessar: Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos. Gálatas 2:19b-20a. Romanos 6:6. Ao atravessarmos um deserto, o melhor é submeter-nos aos desígnios de Deus e deixar que o poder de sua palavra e graça opere. Logo perceberemos, o deserto é lugar de Vida.
 
Soli Deo Glória.

O PERIGO DO PASSADO

A experiência tem história, mas não podemos viver voltados para o passado. Nenhuma pessoa lúcida nega a importância da experiência na história. Sem os fundamentos do passado não temos a competência para construir com sabedoria o futuro. Os alicerces do amanhã estão baseados no ontem. Precisamos do conhecimento antigo para elaborar o novo, pois as raízes da antiguidade servem para sustentar o desenvolvimento vindouro. O retrovisor é fundamental para o desempenho no tráfego. Muitos desastres são resultados da falta da visão anterior. Porém, a vida não pode andar para trás.

No caso em foco, Jesus censura uma pessoa que estava presa ao cordão emocional de sua linhagem. Ele queria seguir a Jesus, mas tinha um vínculo com a família que precisava de acertos. Na vereda da fé cristã há muitos que pensam deste modo. As tradições culturais e o peso da opinião doméstica exercem grande pressão na decisão pessoal. Muitos ficam amarrados ao julgamento do seu clã e sentem dificuldades para tomar posição. São pessoas carentes que temem perder o apoio emocional da família e buscam conciliar sua fé com a aprovação dos mais chegados.

Porém, esta abordagem ganha uma estimativa muito mais ampla, quando examinamos outros lados da questão. O olhar para trás pode representar toda tentativa de congelamento da experiência. Um grande risco que vemos na história da igreja é o fascínio com o passado. Temos uma tendência de perpetuar os métodos de uma época. Aquilo que foi de grande valor num momento histórico recebe dimensões permanentes e, com isto, a igreja se inclina para colecionar peças de museu.

Volto a insistir: não é possível caminhar com saúde relacional, sem memória. O passado tem importância fundamental no progresso de qualquer sistema, e há elementos no projeto da igreja que são imutáveis. Faltando no horizonte do tempo a dimensão do passado, fica muito difícil construir uma visão adequada do futuro. Contudo, não é normal permanecer com aquilo que ficou obsoleto. A lamparina ainda tem a sua noite de glória nos lugares onde não há energia elétrica, mas nenhum citadino defende a sua permanência no mundo de hoje. Andar de charrete pode ser pitoresco, mas é atraso no mundo automotivo.

Antes de qualquer coisa precisamos fazer uma distinção entre aquilo que é estável e as coisas que são transitórias. Sabemos que a Palavra de Deus é eterna e que os seus ensinamentos são duráveis. A ética da Bíblia não muda. As leis do decálogo continuam vivas sob o comando da graça. Ninguém pode considerar superados os princípios da moral bíblica, uma vez que estão alicerçados na base perene do caráter de Deus. Mas os costumes e os métodos históricos precisam ser avaliados em cada geração. Não devemos mumificar aquilo que é provisório. A permanência das coisas interinas representa um desperdício de tempo e um gasto tremendo de energia.

A mulher de Ló tornou-se uma estátua de sal ao virar-se para trás. A igreja nostálgica perde sua função de sal da terra, quando se agarra a uma metodologia retrógrada. A esterilidade de ambas se manifesta com a contemplação do passado em desuso. Fixar os olhos naquilo que pôde ser relevante noutra época, mas se tornou banal para este tempo, se constitui na maior improdutividade na vivência comunitária. As pessoas orientadas de forma dogmática para os conceitos atrasados, tentando soluções antiquadas para problemas novos, acabam se tornando desqualificadas para o seu momento histórico. Por isso, é importante a distinção entre os fatos eternos e as coisas efêmeras, a fim de não descartar o que é imutável e não perpetuar aquilo que é temporário.

O apóstolo Paulo foi um homem de vanguarda que sabia discernir entre os eventos importantes e necessários e aqueles que serviam momentaneamente para algum propósito. Os lances que foram admiráveis para ele numa época, deixaram de merecer sua apreciação, quando auferiu os melhores conceitos da graça de Deus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Filipenses 3:13-14. Paulo não ficou paralisado em sua experiência passada, uma vez que sua meta tinha proporções absolutas.

Não podemos perder de vista o alvo. A fé cristã tem mira. A falta de um objetivo supremo desencadeia o envolvimento com as coisas periféricas. Precisamos atirar na mosca. Quando a igreja desloca seu olhar do centro para os detalhes, acaba se perdendo nas práticas religiosas, sem qualquer significado eterno. A grande ameaça que assalta constantemente o programa da igreja é a concepção de atividades irrelevantes, que simplesmente mantém as pessoas entretidas. Tanto o passado decrépito como o presente alucinado por novidades, carece de análise.

A igreja necessita de uma avaliação contínua do seu programa de atividades sob os cuidados do modelo da cruz. Somente contemplando Cristo crucificado podemos focalizar o passado de modo acentuadamente significativo. Não é possível ser tolerante com as vulgaridades religiosas, quando vemos o panorama espiritual sob o prisma do Calvário. Também não é possível ver o futuro sem a perspectiva da ressurreição. A igreja de Cristo tem uma escatologia de esperança e conseqüentemente um culto com elementos de expressão eterna. Na igreja não há lugar para os métodos espetaculosos de passatempo religioso.

