sábado, 28 de abril de 2012

ONDE ESTÁ A IGREJA?

Onde está a igreja? Pois onde houver dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou ali com eles. Mateus 18:20


A igreja está ficando cada vez mais complexa. Temos muitos pacotes, opções e formatos. Vejam alguns exemplos: igreja-família; igreja-hospital, igreja-escola; igreja-exército; igreja-asilo; igreja-disneylândia; igreja-shopping-center, igreja-tecnológica; igreja-projeto-social; igreja-umbandinizada.


A realidade da igreja leva-nos a uma importante pergunta: onde está a igreja? Deus tem um endereço em nossas cidades e comunidades? Se a Igreja é o Seu Corpo, o endereço da igreja não deveria estar no cartão de visitas de Deus? Se meu filho muda-se para uma outra cidade onde não houvesse uma igreja conhecida e me perguntasse de qual igreja ele deveria participar? Porque se um amigo se muda para uma cidade em outras terras e pede por uma referência, é correto dar a ele algumas marcas que poderiam distinguir a igreja de Cristo de outras assembléias. Quero enfatizar as 4 marcas ou funções principais da igreja no mundo: koinonia, kerigma, diakonia e marturia.


1. Comunidade - Koinonia:
No Novo Testamento, a palavra grega para comunidade é koinonia, uma comunidade de homens e mulheres que crêem em Jesus Cristo como Salvador e Senhor de suas vidas. Na união com Ele, concretizada pelo arrependimento e fé, os pecadores salvos pela graça de Deus são indissoluvelmente incorporados nesta comunidade ou corpo. John Stott: "Koinonia fala de nossa herança comum (do que compartilhamos aqui dentro), de nosso serviço cooperativo (do que compartilhamos lá fora) e de nossa responsabilidade recíproca (do que compartilhamos uns com os outros). No primeiro, estamos recebendo juntos; no segundo, estamos oferecendo juntos, enquanto que, no terceiro, há um doar e receber mútuos".


Esta idéia de comunidade é fundamental: Jesus nos ordena que amemos uns aos outros como Ele nos amou. Reconciliados com Deus e uns com os outros em Cristo, a igreja recebe o ministério da reconciliação (2Co 5). Este ministério, para que seja efetivo, requer uma demonstração prévia de realidade – a unidade da igreja – antes que possa sequer falar de reconciliação ou participar de qualquer mediação significativa em conflitos.


O fracasso de muitas igrejas de alcançar igualdade entre seus membros, a integração racial e entre as classes sociais silencia a mensagem de paz social em comunidades. A unidade dos crentes deve ser experimentada em comunidades locais, como testemunho da Nova Criação em Cristo. É claro que a questão é: "como os crentes podem estar em unidade quando há uma série de razões para a diversidade?" As igrejas, normalmente, estão divididas por causa de personalidade, cultura, denominacionalismo, doutrinas, etc. A imagem que Paulo tem da igreja reflete o mistério, a multiforme sabedoria de Deus, que é brilhante como as cores do arco-íris e variada como as múltiplas cores de um campo de flores (Ef 3.10). Ou seja, a unidade cristã deve ser baseada na diversidade. A igreja tem muitas partes como um corpo, mas é um só corpo (1Co 12).


O lema de Agostinho foi adotado pela Assembléia da Aliança Evangélica em Nova Iorque, em 1783: In Necessariis Unitas; In Dubiis Libertas; In Omnibus Caritas. Isso pode ser traduzido como: nas questões essenciais, unidade; nas não-essenciais, liberdade; em todas as outras, caridade.


2. Proclamação - Kerigma:
"Pregue a palavra; esteja preparado a tempo e fora de tempo" (2Tm 4.2) A palavra grega usada para a idéia de proclamação no Novo Testamento é kerygma ou simplesmente "mensagem".


Mensagem: A igreja tem uma história a contar. Na linguagem comum dos cristãos, a mensagem é que Deus já derrotou "as potestades e principados" em Jesus e possibilitou que homens e mulheres fossem "herdeiros" do Criador do mundo criado. Deus, em Cristo. Agora há descanso, restauração e redenção pela fé em Jesus, nosso Salvador. Esta proclamação ou pregação do Evangelho é indispensável. Ela nega o universalismo, o humanismo ou qualquer outra maneira de se lidar com a condição humana do pecado. A proclamação tem basicamente duas direções.


Primeira, o evangelho deve ser proclamado na igreja. Somos informados de que a igreja é feita de joio e trigo (Mt 13.25, 30, 36). A separação, contudo, terá lugar no dia do julgamento. O Senhor ainda avisa à sua igreja que existem ovelhas e bodes no rebanho (Mt 25.32). O evangelismo na igreja é um ministério necessário. Existe, assim, uma necessidade de reavivar a igreja, acordá-la do seu sono e capacitá-la para a ação. Ao mesmo tempo, também precisamos nos lembrar de que a participação no discipulado não é o mesmo que a própria salvação. O joio e o trigo crescerão juntos. Segunda, o evangelho deve ser proclamado fora da igreja. Como Jesus disse, "este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo" (Mt 24.14). Por esta razão, Cristo derramou o Espírito sobre o Seu povo. "Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas... até os confins da terra" (At 1.8).


O conteúdo da proclamação cristã é Jesus Cristo. A dimensão kerygmática do Novo Testamento se focaliza em Jesus como Senhor, Cristo e Salvador. A proclamação do evangelho feita por Paulo focalizava a pessoa de Cristo (Gl 1.16) e, mais especificamente, o Cristo crucificado e ressurreto dos mortos (1Co 1.23; 15.23). A centralidade da cruz de Cristo tem sido por muito tempo um tema de destaque na teologia e espiritualidade evangélicas. McGrath insiste "... que a Cristologia desempenha um papel decisivo na teologia e reflexão espiritual evangélicas, e fornece à teologia evangélica tanto a sua coerência intelectual quanto o seu foco evangelístico e espiritual. A questão ‘quem é Jesus Cristo?’ é, desta maneira, determinante para todo o empreendimento teológico evangélico".


3. Serviço – Diakonia:
A palavra grega diakonia é simplesmente traduzida por "serviço". A idéia básica é a do serviço à mesa, mas ela acabou sendo usada de maneira geral para serviço, comumente para tarefas domésticas. Lucas, por exemplo, registra um arranjo primário da jovem igreja em Jerusalém pelo qual os líderes servem comida às viúvas e aos necessitados em comunhão (At 6.1). O sentido de serviço não pode se limitar a isto sem se tornar barato demais. A palavra "diaconia" expressa melhor o conceito de serviço em amor que qualquer outra palavra grega relacionada. A Grande Comissão deve ser acompanhada pela Grande Compaixão em atos como alimentar o faminto, cuidar do estrangeiro e do refugiado, vestir os que estavam nus, visitar os prisioneiros... (Mt 25).


 

 

A busca pelo equilíbrio no serviço a Deus e serviço ao mundo é uma tensão contínua. Este equilíbrio, que é também o todo, é expresso nas palavras de Cristo: "Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças... ame o seu próximo como a si mesmo" (Mc 12.30-31). Estes dois mandamentos correspondem também às duas tábuas do Decálogo: leis de um a quatro, sobre amar a Deus, e leis de cinco a dez, sobre amar o próximo. A vida regenerada do pecador justificado tem dois focos principais: Deus e o próximo. Diante da natureza destes dois objetos, é óbvio que as duas principais obrigações do cristão não estejam em pé de igualdade, mas sejam inseparáveis. A adoração a Deus sempre tem precedência em importância; o amor ao próximo é o resultado inevitável.