Os dois problemas mais sérios que temos com o passado são: primeiramente, a lembrança ardida de uma consciência culpada. Há uma multidão que sofre com a dificuldade em crer no perdão consumado. Como o predador que enterra a sua presa, comumente retornamos ao nosso passado para cavoucar a carniça escondida. A falta de uma visão clara do sacrifício de Cristo faz muita gente prisioneira de uma memória delituosa. Parece que nunca podemos viver isentos da culpa, e precisamos recordar em penitência a cena do crime.

Creio que a falta de revelação da obra plena de Cristo crucificado é responsável por este retorno mórbido ao passado delinqüente. Refém de incredulidade, o acusado inflexível regressa sempre ao seu passado para curtir sua expiação recorrente. Ele precisa se martirizar neste ciclo de autopunição, a fim de liberar um sentimento crônico de clemência. Vítima de uma teologia psicológica, onde a autocomiseração é mais acentuada do que a fé, o pobre réu do passado atura, sob pressão, uma mentalidade de desagravo constante. Diz uma tradição, que Pôncio Pilatos viveu os seus últimos anos exilado numa ilha, lavando as suas mãos. Nada pode ser mais terrível do que uma consciência encarcerada num passado de amarguras, em conseqüência de incriminações repetitivas.

Em segundo lugar, o perigo do passado fica por conta da reedição dos modelos arcaicos e irrelevantes que são eternizados nas tradições tolas. A falta de uma visão clara da dimensão escatológica e da evolução progressiva da igreja faz os saudosistas torcerem o pescoço para contemplar um passado que já expirou. Muita gente destituída da esperança da ressurreição, ainda pretende retornar ao velho modelo judaico, que ficou completamente ultrapassado. Vemos atualmente uma regressão acentuada no culto cristão, com a preocupação em restaurar as formalidades festivas do judaísmo e estabelecer uma liturgia atrelada às sombras que já foram superadas. Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo. Colossenses 2:16-17. Depois da realidade de Cristo crucificado e ressurreto temos que formular a nossa teologia com base na libertação deste passado refugado, e na certeza plena da esperança vindoura.

A igreja cristã precisa ter uma boa memória, recordando sempre os fundamentos essenciais de sua crença. A fé tem história, mas não se atém construindo um memorial daquilo que foi provisório. O padrão do evangelho é a novidade de vida numa estrutura sempre inovadora. Um legado da reforma protestante foi que a igreja reformada devia estar sempre se reformando à luz da esperança escatológica.

O cristianismo não tem lugar para o velhusco e bolorento sistema já deteriorado. O Senhor Jesus foi bem categórico em sua avaliação. Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo novo tira parte da veste velha, e fica maior a rotura. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário, o vinho romperá os odres, e tanto se perde o vinho como os odres. Mas põe-se vinho novo em odres novos. Marcos 2:21-22. A mentalidade do evangelho é nova e a estrutura da igreja tem que ser sempre renovada. Repetir os velhos chavões ou cantar os cânticos da antiga comunidade judaica é olhar para trás. É bom lembrar que a fé cristã nasceu de uma sepultura aberta na madrugada do primeiro dia da semana. Ela é viva, alegre, original e cheia de esperança, olhando firmemente para o alvo, Cristo, seu autor e consumador.
 
Soli Deo Glória.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

PERDOADOS E SEMPRE PERDOANDO






Quase escondida num canto remoto de um cemitério de New York há uma pequena lápide sepulcral, fustigada por muitos anos de vento e chuva. Aquela lápide não estampa nenhum nome, nem há qualquer data. A única gravação gasta pelo tempo é uma palavra solitária, que representa a grandiosidade da graça: Perdoado.

A criatura sem nome daquela sepultura não alcançara nenhum monumento. Nenhum obelisco. Nenhum mausoléu de mármore. Nenhuma placa de bronze em que estivessem registrados em relevo, feitos brilhantes, objetivos esplêndidos alcançados ou batalhas heróicas vencidas.

Mas, acaso pode haver epitáfio mais glorioso? Nada, além de uma certeza imutável. Perdoado. Alguém que encon-trou a majestade da misericórdia de Deus. O perdão é mais que a remissão da pena-lidade; significa a restauração da comu-nhão interrompida. O perdão é a mani-festação concreta da graça de Deus em benefício do indigno. É a justiça de Deus produzindo satisfação para a rebeldia humana.

A virtude central do cristianismo é o poder do perdão, e sua maior equivalência está fundamentada na atitude de como recebê-lo . O espírito orgulhoso rejeita qualquer donativo que afronte o seu mérito. Bernard Shaw salientava com gravidade esta posição: O perdão é o refúgio dos mendigos... Devemos pagar nossas dívidas. Aqui está o perfil do soberbo. A religião das obras estriba sua pregação na mensagem da relevância e da reciprocidade de valores. Mas Deus não irá adiante com o homem que marcha com suas próprias forças. A obra prima do pecado é levar os homens a pensar que podem permutar com Deus sua salvação. Não há compensação na esfera da graça. Deus não premia os vencedores com a salvação, nem troca o perdão pelas qualidades excelentes. Não somos perdoados porque nos arrependemos. A verdade do evangelho mostra com clareza um outro enfoque: Nós nos arrependemos porque fomos perdoados graciosamente pela graça de Deus. Ambrósio compreendia muito bem esta posição, por isso expressou com sabedoria: Não me vangloriarei por ser justo, mas por ser remido; não por ser livre do pecado, mas porque meus pecados são perdoados. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus. Romanos 3:23-26. A morte de Cristo na cruz foi uma expiação que demonstrou um sucesso pleno, não uma tentativa parcial que requer retoques de nossa parte.

Por outro lado, todos os perdoados são necessariamente perdoadores. Se realmente conhecemos a Cristo como nosso Salvador, os nossos corações são quebrantados, não podem ser duros, e não podemos negar o perdão, ensinava o Dr. Martyn Lloyd-Jones. É impossível ter sido perdoado totalmente por Cristo e não se tornar um verdadeiro perdoador. Nada neste mundo vil e em ruínas ostenta a suave marca do Filho de Deus tanto quanto o perdão. E nada nos torna mais associados com Satanás, do que a falta de perdão. O apóstolo Paulo mostrou qual é a táticas sutil do inferno nestas palavras: A quem perdoais alguma coisa, também eu perdôo; porque, de fato, o que tenho perdoado ( se alguma coisa tenho perdoado), por causa de vós o fiz na presença de Cristo, para que Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios. 2Coríntios 2:10-11. O tranco no coração oprimido tem um troco forjado no tronco da vingança. Mas o tranco no coração redimido tem um saldo de perdão oferecido pelo trono da graça. A moeda do inferno comercializada nos relacionamentos humanos é vindita que inspira punição. Porém os numerários celestiais circulam com as riquezas do perdão. A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas perante todos os homens. Se possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. Romanos 12:17-21.

Paul E. Holdcraft conta que "em uma zona rural do Texas, as vacas do fazendeiro Dick arrebentaram a cerca da estância do seu vizinho Billy e invadiram o seu verdejante milharal, devastando-o em uma extensa área.

Billy, ao amanhecer, contemplou enraivecido o estrago produzido pelo gado, enviando a Dick um bilhete pouco cortês, relatando o desagradável incidente. Informou-lhe que havia recolhido as vacas ao Curral da Prefeitura e fez uma advertência, com azedume, de que se tal ocorresse outra vez, as represálias seriam bem mais sérias.

Decorrido algum tempo, as vacas de Billy romperam a cerca do rancho de Dick, e, sofregamente, devastaram uma grande parte do seu recém cultivado campo de centeio. Dick, pacientemente, tangeu, cuidadosamente, as vacas para a propriedade de Billy e lhe remeteu uma delicada mensagem, descrevendo os acontecimentos, considerando-os inevitáveis e fortuitos. E, ao mesmo tempo que lhe comunicava serem desnecessárias quaisquer preocupações, de vez que já procedera o conserto da cerca, revestindo-a de um resistente reforço. Finalizando a sua mensagem, tranqüilizou seu vizinho, esclarecendo-lhe que, se porventura tal episódio viesse a se verificar novamente, que ele estaria pronto a, de bom grado, repetir o mesmo gesto. Então, Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. Mateus 18:21-22. Errar é humano; perdoar é divino. A vingança é próprio dos espíritos perversos que jamais conheceram o perdão de Deus. Nunca um ser humano se assemelha tanto com Deus, como renunciando a vingança, perdoa de coração uma injustiça. Perdoar é banir do coração todo desejo de vingança, todo apetite rancoroso, em face do grande amor que reina, sob o comando do Senhor Jesus Cristo. Assim, a vingança pertence aos escravos, subalternos e infelizes, mas o perdão é a característica viva dos libertos e salvos por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.


Soli Deo Glória.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

OS IMPOSSÍVEIS SÃO POSSÍVEIS

Mas Jesus respondeu: Os impossíveis dos homens são possíveis para Deus.Lucas 18:27.
 

O ser humano aspira ao poder e à grandeza, mas trabalha com os seus próprios limites. O pecado fez do homem um alpinista, que busca escalar os picos da notoriedade querendo o reconhecimento, mas esbarra na finitude da vida. Os grandes do mundo são escravos de sua grandeza e insatisfeitos com a falta de plena realização dos seus intentos aparentemente absolutos. Por mais impetuosas que sejam as aspirações do coração humano, há coisas que são impossíveis, e isto torna insuportável o governo da vida.

O homem deseja ser o senhor de sua existência, mas isto é impossível. Ninguém pode dirigir a sua vida plenamente. Não somos senhores da vida, somos meros reféns da morte. Todo homem nasce com a sina da morte, porque a sua vida física tem um limite, além do qual não passará. Nascemos sob o signo da morte: não nascemos para viver, apenas vivemos para morrer. A régua que nivela a humanidade mede os limites da existência com um ponto final. A morte exclui a diferença entre o aristocrata e o plebeu, entre a criança e o ancião, entre o douto e o ignorante, entre o sadio e o doente. Quando ela desce determinada sobre alguém, não há quem possa fazer nada. Se ela vem disfarçada, às vezes conseguimos empurrá-la por mais um tempo. A ciência tem ganho algum terreno
em adiar a hora da morte. Muitas vezes a medicina alcança vantagens e impede por mais um tempo seu espetáculo. Porém, se ela vier sem máscara, não há remédio que possa afugentá-la. Tantos quantos são os poros da pele, tantos são as janelas pelas quais a morte pode entrar. A sua estatística é fatal: de cada pessoa que nasce, uma morre, por isso, é impossível ao homem vencer a tirania imperiosa da morte.