Harvey Cox destaca que "diakonia realmente se refere ao ato de curar e reconciliar, cuidar das feridas e superar as diferenças, restaurando a saúde do organismo". Isto requer que a igreja viva entre as pessoas na comunidade, imersa em suas realidades, tendo empatia com as suas necessidades e trabalhando com elas para otimizar as bênçãos do Reino.


O serviço cristão deve penetrar em cada camada da sociedade. Como o vento, o Evangelho deve invadir toda a criação. Se a vida física é uma pressuposição necessária para a proclamação do Evangelho, então a igreja deve trabalhar com toda a humanidade e com estruturas que preservem a vida e a dignidade humanas.


A preocupação evangélica não deve ser apenas com a proclamação da graça salvadora de Deus, mas também com a promoção da graça comum de Deus no mundo, pois a graça comum se destina tanto a cristãos quanto a não-cristãos. Jesus disse que Deus "faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos" (Mt 5.45). Governo, escolas, comércio e mercados públicos são áreas legítimas para o envolvimento cristão transformacional.


Há uma razão pragmática para isso, como Edmund Burke expressa claramente: para que o mal triunfe, tudo o que é necessário é que boas pessoas não façam nada. Deus está não apenas na Igreja, mas ele preenche toda a criação.


 

4. Testemunho - Marturia:
A palavra grega para testemunho é martyria. Os mártires da igreja primitiva foram testemunhas fiéis. O risco do testemunho os levou a sofrer por amor a Cristo. Além disso, a igreja martírica reafirma a necessidade dos crentes se tornarem maduros. Paulo fala da meta que o crente deve ter de ser maduro (Ef 4.13). E ele ainda exorta veementemente: "tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo" (1Co 11.1). Suas palavras parecem sugerir que ser um cristão é "entrar em um relacionamento tão íntimo e profundo com Cristo que os crentes, de certa forma, começarão a imitá-lo em conseqüência deste relacionamento. Imitação é, desta maneira, o fruto, e não uma condição prévia, da fé. Tornar-se um cristão é começar o processo, não de conformar-se, mas de ser conformado a Cristo.


Envolve o discipulado "faça discípulos de todas as nações…" Mt 28:19. Entrar num relacionamento tão íntimo e profundo com Cristo que os crentes, de certa forma, começarão a imitá-lo em conseqüência deste relacionamento. A Palavra de Deus é indispensável para o discipulado. Paulo exortou os cristãos colossenses a deixar habitar "ricamente em vocês a palavra de Cristo" (Cl 3.16).


Cipriano de Cartago disse: Esta é a vontade de Deus que Cristo fez e ensinou. Humildade na conversação; perseverance na fé; modéstia nas palavras; justice nas ações; misericórdia no trabalho; disciplina na moral, ser incapaz de fazer o mal, ser capaz de agüentar quando o mal é feito; manter a paz com os irmãos; amar a Deus com todo o coração; amá-lo como Pai e temê-lo como Deus.


A pergunta que sempre devemos fazer é: "Que tipo de igreja queremos plantar no Brasil"? A igreja saudável vive este equilíbrio entre as ênfases da igreja, não agindo unilateralmente ou focalizando somente um ou dois aspectos. Para que a igreja seja efetiva no mundo ela deve ter uma compreensão própria de sua natureza, sua essência e funções.


Solo Deo Glória

OCUPANTES DE UMA OCUPAÇÃO OCA

Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade.
Eclesiastes 1:2


Todas as evidências indicam que Salomão é o autor deste livro bíblico. O seu título vem do grego ekklesiastes, que, em português, significa “pregador”. Esse termo, por sua vez, deriva da palavra ekklesia, podendo ser traduzida por “assembleia”, “congregação” ou o nosso verbete mais familiar, “igreja”.


O vocábulo ekklesiastes, na Septuaginta, a versão grega do Antigo Testamento, foi uma versão da palavra hebraica Qoheleth, que quer dizer: “alguém que chama ou reúne” o povo. Assim, Salomão procurou reunir o povo para falar de uma vida oca de significado, usando, cerca de 38 vezes, a palavra vaidade ou vacuidade, isto é: vazio.


Vivemos num mundo frívolo em desvanecimento. Tudo aqui é passageiro. Além do que, a vida do ego se carateriza pela futilidade de suas ambições extravagantes. Foi com esta luneta que Salomão considerou os astros vaidosos da constelação do egoísmo.


Ele escreveu este livro no final de sua jornada, depois de ter experimentado todas as facetas da vaidade em seu estilo de viver como estrela cadente. Ele foi um homem picado pelo vazio existencial, mas, parece que no final da picada, achou o sentido real da vida.


O ser humano destituído de uma intimidade relacional profunda com Deus é um ser sem significado eterno e vazio. Salomão procurou mostrar aqui, em seu canto de cisne ou em sua última cartada, que nada neste mundo escapa ao conceito da insignificância. O fazer, o ter, o saber, o poder e até mesmo o ser, sem Deus, é pura vaidade.


Somos uma raça oca investindo em nada, embora alucinada por um significado real. Vivemos em busca do preenchimento de todo espaço vazio com coisas insignificantes.


 
 
Veja bem como o rei Salomão avalia toda essa labuta humana: Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento. Eclesiastes 1:14. Não sobrou nada. Toda a nossa ocupação parece vã. É perda de tempo nos preocupar com aquilo que não nos proporciona algo de valor eterno.


A pessoa que se ocupa em buscar o sentido da vida apenas em sua ocupação, quando esta lhe for tirada e tal pessoa ficar desocupada, com certeza, acabará perdendo todo o seu sentido de viver. Muitos aposentados morrem logo depois que se aposentam. Outros procuram preencher esse vazio com algo, seja lá o que for, a fim de encontrar um sentido para a sua vida, que subsiste desmotivada.


Eu creio que o trabalho seja uma das bênçãos da criação, bem como um atributo da natureza divina. Mas a realização pessoal adquirida pelo seu esforço cheia de cansaço em tudo o que faz, é consequência do pecado. Não me venha com apologia por aqui.


Por favor, não pensem, também, que estou defendendo uma vida ociosa, inútil, sem propósito; conquanto eu mesmo admire, de coração, esse ócio criativo, por vê-lo muito produtivo. Acredito muito mais numa existência liberta dessa tirania executiva, quando eu mesmo entro no descanso acolhedor da aceitação incondicional do meu Abba. Para mim é muito gratificante viver e agir a partir da minha aposentadoria no amor de Cristo.


Deixe-me tentar explicar este ponto de vista singular. A semana velha do Antigo Pacto começava com seis dias de trabalho árduo, para depois encontrar o descanso, no final das contas, como um resultado do seu esforço estafante. O descanso era uma remuneração do desempenho bem sucedido. Isto vinha como o resultado do suor que caiu do rosto laborioso. Neste caso, era o mérito quem determinava as férias.


O modelo que Salomão apresentava de desempenho exaustivo, mas repleto de nonada, tinha como matriz esse velho esquema da “troca de favores”, em que a moeda circulante dependia do valor pessoal e da meritocracia dos excelentes. Isso, não só exibia sua nulidade essencial, isto é, o que eu fazia não valia nada, pois é efêmero; como ainda mostrava a vaidade existencial ou a arrogância do meu pobre eu, um executivo mortal.


Esse investimento insistente naquilo que está destinado ao fogo e patrocinado por uma glória em que o trono encontra-se numa lápide, lamento dizer: é lastimável. Gastar a nossa existência na terra só realizando coisas que vão perecer, ou esperando uma honra que fica sepultada, constitui-se numa maratona inatingível, correndo atrás do vento.