Porém, os impossíveis dos homens são possíveis para Deus. A grande mensagem do cristianismo parte da boca de uma sepultura. Quando as mulheres foram ao túmulo de Jesus, na madrugada do primeiro dia da semana, encontraram o sepulcro aberto e dois varões, com vestes resplandecentes, anunciando, em primeira mão: Por que buscais entre os mortos ao que vive? Ele não está aqui, mas ressuscitou. Lucas 24: 5b-6a. No reino de Deus não há mensagem de coveiro. O cristianismo de Jesus não deixa débito com as funerárias da religião, pois a fé do Evangelho não se envolve em mortalha. As melhores notícias que o mundo já ouviu vieram de um túmulo. O berço da Igreja é a tumba de Cristo, vazia. A vítima da cruz triunfa livremente sobre os domínios da morte. O cemitério tornou-se o palco do regozijo universal. Em vez de lágrimas de tristeza, vivas de júbilo. As sombras da Sexta-feira foram dissipadas belo brilho radiante da manhã de Domingo. A história do homem Jesus não termina com um funeral, mas sim com a celebração do festejo radiante da ressurreição. O túmulo do Senhor da Vida escancara a esperança para uma humanidade oprimida pela morte. Agora já não há mais carcereiro na prisão da morte, pois o Senhor da vida tem o chaveiro que destrancou a fechadura do inferno e da morte. Não temas; Eu sou o primeiro e o último e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno. Apocalipse 1:17b-18. O cristianismo é essencialmente a mensagem vitoriosa da ressurreição. C. S. Lewis bradou com confiança:
Jesus abriu à força a porta que estava fechada desde a morte do primeiro homem. Ele encontrou, enfrentou e derrotou o rei da Morte. Tudo é diferente porque Ele fez isso. Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também Ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida. Hebreus 2:14-15. Aquele que vive com a esperança da vida eterna, nunca mais temerá a morte, pois a fé radiante, estribada na realidade da ressurreição, se expressa através de um coração pleno de alegria.

Tudo aquilo que é impossível ao homem é possível a Deus. Não é possível ao homem vencer a morte, mas foi possível a Cristo triunfar sobre a morte. Não é possível ao homem se salvar do pecado, mas graças a Deus que Jesus Cristo já realizou uma salvação capaz de nos libertar da condenação do pecado e nos tornar vencedores sobre o poder do pecado. Nenhum homem pode se salvar, mas qualquer homem pode ser salvo pela graça de Deus, em Cristo Jesus. Não há esforço humano que seja apto para conquistar os favores de Deus. A nossa salvação é uma dádiva inteiramente gratuita de Deus, que não pressupõe outros requisitos, senão o pecado. A única coisa com a qual o homem pode contribuir para a sua própria redenção é o pecado do qual ele precisa ser redimido. Alguém já disse que a graça está especialmente associada com os homens em seus pecados e a misericórdia está geralmente associada com os homens em sua miséria. Nenhum pecador jamais foi salvo por ter dado o coração a Jesus. Não somos salvos por termos dado, mas sim pelo que Deus deu, afirma, categoricamente, A. W. Pink. Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna. Tito 3:4-7. A salvação é um dom da graça de Deus que não pode ser obtida pelos méritos das obras humanas. Nenhuma criatura que mereça redenção precisa ser redimida.

A graça de Deus não encontra ninguém habilitado para a salvação, mas habilita a todos os que são salvos a recebê-la. Nenhum homem pode se salvar, mas qualquer homem pode ser salvo pela graça de Deus. Watchman Nee disse, no contexto de que nenhum homem pode se salvar, que, para uma pessoa ser salva, ela precisa primeiramente confessar que não é capaz de salvar a si mesma. E, nós só confessamos realmente quando, pela graça de Deus, chegamos ao fim de nós mesmos. Quando fizemos tudo o que era possível e fracassamos. Só quando reconhecemos totalmente a nossa inteira incapacidade para a nossa salvação e nossa completa incompetência para alcançar vitória na vida espiritual é que podemos nos render de fato à absoluta dependência da graça de Deus. "Senhor, desisto de tentar, porque sou incapaz de fazer qualquer coisa que resulte em salvação ou vitória." Esta é a oração de abandono diante da soberana graça de Deus. Quando chegamos ao fim da linha e renunciamos todas as tentativas de aceitação e todos os mecanismos de negociação, então acaba a luta e nos rendemos à suprema vontade de Deus. A salvação e a vitória de Deus são dádivas ofertadas aos arruinados que fizeram o melhor que podiam e falharam redondamente, e, estando frustrados em seus intentos, desistiram por completo de tentar conquistar qualquer favor, rendendo-se inteiramente. "Ó Deus, nunca poderei ser bom. De agora em diante não vou mais tentar fazer o bem para ser aceito. Desisto e abandono toda tentativa de recompensa ou aprovação. A partir de hoje não é mais problema meu a minha salvação ou vitória sobre o pecado. Desisto de meus esforços e deixo tudo em tuas mãos. Amém." Os impossíveis dos homens são possíveis para Deus. O reino de Deus é habitado por aqueles que desistiram de tentar qualquer coisa para sua salvação, abandonando-se por completo à suficiência de Cristo crucificado e ressurreto dentre os mortos, como expressão de sua morte e ressurreição com Cristo.
 
Soli Deo Glória.

PORQUE NINGUÉM É BOM ?

Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão um, que é Deus. Lucas 18:19.
Não parece que Jesus foi extremado com essa resposta? Afinal de contas, a Bíblia não diz que a criação de Deus era muito boa. Por que ele faz uma declaração tão exagerada como essa? Eu não me conformo com a radicalidade desta afirmação de Jesus. Esse é um argumento muito comum quando se aborda o assunto da bondade. É verdade que a criação de Deus era boa, mas o pecado a contaminou com o mal. O ser humano e a natureza estão sob a calamidade e os efeitos da transgressão maligna. Tudo nesse mundo sofre com a influência ruim da catástrofe do Éden. Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno. 1 João 5:19.
Do ponto de vista essencial só Deus é bom. Ele é singularmente bom. Nele não existe maldade e tudo que ele faz é bom. Mas a bondade da criação é derivada do Criador, e por isso é contingente. Não é uma bondade inerente ao ser, uma vez que foi criada. A bondade da criação é decorrente e, portanto, sujeita a deterioração. Só Deus pode ser inteiramente bom, pois só ele é eternamente bom. Leon Tolstoi disse que não se pode ser bom pela metade. Se a minha bondade pode ser suspensa por algum interesse maléfico, então a minha bondade não é de fato boa. Se eu sou bom em algum momento e não sou em todos, logo não sou categoricamente bom e a minha bondade é, na verdade, relativa. Quando Jesus disse que ninguém é bom, senão Deus, ele estava dizendo que nenhuma pessoa é infinita nem invariavelmente boa. Além disso, a nossa bondade circunstancial é sempre dependente de um conceito adequado daquilo que admitimos ser o bem. Com isso, a minha opinião do que é bem vai falar bem do que eu acho que é bom. Mas o bom é universal e eterno. O que é bom para um, tem que ser rigorosamente bom para todos em todos os tempos. Sendo assim, só Deus é de fato eterno e imutavelmente bom. Segundo Jesus, em conseqüência do pecado, o ser humano é mau. Isso não significa que ele seja essencialmente mau, mas que ele está contaminado pelo vírus da maldade. Um adoentado está enfermo mesmo que não esteja inteiramente doente. Um dedo inflamado faz todo o corpo ficar doente, ainda que outros órgãos estejam sadios, por isso, uma pessoa pode morrer por uma picada de mosquito ou na trombada de uma jamanta.
O fato de Jesus dizer que somos maus, não significa que sejamos totalmente imprestáveis para o bem. Ele também disse que mesmo sendo maus, ainda éramos capazes de fazer algumas coisas boas para os outros. Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedirem? Mateus 7:11.
Mesmo sendo mau, eu consigo fazer algumas coisas boas, desde que sejam voltadas para satisfazer as minhas vantagens pessoais. Somos uma raça que gravita em torno do egocentrismo, assim, todo bem relativo me impulsiona a agir de acordo com os meus critérios interessantes. Mas isso não me habilita ao titulo honorário de bom moço. Por causa do pecado a minha bondade fica frequentemente condicionada à percepção egoísta de minha avaliação. O pecado me tornou sujeito a uma vontade incapaz de fazer o bem que eu gostaria de fazer. O apóstolo Paulo foi fundo quando tratou desse ponto cruciante da natureza humana. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Romanos 7:19.
A bondade humana está sujeita às forças do egoísmo. O homem natural sempre faz o que é bom segundo os padrões de sua própria escala de valores, contaminada pelo proveito pessoal. Por esse motivo, o seu bem sempre será determinado pelo seu umbigo. Ninguém é bom quando exerce sua bondade atrelada a qualquer tipo de compensação ou conveniência particular. Fazer o bem esperando um troco ou contrapartida é tráfico de influência na comercialização das pessoas, tornando os sujeitos como escravos nas relações. Muita gente pratica atos de bondade relativa visando o ressarcimento na sua carreira, ao mesmo tempo em que deixa o favorecido com um débito impagável.
No mercado dos escravos a bondade é usada como moeda de compra. Enquanto eu faço o bem para uma pessoa, já passo a algema da gratidão compulsória e ela fica me devendo um agradecimento inflexível. O benefício tem um ar de exigência que deixa o paciente sem alternativa, por isso, essa bondade como ultimato de reconhecimento é um ultraje ao conceito da verdadeira bondade divina. Deus é bom para com todos e Jesus aponta esta bondade como o único padrão dos filhos de Deus. Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus. Lucas 6:35.
A grande recompensa da bondade praticada é a alegria de ter praticado a bondade. O filho de Deus exercita a bondade dependendo da superabundante bondade divina. Como nenhuma pessoa é boa em si mesma, a bondade dos filhos de Aba é abonada pela bondade de Aba. Só o Pai é bom em si mesmo e só os seus filhos podem exercer a bondade garantida pela bondade do Pai. O homem natural, isto é, aquele que ainda não nasceu de novo, é praticante crônico das obras da justiça própria. Todas as suas obras têm um ranço de autopromoção e uma fuligem de indenização. As obras do homem natural exigem notificação, reconhecimento e aplausos da platéia. Isto caracteriza a necessidade de ostentação pessoal que descaracteriza a identidade de filho de Deus. Os filhos de Deus são praticantes das boas obras que o Pai armazenou para que eles fossem distribuidores. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas. Efésios 2:10.
Antes da regeneração o ser humano exibe a sua justiça com a astúcia dos relatórios, procurando mostrar o seu desempenho como prova de seu caráter. Mas os filhos de Deus, embora devam ser vistos praticando boas obras, eles nunca devem praticar boas obras para serem vistos, uma vez que estas boas obras são para a glória do Pai. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus. Mateus 5:16.
Deixe-me dizer algo muito importante que Jesus assegurou com a maior exatidão. A frutificação sempre depende da qualidade da planta. Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons. Mateus 7:17-18.
O ser humano por causa do pecado não se encontra num estado essencialmente bom. Ainda que ele demonstre alguma bondade, como vimos anteriormente, essa bondade está infectada de egoísmo e orgulho. Ele precisa ser convertido de erva daninha em cereal, de joio em verdadeiro trigo. Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom ou a árvore má e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. Mateus 12:33.
O fruto mau ou bom depende do predicado da planta. No reino de Deus uma planta má pode ser transformada em uma planta boa. Esse é o grande milagre que Jesus veio realizar, pois a vida espiritual boa é o efeito da vida de Cristo no âmago do crente. A bondade do salvo depende da bondade divina que habita nele. Quando a Trindade vem residir no íntimo dos crentes, o resultado é a produção de bons frutos. Mas essa safra não é ceifada pela carne. O homem velho não produz boas obras, ainda que produza obras disfarçadas de bondade. E neste ponto, Jesus foi enfático: Não há árvore boa que dê mau fruto; nem tampouco árvore má que dê bom fruto. Lucas 6:43.
A bondade do crente é a bondade de Deus. Só Deus é bom. Só ele pode produzir as boas obras em nosso ser. Quando o Pai nos regenera, somos enxertados no caule da videira. Jesus disse: Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda. João 15:1-2.
Segundo Jesus os salvos são os ramos ligados à cepa da vide. Cristo é a cepa e nós somos os seus ramos. A cepa não produz nenhum fruto, mas transmite a vida e os nutrientes para os sarmentos produzirem os frutos. A boa e eterna vida de Cristo é a causa das boas obras dos crentes. Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. João 15:5.
Se os ramos estão dando bons frutos é porque estão unidos à videira e dependem dela. As boas obras dos filhos de Deus decorrem da bondade do próprio Filho de Deus que vive no coração dos seus filhos. Já que só o Deus trino é bom, a única maneira de uma pessoa produzir bondade é ganhando a boa natureza do Filho de Deus. Ninguém é bom por si mesmo, mas todos aqueles que são regenerados pela graça em Cristo, ganham uma natureza boa de origem divina, que é capaz de produzir as boas obras que o Pai preparou para que andássemos nelas. A biografia de um cristão é a manifestação da vida de Cristo através dos seus atos, portanto, toda a sua bondade é a expressão da bondade de Cristo que vive nele.
Todas as pessoas que se consideram boas em si mesmas estão redondamente enganadas. Além disso, essa fantasiosa bondade humana está abarrotada de arrogância e direitos pessoais cheios de melindres. Não conheço ninguém que se diga boa, que não faça apologia da sua bondade, reivindicando os méritos do seu papel de bondosa. Todavia os filhos de Aba sabem que a sua bondade é uma graça do seu Pai. Eles percebem que toda a sua bondade emana da fonte eterna do único ser que é verdadeira e essencialmente bom. Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança. Tiago 1:17.
 