Sou, sim, a favor do labor proativo que visa os valores eternos. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo. João 6:27.


Trabalhar por uma subsistência que nos é dada graciosamente me parece muito, mas muito melhor que tentar conquistar por esforço aquilo que é inconquistável. Ninguém pode ser possuidor de qualquer bem aqui na terra. No máximo, pode ser mordomo.


Se a antiga semana propunha o descanso como um salário do trabalho concluído, a nova semana da graça faz com que o descanso seja a causa do trabalho, por eterna gratidão. Essa mudança de mentalidade entre a sexta-feira da paixão e o domingo da ressurreição torna o tempo sabático como causa de um trabalho radiante.


Na lei, o ser humano deveria desempenhar bem o seu encargo para poder depois descansar. Na graça, o filho descansa por causa do amor do Pai revelado no Calvário e sai para trabalhar com alegria, em razão de sua aceitação incondicional.


Aqui temos a diferença entre o odre velho e o novo; o judaísmo e o cristianismo. Para a religião judaica o êxito é fruto da obediência do praticante que o executou com o seu empenho. No evangelho, por outro lado, o sucesso é consequência de uma herança.


A religião faz do fiel vigoroso um executivo diligente, exigindo dele uma sujeição obtusa e cruel. O evangelho faz do indigente infiel, desse mendigo indigno que vive catando sentido no lixo do pecado, um filho legítimo do Pai celestial e promove a sua obediência voluntária pela subvenção do amor incondicional. Nenhum dos filhos de Abba vive instigado pelo ferrão do dever ou assustado com as exigências do medo.


Entre o trigal na igreja de Cristo Jesus, existe uma plantação de joio transplantado do judaísmo que é denominado de joio judaizante. Essa turminha se parece com cristão, mas, na verdade, é religiosa ao extremo. Tem uma linguagem semelhante, contudo, sua ênfase é a conduta moral do humanismo legalista. É uma tribo zelosa da aparência, mas sem entendimento. Tem cara de piedade, embora viva numa prisão do medo.


Na casa do Amor não há pancadaria nem pânico. Apesar da lida e de sua fadiga, não há estafa. A condição de filho e, portanto, de herdeiro de Deus, remove a pressão da mentalidade de gerente. A motivação do serviço cristão é diferente dos requisitos da religião. Todos os vossos atos sejam feitos com amor. 1 Coríntios 16:14.


Quem for filho do Deus amoroso agirá sempre com a natureza herdada do seu Pai. Veja esse velho ditado: “filho de peixe, peixinho é”. Nunca ouvi dizer que uma piaba tivesse se matriculado numa escola de natação para aprender a nadar. Tudo faz crer que o amor nos filhos de Deus é também uma expressão natural de sua natureza regenerada.


O modelo religioso requer metas úteis de execução. Para você poder ser aprovado é forçosa a satisfação de certas tarefas. Mas a postura de filho é uma questão familiar. Os descendentes não preenchem funções para serem herdeiros. A filiação é uma questão de origem genética e a intimidade é relacional. Abba não tem funcionários, nem escravos, mas filhos legítimos que são amados e amam legitimamente.


Para responder logo àqueles que costumam contestar, os filhos do Pai são servos, sim, do Irmão mais velho. No modelo bíblico, o primogênito é o senhor e os irmãos, seus servos. No caso de Cristo, nós também somos seus servos, mas voluntariamente, pois foi para isto que ele nos libertou. No reino de Deus não há serviço sob pressão.


Há muitos empresários da religião querendo se passar por filhos de Deus. Mas eles apenas são ocupantes de uma ocupação oca de qualquer sentido. Como disse o filósofo e matemático Blaise Pascal, “que vaidade constitui a pintura! Ela recebe aplausos apenas por representar coisas, enquanto que os originais nem mesmo são admirados”.


Como uma pessoa vazia de amor poderá querer viver a plenitude da filiação divina, quando ela é tão somente uma mera caricatura da realidade? Escravo não é filho, nem pode ter essa condição. Ora, se Deus for amor de verdade e um Pai amoroso, com toda a certeza, os seus filhos, no mínimo, manifestam essa natureza no que fazem.


Não me falem em amadurecimento neste caso. Amor é amor. Talvez a piaba não possa nadar tão bem como um dourado de 8 kg, mas ela nada com desenvoltura. Você e eu, como filhos de Deus, podemos não amar plenamente como Deus nos ama, mas amamos com uma porção da plenitude do seu amor derramado em nossos corações.


A religião tenta identificar sua espécie pela conduta externa, pela “santidade” de fachada, pelo conhecimento armazenado, enquanto o evangelho da graça revela o amor do alto como a identidade singular dos filhos de Deus. Jesus afirmou com precisão que os seus discípulos seriam identificados apenas pelo amor. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros. João 13:35. Aqui não há vaidade, pois esse amor não é dele, foi derramado em seu novo ser.


A vida cristã autêntica começa com o Pai nos fazendo morrer com Cristo crucificado, para, em seguida, sermos substituídos pela vida de Cristo ressurrecto. Cristo em nós é a essência do evangelho e a consciência de que o amor do Pai se manifesta através de cada um de nós. Assim, ninguém pode se envaidecer desta vida doada imerecidamente.


Não há vaidade em quem é nada, embora, Aquele que viva nele seja o tudo. Nunca se ouviu falar de um morto vaidoso. A vida cristã dispensa o ego por causa da sua morte na cruz com Cristo, sendo substituído pela vida suficiente de Cristo na ressurreição.


Todo aquele que tenta viver a sua vida por conta própria, encontra-se ocupado numa ocupação oca. Mas aquele que foi substituído pela vida de Cristo tem o seu vazio interior ocupado por Aquele que é o significado de uma humanidade aceita no amor eterno.


 

 

Glória a Deus pela suficiência da graça e pela nossa aceitação furiosa no amor do Pai. Glória a Deus pela evaporação de qualquer vaidade nesse processo de identidade como filhos de Deus, sem a menor exigência de mérito. Glória a Deus porque podemos viver tranquilamente no descanso como aposentados pela suficiência de Cristo.


Solo Deo Glória

domingo, 22 de abril de 2012

ENOQUE ANDOU COM DEUS


Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si”. Gênesis 5.24


Todos os anos quando se aproxima a data do meu aniversário surge-me o questionamento sobre o sentido da vida. Depois de algum tempo, sou levado a lembrar que a minha avaliação será sempre limitada quando o ponto de partida sou eu mesmo. Quando isso acontece nada mais funciona, a não ser voltar-se para Deus, a fonte da vida. A Bíblia sintetiza em poucas palavras a vida de um homem que estava totalmente alinhado ao Seu propósito. Seu nome era Enoque. Não há muitos detalhes sobre a sua vida. Poderíamos imaginar que se houvesse uma lápide em seu túmulo, nela poderia estar escrito as seguintes palavras: "Enoque andou com Deus". Porém, seu destino foi outro, "porque Deus o tomou para si".


A Bíblia fala de dois homens com o nome de Enoque. O primeiro aparece no capítulo 4 de Gênesis, trata-se do filho de Caim. "E coabitou Caim com sua esposa; ela concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho". Gênesis 4:1. Este Enoque está relacionado com o surgimento da cidade. A civilização nasce com Caim. Aparece o homem político (da polis – cidade), o homem artista e o homem artesão. Desde então, a auto-suficiência e a violência se multiplicaram gerando uma sociedade fundada na hostilidade e na competição. Portanto, o caminho do primeiro Enoque está ligado ao mundo e à glória dos homens.