Soli Deo Glória.

A CAUSA NÃO CAUSADA É A ÚNICA CAUSA DO UNIVERSO

Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! Romanos 11:36

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Deus é a origem de todas as coisas. Mas quem criou Deus? Essa é a questão elementar de qualquer criança e o questionamento de todos os filósofos. Por trás dessa causa não causada há um caso de excitação generalizada que perturba as mentes mais brilhantes desse planeta. Quem é essa a causa que causa tanto alvoroço? Por que essa causa é tão misteriosa e inexplicável para o homem natural?
A Bíblia não tenta esclarecer a essência Divina, nem se intromete no terreno explicativo de sua existência. "Os escolásticos opõem essentia a existentia: a essência é a natureza conceptual de uma coisa, ela é concebida como um poder ser; a existência, pelo contrário, é a plena atualidade, ultima atualitas, aparece assim como se acrescentando à essência". Por este motivo, a Escritura parte da realidade ontológica do ser Divino, o que ele é em si mesmo, sem a menor necessidade de elucidar os termos da sua existência.
O nome sempre alude à realidade. Deus se nomeia meramente com a sua verdadeira denominação: Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros. Êxodo 3:14. Deus é apenas um título, mas o seu nome é: EU SOU. Segundo Vacherot, Deus é o Ser dos seres, a Causa das causas, o Fim dos fins; eis como ele é verdadeiramente Absoluto.
A realidade ôntica do EU SOU é a sua transcendência, que não pode ser explanada em três dimensões, pela mente finita, mas a sua existência se evidencia através da criação. Toda a natureza fala de um Criador, por isso Paulo diz: Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; Romanos 1:20.
Eu não posso explicar a essência do EU SOU, mas também não posso excluir o fato da existência de um Criador neste mundo, sem cair na asneira da irracionalidade. Como bem disse Voltaire: se o relógio pressupõe o relojoeiro, o universo implica a existência de um eterno geómetra. Mesmo que não o denomine como sendo o EU SOU, a verdade é que há um Ser Absoluto na origem do Universo. Joseph Addison considerava que, para ser ateu é necessário uma medida de fé infinitamente maior do que admitir todas as verdades que o ateísmo nega.
Deus é a causa não causada que causa todas as causas no universo. Sendo a origem de todas as coisas, "a sua causa nunca corre perigo, pois o que ele começou no mundo ou na alma, ele mesmo levará até o fim". Se o cosmo tem uma origem no EU SOU, tem também a sua preservação nele. Deus é o alfa e ao mesmo tempo o processo. Ele é o princípio que sustenta todas as coisas pela força do seu poder.
Blanchard afirma que os propósitos de Deus sempre contam com sua provisão. Nada nesse mundo está fora do seu alcance e tudo o que ele permite tem um objetivo para o seu governo. "O que Deus faz, ele sempre teve o propósito de fazer" e o que ele consente tem um objetivo soberano para o bem do seu povo. O apóstolo Paulo afirmou que é dele que vêem todas as coisas, todavia ele não ficou distante da sua criação como sustentam os deistas. Muitos crêem que Deus criou a terra assim como um relojoeiro fez o seu relógio de corda. Depois de construído deu corda ao relógio e o deixou gastar a sua potência. Mas não é assim que a fé cristã anuncia a intervenção da graça no mundo. O EU SOU além de Criador é o Sustentador de todas as coisas. Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste. Colossenses 1:17.
Jesus é a encarnação do EU SOU. Esse nome Jesus é a apócope de Jeová, o sotaque latino do tetragrama sagrado que designa o EU SOU, mais o termo sus, que significa salvação. Ele é a imanência do transcendente, a solidificação do incorpóreo que não somente cria todas as coisas, mas também sustenta e salva as que foram arruinadas. Ele é a Causa não causada que originou o universo e o Salvador do mundo. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez. João 1:3.
Jesus é o EU SOU, o Criador do mundo, o Sustentador de todas as coisas e o Salvador dos pecadores. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade nas alturas, por isso também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Hebreus 1:3 e 7:25.
Ainda que o mundo esteja sob a influência do maligno, por causa do pecado, ele não está sem manutenção. Deus ainda é o Senhor do mundo que governa tudo segundo as determinações da sua vontade. Thomas Brooks dizia que, embora o céu seja o palácio de Deus, não é sua prisão. O EU SOU não ficou imobilizado pela vontade da sua criação, nem deixou de ser soberano por causa do pecado, pois ele é o Senhor da história. Blaise Pascoal afirmava que Jesus Cristo é o centro e o objeto de tudo. Aquele que não o conhece, nada conhece da natureza nem de si mesmo. Além de Jesus Cristo ser a causa do universo, bem como o sustentador de todas as coisas, ele é a finalidade de tudo o que existe. Depois de Paulo dizer que nele foram criadas todas as coisas, conclui com estas palavras: tudo foi criado por meio dele e para ele. Colossenses 1:16b.
Jesus é a causa do universo; é o agente de conservação de tudo o que existe; e é a razão pela qual tudo veio a existir. João Calvino pontuou com clareza: se queremos evitar uma filosofia natural sem significado, precisamos sempre começar com este principio: tudo na natureza depende da vontade de Deus, e todo o curso da natureza é apenas efeito da obediência imediata às suas ordens. Tudo foi criado pelo EU SOU para o EU SOU. A finalidade da criação é a satisfação do Criador. Porém, sabemos que a criação está capenga por causa do pecado, não podendo satisfazer plenamente o seu Criador. Isto, contudo, não paralisa a ação da Causa não causada no sentido de fazer convergir para ela mesma todas as coisas, a fim de restaurar tudo que é restaurável em seu tempo próprio. Paulo mostra com todas as nuanças que a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Romanos 8:20-21.
Já que a natureza está contaminada pela putrefação do pecado, só há um jeito para descontaminá-la: fazer a purificação, mediante a obra da redenção em Cristo, de todas as suas partículas. A Bíblia mostra de modo dramático os efeitos do fogo no câmbio entre o sistema corrompido e a nova realidade. Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus, por causa do qual, os céus incendiados serão desfeitos e os elementos abrasados se derreterão. Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça. 2 Pedro 3:11-13.
O EU SOU é a causa do universo que ficou cativo pelas leis do pecado, contudo ele também é salvação de todo o sistema que se encontra escravizado pelo poder do pecado. Não só a criação aguarda esse dia, mas também nós que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. Romanos 8:23.
Bendito seja o EU SOU, Criador dos céus e da terra, Senhor do universo, Sustentador de todas as coisas e Salvador onipotente, que não se deixou ficar entrevado pela rebeldia de sua criação, nem indiferente com tamanha arrogância dos pecadores. Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém. 1Timóteo 1:17.
 
Soli Deo Glória.

QUE PAÍS É ESTE ? (AINDA SEM O EVANGELHO...)

"Assim como me enviaste ao mundo, eu os enviei ao mundo." (João 17:18)
Já faz alguns anos que um grupo musical brasileiro fez enorme sucesso com uma música que tinha este refrão: que país é este? A letra dizia:
Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é este?
Que país é este?
Que país é este?
No Amazonas, no Araguaia
Na Baixada Fluminense
Mato Grosso, nas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte eu descanso, mas o
sangue anda solto
Manchando papéis, documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é este?
Que país é este?
Que país é este?
Que país é este?

O autor procura, até mesmo de forma irônica, traçar uma descrição de um país à beira do ridículo, diante de tantas tragédias morais e éticas. O que me deixa muitas vezes inconformado é que nós, os cristãos, nos acomodamos de tal forma por termos "um lugar garantido" nos céus. Sabemos muitas vezes todos os detalhes do dia em que entregamos nossa vida a Cristo, quando nos arrependemos dos nossos pecados e confiamos na obra redentora da cruz do Calvário. Mas isso basta? O que Jesus na verdade propôs quando deixou a glória do Pai e veio habitar entre nós cheio de graça e de verdade? (João 1:14)

Que país é este que vivemos e que ainda não viu a glória do Senhor ser espalhada em cada uma de suas cidades, tribos e povoados?
Que país é este onde a injustiça e a corrupção imperam soberanamente?
Que país é este onde não sabemos bem como será o futuro dos nossos filhos?
A saída para respondermos a todas estas indagações é retornar às Escrituras, e buscar os princípios da missão de Jesus neste mundo. Afinal Jesus veio para cumprir cabalmente sua missão salvadora para redenção da humanidade. E Ele nos deixou os passos para seguirmos o que Ele mesmo cumpriu em obediência ao Pai - "Logo, assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também, por meio da obediência de um único homem muitos serão feitos justos". (Rom. 5:19)