O segundo Enoque é um dos descendentes de Adão. Sua caminhada tomou outro rumo. Uma caminhada caracterizada pela amizade com Deus. Enoque "recebeu testemunho que tinha agradado a Deus". Hebreus 11:6. Em Gênesis 5, em meio à genealogia de Adão, em que ocorre oito vezes a expressão - "e morreu" – aparece um breve comentário sobre Enoque. Algo inédito acontece. Uma quebra da narrativa é feita. Enoque não experimenta a separação de Deus, ou seja, a morte.


O que fez Enoque se tornar tão especial para Deus? Quais são os ensinamentos que podemos aprender com este moço? ( Enoque viveu apenas 365 anos, ainda jovem para a expectativa de vida de sua época. Seu pai, Jarede, viveu novecentos e sessenta e dois anos. Seu filho, Matusalém viveu novecentos e sessenta e nove anos.)


O verbo "andar" vem do vocábulo hebraico "Klh" – (halak) que, além de outros, tem o sentido de "caminhar aproximadamente", "caminhar junto de", "conduzir". Este sentido nos traz a idéia de proximidade, comunhão. Enoque desfrutava de uma comunhão íntima com o Senhor. Caminhava junto dele. Andar com Deus significa primeiramente um encontro, uma vida de comunhão e uma vida alinhada com o propósito Deus. A vida é uma caminhada. Tudo começou no Édem, um lugar maravilhoso, o jardim de Deus. Lugar de harmonia e comunhão entre Deus e o homem. Alí Deus se comunicava e "andava no jardim pela viração do dia" Gênesis.3.8. A queda derrubou o homem desta posição e o desalojou deste espaço, dando início a uma longa e pesada caminhada fora do paraíso. O resultado da desobediência dos nossos pais (Adão e Eva) foi a morte. "Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram". Romanos 5:12. A humanidade conheceu a morte em suas três dimensões. Morte espiritual - separação espiritual de Deus. Morte física - separação do corpo físico e, morte eterna - separação final de Deus (ainda por acontecer).


Depois do pecado não havia mais caminho para se chegar até Deus. Os filhos da rebelião não poderiam ter acesso a Deus se Ele não tivesse vindo até nós através da encarnação de Cristo. Para que pudéssemos gozar a união com Deus, Cristo sofreu a separação no Calvário. O grito de dor ecoou pelo universo: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste"? Mateus 27:46. Ele assumiu a dor da nossa solidão para nos dizer: "Agora podemos estar juntos novamente". Segundo as Escrituras, fomos crucificados com Cristo, sepultados, ressurretos e feitos co-herdeiros com Cristo. Fomos reconciliados e recolocados dentro dos planos de Deus. Eis a razão de Emanuel - Deus conosco. Contudo, esta é apenas a porta para uma longa caminhada. A cruz é a porta. O destino é Deus Pai e o caminho é o próprio Cristo. Uma vez salvos, inicia a caminhada de experimentar a Suficiência de Cristo, cujo destino final é participar da glória e do reino do Senhor Jesus Cristo sobre todas as coisas.


Andar com Deus é tornar-se a cada dia mais parecido com Ele. Enoque estava tão ligado a Deus que encontrava Nele todos os recursos que necessitava. Ele abriu mão de si mesmo, não era mais dirigido por seus próprios pensamentos, sonhos ou planos, mas sim, por Deus. Esta é a experiência dos que estão em Cristo É ser influenciado de tal maneira que não existimos mais para nós mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou. "Não mais eu, mas Cristo; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus". Gálatas 2:20. A fé foi a característica básica da vida de Enoque. Em Hebreus capítulo 11:6-7 lemos: "Pela fé, Enoque foi trasladado para não ver a morte; não foi achado, porque Deus o trasladara. Pois, antes da sua trasladação, obteve testemunho de haver agradado a Deus. De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproximar de Deus creia que ele existe e que torna galardoador dos que o buscam". A palavra fé no original grego nos dá a idéia de: união, convicção, fidelidade e confiança. Enoque possuía uma tremenda confiança em Deus e em sua Palavra. Pela fé Enoque estava unido a Deus. Tornou-se um com Deus e isto agradou a Deus.


Em Amós 3:3 lemos: " Como andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo"? O homem pós-queda (Gênesis 3) tem muita dificuldade para se submeter à Deus. Enquanto os que vivem sem Deus no mundo procuram saciar sua sede de sentido em coisas estranhas, aqueles que andam com Deus, pela fé, se deleitam com os detalhes mais rotineiros de sua vida, pois sabem que em cada situação, cada gesto, em cada palavra Deus está bem presente. A presença de Deus ilumina cada detalhe de nossa vida e nos torna pessoas satisfeitas e agradecidas. Andar com Deus significa tornar-se mais parecido com Jesus Cristo. É crescer "na graça e no conhecimento do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo".


Esta caminhada não se dá individualmente. Ela se dá como povo de Deus, como Igreja. É nessa caminhada que aprendemos com todos os santos a comunhão, a edificação e a adoração. É o cumprimento da promessa de Ezequiel 11:19. "Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne; para que andem nos meus estatutos, e guardem os meus juízos, e os executem; eles serão o meu povo, e serei o seu Deus". A Igreja caminha com o Senhor. Ela goza do cumprimento da promessa de um novo coração. Da promessa de novo espírito, e da promessa de um novo andar.


Não pense que as características do tempo em que viveu Enoque eram melhores que as nossas. Em Judas há indicações sobre o momento em que ele viveu - um tempo impiedoso. A palavra "ímpio" ocorre duas vezes no livro de Judas e vem do termo grego "asebhv" – (asebes), usado para descrever uma pessoa "descrente", "perversa", "destituída do temor de Deus". Esta era a situação dos homens do seu tempo. "Para estes também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor com os seus milhares de santos, para executar juízo sobre todos e convencer a todos os ímpios de todas as obras de impiedade, que impiamente cometeram, e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram. Estes são murmuradores, queixosos, andando segundo as suas concupiscências; e a sua boca diz coisas muito arrogantes, adulando pessoas por causa do interesse".Judas 14-16. Vemos que Enoque profetizou. Somente um verdadeiro amigo poderia conhecer os caminhos de Deus. Enoque falou sobre a segunda vinda de Cristo, com os seus milhares de santos para executar juízo sobre o mundo.


Enoque também é um símbolo daqueles que não dormirão, mas que serão transformados, "num momento, num abrir e fechar de olhos" ( 1 Coríntios. 15:51-52). Transladação, e não morte, era a esperança de Enoque. Este também é o destino da Igreja. A Igreja, à semelhança de Enoque, será tirada do meio do mal que a rodeia. Enoque foi tirado antes que o dilúvio acontecesse "se romperam todas as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus se abriram" Gênesis 7:11. Enoque foi levado antes que a maldade humana tivesse atingido o seu máximo, e antes do julgamento divino ser desencadeado. Enquanto aguarda a segunda vinda de Jesus, a Igreja caminha no mundo proclamando o evangelho da salvação, a completude em Cristo.


A vida de Enoque demonstra que a união com Deus não somente nos livra da condenação do pecado, como também nos faz cumprir o propósito original de Deus para conosco. Deus ficou satisfeito com Enoque, por isso, tomou-o para si, não permitindo que ele experimentasse a morte. Ilustra também o destino do homem - a união com Cristo para experimentar a plenitude da vida: Salvação, Santificação e Glorificação. Em Miquéias capítulo 6:8 encontramos: "Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus". Não é possível andar com Deus sem a cruz e sem Cristo. Jesus disse: "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me". Mateus 16:24. Andar com Deus por meio de Cristo não é a melhor maneira de viver, é a única maneira de viver, sem o que, nada mais funciona. Com certeza você conhece o ditado: "Diga com que andas e direi quem tu és". Sendo assim, com quem você tem andado ?


Solo Deo Glória

ESPERANDO CONTRA A ESPERANÇA

Abraão, esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe fora dito: Assim será a tua descendência. Romanos 4:18 (NIV).

Richard Sibbes disse que a natureza da esperança é esperar no que a fé crê. A experiência cristã está fundamentada em três pilares básicos: Fé, esperança e amor. O último é a própria essência de Deus e o único que permanece depois da sepultura. A fé é a visão do coração quando se defronta com a palavra de Deus. Usando os óculos da fé, o confiante é capaz de ver o invisível ao focalizar a revelação da palavra de Deus. O espírito vivificado pela pregação do evangelho da graça ousa ir além do que é possível ver, e acaba vendo além do que é possível crer. Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. Hebreus 11:1. No âmbito da fé está a convicção plena da esperança e o sinal visível para a cegueira total.



A lucidez do crente se baseia na iluminação da palavra de Deus, que lhe garante a estabilidade de uma esperança segura. A luz está para a visão, assim como a palavra de Deus está para a fé. Sem a revelação da palavra de Deus não há qualquer evidência de fé, e sem o menor indício de fé, não há vestígio de esperança. A palavra de Deus causa a fé no coração descrente, gerando uma atitude de confiança que se recusa entrar em pânico em razão da esperança dominante. Pois nessa esperança fomos salvos. Mas, esperança que se vê não é esperança. Mas se esperamos o que ainda não vemos, aguardamo-lo, pacientemente. Romanos 8:24-25.


No fundo da experiência genuína dos crentes reside uma certeza inabalável de que as promessas divinas são inquestionáveis, portanto, não é possível se desesperar quando Deus está por trás de qualquer afirmação. Abraão sofreu por algum tempo de incredulidade impaciente e tomou algumas atitudes nada recomendáveis. Porém, Deus se revela a ele como El-Shadai, o todo-poderoso, capaz de torná-lo realmente esperançoso, diante daquilo que lhe parecia impossível. Quando o Onipotente afiança a sua palavra, não há problema sem solução, como insiste o Senhor, através do profeta. Eu sou o Senhor, o Deus de toda a humanidade. Há alguma coisa difícil demais para mim? Jeremias 32:27.


Abraão foi o homem bíblico que experimentou mais de perto a esperança contra a esperança, já que era um velhusco impotente sexual e sua mulher estéril, e em avançado estagio da menopausa, recebera a convicção de que seria pai de muitas nações, conforme a palavra declarada pelo Senhor. Sem viagra por perto ou qualquer outro energético viril, Abraão via algo ainda maior do que a impossibilidade humana, pois enxergava a mão onipotente operando em meio à sua debilidade completa. Pela fé Abraão – e também a própria Sara, apesar de estéril e avançada em idade – recebeu poder para gerar um filho, porque considerou fiel aquele que lhe havia feito a promessa. Hebreus 11:11.


A grande necessidade da verdadeira geração da fé é a plataforma firme e constante da palavra imutável do Deus que pode tudo, para que ela possa andar com total garantia. Se tivermos a segurança que o Deus onipotente está nesse negócio, não resta a menor dúvida para o êxito do empreendimento. Se o Senhor Deus estiver abonando um projeto qualquer, por mais difícil que pareça, e por mais impossível que o vejamos, há verdadeira esperança para o sucesso. Pois nada é impossível para Deus. Por isso há esperança para o futuro, declara o Senhor... Lucas 1:37 e Jeremias 31:17a.


É costume dizer por ai que a esperança é a última que morre, mas eu prefiro afirmar por aqui, que a esperança é a primeira que ressuscita e nos acompanha até o nosso descanso físico. Logo que Cristo ressuscitou dos mortos, o desânimo dos seus discípulos foi substituído por um alento sem medida. Um grupo desarticulado e desmotivado subitamente toma outro ânimo e assume uma outra postura. A verdade clara dos fatos fica por conta da esperança que brotou da sepultura. Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Conforme a sua grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança viva, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos. 1 Pedro 1:3. Não há dúvida: Deus nos regenerou através da ressurreição de Jesus Cristo, para uma viva esperança.


Na mitologia grega há uma lenda que fala de Pandora, a primeira mulher enviada ao primeiro homem, Epimeteu, com uma caixa contendo todos os bens e todos os males. Foi-lhe dito que não descerrasse por nada aquele cofre. Mas, invadida pela curiosidade tão fértil no gênero feminino, Pandora não se conteve e abriu o baú. Todos os bens e males escaparam da arca, ficando apenas a esperança. Assim, sejam quais forem as circunstâncias, ainda resta a esperança para os sofrimentos que se abatem sobre a humanidade. No fundo da caixa torácica habita uma flama de esperança, que é a última que morre. Ninguém pode viver sem esperança. Todas as religiões do mundo falam dos seus líderes como homens, com alguma expectativa, que estiveram vivos nesse planeta por algum tempo, mas agora se encontram mortos. O evangelho, entretanto, prega a Cristo que viveu aqui na terra, foi morto, contudo está vivo eternamente. Alguém já disse que as melhores notícias que o mundo já ouviu, que enchem os corações de esperança, vieram de um túmulo vazio. O cristianismo é o único sistema de vida espiritual em que a esperança não morre. Ora o Deus da esperança os encha de toda alegria e paz, por sua confiança nele, para que vocês transbordem de esperança, pelo poder do Espírito Santo. Romanos 15:13.


A tumba vazia encheu de esperança os corações dos discípulos. Eles não ficaram amarrados como prisioneiros dos acontecimentos que redundaram na morte de Jesus, pois a ressurreição trouxe uma nova perspectiva para a história da humanidade. Agora há um ponto de vista original a respeito de uma vida nova que vai além do cemitério, palavra de origem grega que equivale a dormitório. A morte já não mais apavora como o ponto final da existência, pois a vida ressurreta abriu caminho para uma viva esperança. Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de compaixão. 1Coríntios 15:19.


John Bunyan dizia que a esperança nunca vai mal quando a fé vai bem. Se a nossa fé se alicerça na vitória plena de Cristo, então não há beco sem saída na caminhada do cristão. Mesmo nos dias mais tenebrosos, a esperança sempre consegue divisar o brilho do céu através das nuvens mais espessas. No perímetro da esperança não há cortina de sofrimento capaz de anuviar o fulgor da aurora. A tarde sombria da sexta-feira jamais ofuscará o esplendor glorioso da madrugado do domingo. Por isso: O choro pode persistir uma noite, mas de manhã irrompe a alegria. Salmo 30:5b. O jargão mais adequado para o sotaque do cristão é essa aleluia iluminada de esperança.


Cristão sem esperança é um descrédito na suficiência de Cristo ressuscitado. Esperança sem alegria é uma difamação ao evangelho da graça. Alegria sem louvor é uma calunia ao estilo da verdadeira crença. Mesmo quando tudo parece impossível, se a nossa fé está firmada na palavra de Deus, não há lugar para o desânimo, nem para a reclamação. Abraão não olhava para a senilidade do seu corpo, nem para os impedimentos físicos de sua mulher, pois ele não duvidou de que Deus pudesse realizar completamente a sua promessa e nunca perdeu a fé. Pelo contrário, a sua fé se tornava cada vez mais forte, enquanto ia dando louvores e glorificando a Deus. Romanos 4:20

A esperança contra a esperança é a evidência sublime da fé que se apropria na certeza inalterável da palavra de Deus, para em seguida perseguir o alvo gracioso olhando sempre na fidelidade de quem fez a promessa, louvando-o pela sua soberania. Como disse Peter Anderson, "esperança" é a abreviatura bíblica de certeza incondicional. A esperança do cristão de chegar à glória não está no fato de que Cristo está nele, mas sim em o Cristo que está nele ser um fato. Louvemos a Deus, porque essa esperança nunca murcha. Aleluia.