1- O princípio do rompimento
"Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade". João 1:15

O modelo missionário deixado por Jesus nos convoca a seguir o princípio do rompimento. Isso pode parecer estranho à primeira vista. No entanto é o primeiro passo em direção ao cumprimento da "missio Dei". Jesus, afirma o evangelista João, deixa a glória do Pai, apresenta-se à este mundo na forma humana, exceto no pecado. Isso deveria ter uma implicação muito grande para aqueles que fazem parte da Igreja de Jesus neste mundo. Fica evidente que sem rompimento não há missão. Esta, provavelmente, seja uma das maiores lutas que o ser humano enfrenta quando entrega sua vida a Deus, através do sacrifício de Jesus. Ele tem que deixar tudo para trás, para seguí-Lo."Então Jesus disse aos seus discípulos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me." (Mat.16:24)
Ao chamar aqueles que se tornariam seus discípulos, Jesus faz com que eles rompam com o que estavam fazendo para seguí-lo. Alguns deixaram a função de pescadores, outros romperam com outras ocupações. Um dos exemplos mais claros e mais tocantes vem de Abraão. Considerado o pai das nações ele se vê diante de um desafio além de suas forças: romper com os limites de sua família, da sua cultura, do lugar onde morava para servir o Deus de Israel. (Gênesis 12:1) É interessante notar que a ordem divina vem através do verbo "sair" ou "deixar". Provavelmente hoje tenhamos poucos cristãos compartilhando do evangelho de Jesus pela simples razão de que não querem mudar seu "status quo".
2- O princípio do comissionamento
"Antes de eu nascer o Senhor me chamou; desde o meu nascimento ele fez menção do meu nome...Também farei de você uma luz para os gentios, para que você leve a minha salvação até os confins da terra." (Isaías 49:1,6) Uma das maiores falácias que pode atingir os cristãos é imaginarem que têm algum tipo de participação na tarefa salvadora deste mundo. Na verdade, somos salvos pela graça e justificados pela fé no Cordeiro de Deus (Rom. 5:1,2). E quando aparentemente passamos a imaginar que podemos "servir o Reino de Deus", novamente nos enganamos. Na verdade quem nos comissiona (e portanto, nos chama) é o Senhor. Não temos nenhuma participação, a não ser obedecermos ou não Jesus, o Messias de Deus, é comissionado pelo Pai, para ser luz para os gentios. Quando Ele vem à este mundo, comissiona os doze. E quando deixa este mundo, deixa o mandamento para que façam discípulos entre todas as etnias do mundo. Ou seja, fica claro que outros seriam comissionados a irem em direção aos povos não alcançados. Hoje, esse processo não mudou. Deus continua comissionando jovens, homens e mulheres para que um dia Sua glória esteja sobre toda a terra. (Hab. 2:14)
Uma igreja em missão certamente tem em seu meio aqueles que serão comissionados a ir. Eles são os apóstolos do século 21. Não se trata de estabelecer uma hierarquia na vida da igreja, como tem acontecido hoje em dia, onde os títulos parecem se tornar obsessão por parte de alguns. Mas, ao contrário, entendermos que Jesus foi comissionado pelo Pai para vir à este mundo, e a Igreja recebe este mesmo chamado para que o evangelho alcance até o último da terra.
3- O princípio da capacitação
"Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda Judéia e Samaria, e até os confins da terra." (Atos 1:8)
O Pentecostes se tornou uma experiência singular na vida da Igreja, porque havia um objetivo claro, inequívoco e irrefutável: o Espírito Santo de Deus seria derramado para testemunho do evangelho de Cristo à todas as nações. Lamentavelmente o cristianismo, e especialmente a fé protestante, em muitos momentos da História, tentou alterar ou deturpar a natureza missionária do Espírito Santo. Isso ainda acontece em nossos dias.Novamente precisamos retornar ao exemplo de Jesus. Já com o corpo ressurreto, pouco antes de voltar ao Pai, Ele diz aos seus discípulos: "Vocês são testemunhas destas coisas. Eu lhe envio a promessa de meu Pai; mas fiquem na cidade até serem revestidos do poder do alto." (Lucas 24:48,49)

Nestes dias em que os recursos proliferam em grande medida (livros, métodos, congressos, etc), a Igreja muitas vezes tem se esquecido que a fonte de poder para testemunhar está fundamentada na dependência total e irrestrita do Espírito Santo de Deus. A igreja corre o risco, em nossos dias, se seguir os estilos gerenciais, priorizando tão somente a organização, o planejamento e a busca por modelos que estão dando certo. No entanto, o modelo missionário deixado por Jesus, é ao mesmo tempo simples e fantasticamente sobrenatural. Ou seja, aquele que deixa tudo para servir o Mestre, e que sabe que foi comissionado para ir, tem consciência que o Espírito Santo o capacitará a ser uma testemunha de Jesus.

Que país é este, ainda sem o evangelho de Jesus?
Que país é este, ainda sem nossas cidades transformadas pelo evangelho de Cristo?

Diante de nós temos a possibilidade de retornar, com urgência, ao modelo missionário deixado por Jesus, Nosso Senhor. Se isto acontecer, veremos então uma nação aos pés do Cordeiro de Deus e um país finalmente transformado.
 
Soli Deo Glória.