Solo Deo Glória

CEGO DE NASCENÇA


E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença. João 9:1.


Gênesis e João são os dois livros que falam do "princípio". Gênesis narra o princípio das coisas criadas. O evangelho de João fala do "principio", da eternidade. Em Gênesis, vemos como se deu o início do pecado; em João, vemos como se dá o fim do pecado. Em Gênesis, o pecado é definido como a transgressão da palavra de Deus; No evangelho de João, o pecado é definido como incredulidade.


O homem em pecado está em profundas trevas. Sua condição é de uma criatura caída, totalmente depravada. O profeta Isaías, por revelação divina, nos mostra a verdadeira condição do homem nascido neste planeta terra. Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, tu, ó terra; porque o SENHOR tem falado: Criei filhos, e engrandeci-os; mas eles se rebelaram contra mim. O boi conhece o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende. Ai, nação pecadora, povo carregado de iniqüidade, descendência de malfeitores, filhos corruptores; deixaram ao SENHOR, blasfemaram o Santo de Israel, voltaram para trás. Por que seríeis ainda castigados, se mais vos rebelaríeis? Toda a cabeça está enferma e todo o coração fraco. Desde a planta do pé até a cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, e inchaços, e chagas podres não espremidas, nem ligadas, nem amolecidas com óleo. Isaías 1:2-6.


O "mundo" está envolto em densas trevas. Cada um de nós traz no coração o peso desse estado. Porque eis que as trevas cobriram a terra, e a escuridão os povos. Isaía60: 2:a. Um fato importante que as Escrituras nos revelam é que esse estado em que o " mundo" se encontra é fruto de uma desobediência do cabeça da raça humana. Mas você pode se perguntar: o que tenho a ver com a desobediência de Adão? A verdade é que nós existimos por causa dele; isto significa que, quando Deus o criou, nós estávamos nele. Portanto, se Deus não tivesse criado Adão, nós não existiríamos. Assim sendo, quando Adão caiu, ele nos levou junto nessa queda, porque estávamos nele.


E por essa queda todos nós nascemos espiritualmente em profundas trevas. Por isso, quão necessários é sermos guiados pela "Luz". A realidade desse fato está exemplificada na história da saída dos israelitas do Egito para Canaã. O Egito é um tipo de trevas. Deus os tirou das trevas para guiá-los sob uma coluna de nuvem. E o SENHOR ia adiante deles, de dia, numa coluna de nuvem para os guiar pelo caminho, e de noite, numa coluna de fogo, para os iluminar, para que caminhassem de dia e de noite. Êxodo 13:2. O Senhor não só tirou o Seu povo do domínio das trevas, mas desceu para conduzi-los durante a viagem pelo deserto. Pois Deus sabia perfeitamente dos perigos existentes nessa jornada. "O caminho do deserto" era uma rota cheia de obstáculos. Aqui vemos a presença constante da "Luz". Ai daquele que caminha neste mundo sem a presença da Luz!


No evangelho de João, no capítulo 8, o nosso Senhor se revela perante os homens como a luz do mundo, e no capítulo 9, Ele é a luz em ação, revelando-nos o que faz no homem. "E passando Jesus, viu". Isto era a graça divina. Este cego de nascença não só recebeu a "luz do dia", a cura física, como também "a Luz da vida, a salvação da alma. Isto se cumpre porque o nosso Senhor disse: Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida. João 8:12.


"Cego de nascença": Essa é a condição de todos aqueles que nascem neste mundo, cegos espiritualmente, sem entendimento, em profundas trevas. Por isso ele não pode ver sua condição, ele não pode ver que necessita de um Salvador. É preciso que o Salvador o veja para que este receba visão. "E passando Jesus, viu um cego de nascença". O Senhor faz, com a Sua saliva, lodo da terra e aplica-o nos olhos do cego de nascença.

Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego. João 9:6. Este barro figurava a humanidade de Cristo na Sua humilhação terrestre e na Sua humildade, apresentada aos olhos dos homens. Jesus mandou o cego se lavar com água: E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa o Enviado). Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo. João 9:7. Água, nas Escrituras, tipifica a palavra de Deus; o cego obedeceu imediatamente sem questionar, não fez nenhuma pergunta, e o resultado foi que ele ganhou visão. Este milagre foi realizado fora do "templo", e isso mostra que o homem está alienado, distante de Deus.



Siloé quer dizer "Enviado". O poder do Espírito e da Palavra faziam conhecer Cristo como sendo o Enviado do Pai, transmitindo, ao cego, visão. Esta é a história da graça de Deus agindo no coração do homem. A graça da parte de Deus descendo, Cristo, como homem, para nos dar visão – O VERBO DE DEUS – descendo até às necessidades e às circunstâncias do homem. Deus-Homem se "curva" diante dos homens caídos para elevá-los ao conhecimento da Sua gloriosa Pessoa. E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. João 1:14.


É o Verbo de Deus feito carne, feito homem, que habitou entre nós na plenitude da graça e da verdade. Eis o grande fato de que o Evangelho nos fala: Deus-Homem entre os homens. A perfeita expressão de Deus, tomando a própria natureza do homem quanto a tudo que se encontra no homem, indo ao encontro de todas as necessidades humanas. É a expressão perfeita Daquele que é cheio de graça, fonte de toda a benção. A glória em que Jesus Cristo se manifestou era a de um Filho Unigênito vindo da parte do Pai, de quem pode dizer: E, estando ele ainda a falar, eis que uma nuvem luminosa os cobriu. E da nuvem saiu uma voz que dizia: Este é o meu amado Filho, em quem me comprazo; escutai-o. Mateus 17:5.


A graça se manifestou em favor dos perdidos, graça essa fruto do amor de Deus. A vinda de Cristo a este mundo nos revelou dois fatos: o verdadeiro caráter de Deus e o dos homens. Deus é perfeito como somente Ele pode ser, Deus é amor. Mas o homem é totalmente depravado em seu caráter. O amor brilha em todo o seu fulgor, e a graça é-nos dada! A verdadeira Luz, vinda ao mundo, brilhava para todos os homens, e o mundo, mergulhado em trevas e cego, não o compreendeu. Como o cego de nascença não pode ver o Salvador, nós também não podemos vê-Lo, pois é necessário que os nossos "olhos" sejam "lavados" com água, símbolo da palavra de Deus, para ganharmos a visão da "Vida".


Por isso, o nosso Senhor disse: "Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas". O nosso Senhor presta testemunho de Si mesmo. Jesus afirma categoricamente: "Eu sou", nome supremo de Deus. Grandiosa revelação! Que sublime revelação para aqueles que O seguem. O próprio Deus é a própria bondade neste mundo de trevas. Graças sejam dadas a esse Deus que se interessou pelos homens. Sublime amor!


A morte é o fim do homem enquanto o homem está neste mundo. Não resta senão o Juízo de Deus. E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo. Hebreus 9:27. O homem está realmente em profundas trevas, mas Deus em Cristo intervém em graça. Cristo tomou a vida humana em graça e sem pecado; e, nesta vida, na qual não conheceu o pecado, tomou o pecado sobre Si, para que Nele recebêssemos a vida. Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus. Quanta honra para Deus quando o Senhor Jesus foi voluntariamente para a cruz a fim de ali glorifica-Lo, quando na cruz restituiu o que a humanidade perdeu em Adão.


O pecado trouxe morte e a morte lançou trevas sobre a face da terra. Mas o nosso Senhor trouxe o poder da vida divina ao seio da morte. E a morte foi aniquilada diante desse poder, porque, onde há "Vida", a morte já não existe. Deus é glorificado nesta obra de graça, e é a glória do Filho de Deus que resplandece trazendo vida eterna ao homem morto em delitos e pecados. Foi na cruz que o Senhor abriu as comportas eternas do amor, caso contrário, ficariam fechadas para sempre.


Se o nosso Senhor Jesus continuasse até os dias de hoje percorrendo o mundo "fazendo o bem", o véu do templo continuaria inteiro, e o mundo, completamente mergulhado em profundas trevas. Foi a Sua morte na cruz que rasgou essa "misteriosa" cortina de alto a baixo. E Jesus, dando um grande brado, expirou. E o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo. Marcos 15:37-38. O pecado tinha de ser aniquilado, todo o poder do inimigo devia ser destruído. Como poderia acontecer isto? Somente pelo derramamento de sangue. O caminho de entrada para a "Luz" foi salpicado pelo sangue. A cruz foi o grande e único ato pelo qual o homem é transportado do "império das trevas" para a luz. O nosso resgate não foi na manjedoura, nem no jardim do Getsêmani, nem no deserto, nem no monte da transfiguração, mas somente sobre o madeiro. E foi ali que Ele inclinou a Sua bendita cabeça e deu a Sua preciosa vida sob o peso das trevas, e disse: "Está Consumado". Deus aceitou o valor desse sacrifício e ressuscitou o Seu bendito Filho de entre os mortos, glorificando-O à Sua destra. Este mundo é na verdade um lugar de trevas. Mas, no coração de um nascido de novo, já não existe noite. Ele foi chamado das trevas para a luz admirável de Deus. Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. 1 Pedro 2:9. A Estrela da manhã apareceu em seu coração, e, portanto, nele há luz. Conheceu o Senhor Jesus Cristo como o Sol da justiça e também como a Estrela da alva. E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações. 2 Pedro 2:19.


Na cruz, tudo foi realizado por nós. Fomos libertos de nós mesmos para nos ocuparmos com a Sua glória. Fomos feitos reis e sacerdotes para Deus, que nos selou em Cristo com o Espírito Santo. Que cada um de nós possa dizer: "uma coisa sei, é que, havendo eu sido cego, agora vejo". Amém.


Solo Deo Glória

NA TRIBO DA TRIBULAÇÃO

Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por tribulações; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo. João 16:33
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Jesus falou de um tempo de tribulações, onde os seus discípulos seriam expulsos das sinagogas, levados aos tribunais e perseguidos, através de várias formas atrozes.


Ele afirmou que estas tribulações advinham do fato de seus discípulos não fazerem parte do sistema que governa este mundo, ou não serem do mundo. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia. João 15:19.


A igreja é a seleção dos indigentes. Jesus escolheu os piores do mundo para receberem de graça, a sua graça, a fim de tomarem parte de um novo fato espiritual. Esta coletividade é a tribo dos eleitos pela graça, que vive só por meio da graça. Seu estilo de vida fere a pose mundana do merecimento, que acaba perseguindo os aceitos incondicionais.


O mundo é a expressão do mérito pessoal. Caim matou Abel só por causa dos merecimentos que lhe eram próprios. Ele não poderia aceitar que o seu irmão pudesse ter sido aceito pela graça, enquanto ele fosse rejeitado pelos seus méritos. A graça ofende ao mérito em sua essência. Como pode o indigno ser benquisto e o digno ser malvisto?


A questão está na origem do desempenho. A graça se baseia nos feitos de Deus, enquanto os méritos, nos feitos humanos. E os feitos exigem glória. O mundo existe por causa do mérito incrustado nos valores humanos. A igreja subsiste por causa da opulência dos favores divinos. Assim, o que tem valor não tolera viver de favor. De quem é a glória?


O mérito não suporta a premiação de quem tem demérito. Favorecer o indigno é uma das maiores ofensas para o valoroso. Nada pode ser mais ultrajante no mundo, do que a aprovação do vil. Como a graça aceita o pecador desprezível pelo favor de Cristo, quem tem valor, não pode apoiar tal aceitação, e, deste modo, deflagra-se a aversão.


A igreja é uma reunião da triagem dos rebotalhos ou escorias do mundo. Paulo sabia desta eleição destoante, quando disse que Deus escolheu as pessoas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus. 1 Coríntios 1:28-29. Não há coisa alguma que se compare a este método de seleção, no mundo da meritocracia.


Talvez, algo parecido aconteça somente no voto de repúdio numa democracia inculta, quando os incivilizados e revoltados, irritados com os aproveitadores do poder, acabam elegendo os piores candidatos a parlamentar, como um grito para lamentar.


Fora disto, só o evangelho é capaz de aceitar os piores pecadores. Contudo, há uma diferença marcante entre os dois, uma vez que, na democracia estupidificada, os palhaços são eleitos pelos rebeldes ignorantes, como a tiririca do seu jardim, enquanto no evangelho, estes indignos são aceitos pela misericórdia em Cristo, como filhos de Deus.


As seleções no mundo dos esportes, por exemplo, não praticam este critério de aceitação dos piores ao escalar o seu time. Os bons empresários também não concordam com este tipo de triagem na formação da sua equipe de trabalho.


O governo do mérito não admite os mendigos assentados em tronos. Por esta razão disparatada é que surge a revolta da benemerência contra os deploráveis. Esse acossamento é uma demanda da visão vesga do ego, que confunde o donatário com o donativo.


Quem almeja ser o dono da coisa não lida muito bem com a ideia de viver de donativos. Como posso ser o donatário do mundo, vivendo às expeças das petições? A prece é degradante para quem se apressa a viver como deus neste mundo. É melhor rebelar-se.


O mundo é sempre o que persegue. A igreja é, continuamente, a perseguida. Mas o mundo pode estar dentro da igreja, quando esta estiver perseguindo o indigente. Se houver ódio e perseguição na via de um peregrino, aqui na terra, nunca será por parte da igreja de Cristo. Trata-se, com certeza, do mundo infiltrado na igreja.


A igreja sendo perseguida é normal. Uma igreja perseguidora é, de fato, anormal, pois se trata de uma corporação mundana. Aquele que persegue aos outros não pode ser um discípulo de Cristo. Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. João 15:20.


Jesus nunca perseguiu a ninguém, mas foi sempre perseguido pelos melhores exemplares deste mundo. Porém, o mundo que o perseguia encontrava-se muito bem camuflado no seio da religião do seu povo. Não era a turma política de Roma, mas a politiqueira de Jerusalém quem promovia a sua perseguição.


A tribo atribulada não está sendo apenas atacada diante das tribunas e dos tribunais externos, mas, e principalmente, pela tripulação interna, entre os falsos irmãos ocupando a liderança, sob o manto insuspeito da vida espiritual.


A infiltração disfarçada do joio no meio do trigal é uma das táticas mais astutas do adversário. Aqui reside um dos mais terríveis ardis de demolição da paz eclesiástica.


Os inimigos de Cristo foram primeiramente violentos. Eles perseguiam a igreja de forma cruel, sem dó nem piedade. Mas o tiro saiu pela culatra. “Cada gota de sangue era um grão que brotava e se espalhava”. Enquanto um cristão era torturado e morto, dez passavam a existir em seu lugar. A morte de um, era o surgimento de um punhado a mais.


O método foi ineficiente. Então passaram à oposição ideológica. Também não deu certo. Os argumentos racionalistas não puderam sufocar o estilo de vida. A realidade cristã não é apenas doutrinária, mas, acima de tudo, uma experiência de vida com Cristo.


Se nem a perseguição bárbara, nem a oposição das ideias puderam arrefecer o desenvolvimento do cristianismo, então as suas hostes precisaram dar à luz uma estratégia mais brilhante, para poder conter o avanço da fé cristã. E, foi assim, que promoveram a infiltração dos falsos cristãos, para confundir a realidade espiritual da igreja.


Se a perseguição intensa e a oposição ideológica não foram eficientes o bastante, com certeza, a subversão tem se mostrado um método competente para anular o crescimento da igreja, tanto em sua qualidade moral como espiritual. O falsificado vem corrompendo com sutileza lenta e quase invisível a fé autêntica.


No tempo do apóstolo Paulo já havia uma semente desta espécie no seio da igreja. Ele traz à baila a sua cara artificial e resiste com firmeza aqueles que ele denomina de falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão; aos quais nem ainda por uma hora nos submetemos, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós. Gálatas 2:4-5.


Por causa deste joio fingindo-se de trigo, muita dor é alastrada nas entranhas da igreja de Cristo, causando desconfiança e animosidade, sem uma razão plausível. Confio de vós, no Senhor, que não alimentareis nenhum outro sentimento; mas aquele que vos perturba, seja ele quem for, sofrerá a condenação. Gálatas 5:10.


O apóstolo demonstra que há um juízo divino passando por cima da cabeça daqueles que perturbam a unidade do Espírito, no vínculo da paz, entre os irmãos.


Os judaizantes são análogos aos cristãos, embora esta parecença fique apenas nas aparências externas. A conduta se assemelha, mas a motivação é bem diferente. O cristão é movido à graça, enquanto o judaizante ao mérito. Aqui jaz uma distinção opositora.


Há uma pendenga antiga entre Ismael e Isaque. Entre o filho da carne e o descendente da Promessa. Entre a potência humana e a fraqueza pessoal. Ou ainda, entre o legalista e o que vive pela graça. Mas esta guerra nunca é ao contrário, além do que, essa briga unilateral sempre se atualiza. Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora. Gálatas 4:29.


A tribo da graça, sucessivamente, é atribulada pela turma das láureas. Aqueles que gostam de exibir as condecorações acabam descendo as pauladas naqueles que, sem méritos, são aceitos, incondicionalmente, como filhos de Abba. Assim, “feridas e contusões são as únicas medalhas que os santos carregam no corpo, por causa da sua fé no Cordeiro”.


A tribo da tribulação é atribulada por depender da graça plena, mas ela nunca será uma causa de atribulação na experiência de outros. O filho de Abba é atribulado no mundo, sem, contudo ser o motivo de atribular, voluntariamente, os outros seres humanos.


 

 

 

Nossa cartilha magna reza: Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo. 2 Coríntios 4:8-10.


Ser um perseguido, mas, jamais um perseguidor, é a marca de um legítimo cristão. Viver atribulado, mas, nunca atribulando os adversários, é o que nos torna mais semelhantes ao Senhor Jesus Cristo. Por isso, como o apóstolo, um membro honorário desta tribo, nós podemos aprender a fazer festa no desgosto. Mui grande é a minha franqueza para convosco, e muito me glorio por vossa causa; sinto-me grandemente confortado e transbordante de júbilo em toda a nossa tribulação. 2 Coríntios 7:4.


Solo Deo Glória

A VISÃO CELESTIAL

"Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial". Atos 26:19
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O apóstolo Paulo, em sua defesa perante o rei Agripa, faz alusão à visão celestial que o marcou definitivamente em toda a sua jornada terrena. Ele foi um homem demarcado, no caminho de Damasco, pela revelação de Jesus Cristo crucificado e ressurreto.


Saulo era um fariseu convencido, convincente e fanático. Foi um perseguidor implacável da Igreja, até o momento desta súbita visão. Seguindo ele estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor, e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Atos 9:3-4.


Esse judeu apaixonado viajava com outros correligionários exaltados na busca dos cristãos dispersos, para persegui-los e exterminá-los. De repente, uma aparição imprevista. Jesus resolveu dar as caras no caminho e mudar a agenda deste maníaco religioso.


A visita era bem reservada, ainda que ele estivesse andando na companhia de um contingente de sectários, também odientos como ele, porém só Saulo teve aquela visão. Isto aponta para a exclusividade desta revelação. Os seus companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo, ninguém. Atos 9:7.


O Senhor queria ter uma prosa em particular com Saulo e, para isto, revelou-se apenas a ele. Os “cúmplices”, bem ali, ficaram de fora da reunião, embora ouvissem a voz, não tinham ideia do que ocorria. A revelação de Abba é sempre subjetiva. Ele trata com cada filho individualmente. O Pai não fala com bandos, mas com cada um de per si.


Neste encontro temos uma apresentação exclusiva para um homem escolhido. A visão especial tem como objetivo especificar a seleta eleição de Saulo e a sua missão como mensageiro do evangelho aos gentios. Era uma reunião acordada nas eras eternas.


A visão da pessoa de Cristo mudou, por completo, o caráter de Saulo. O “vidente” físico ficou, evidentemente, como um cego, enquanto o “ceguinho” tornou-se um profeta, vendo o que pouca gente vê no reino de Deus. Depois da visão celestial caíram as escamas dos seus olhos e, em seguida, Paulo passou a enxergar a suficiência do evangelho da graça.


Paulo avistou a singularidade do evangelho como ninguém, garantindo que vira a Cristo ressuscitado, ao enumerar várias testemunhas deste fato: e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo. 1 Coríntios 15:8.


A visão celestial mudou a sua visão terrena. Saulo era um cego espiritual, ainda que fosse um vidente religioso; enquanto Paulo acabou se tornando em um novo homem de visão, esclarecido pela revelação celestial. Quando viu que as pessoas que ele vinha perseguindo eram autênticas encarnações do Cristo ressurreto, tudo mudou em sua vida.


Por meio desta visão, o religioso Saulo foi convertido no apóstolo Paulo. O perseguidor da Igreja foi transformado num perseguido pelo judaísmo. A religião perdeu um dos seus promotores mais importantes e o evangelho ganhou o seu principal propagador.


A falta da visão celestial bem clara leva o povo a perecer aqui na terra. Aquele que não sabe para onde vai, ou está totalmente perdido, ou, já chegou, e mesmo assim, não sabe onde está. Sem um objetivo definido, ninguém sabe qual é o seu destino. A questão básica de qualquer viagem é o alvo a ser alcançado. O nosso alvo é: Cristo crucificado.


A visão desta igreja é: “conhecer a Cristo crucificado e fazê-lo conhecido em todo o lugar, por meio da graça”. Aqui temos uma visão celestial que precisamos enfocar com a maior diligência e realidade espiritual possíveis. Não há nenhum outro alvo maior do que este, para tratar, neste mundo, com os egos inflados e inchados.


A vida cristã se baseia, acima de tudo e de todos, em conhecer, pessoal e intimamente, a Cristo Jesus crucificado e ressurreto, através da graça plena: antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno. 2 Pedro 3:18. Esta ordem e, nesta ordem, é fundamental para o desenvolvimento saudável e maduro da verdadeira vida espiritual.


Sem o crescimento na graça, não há o adequado crescimento em Cristo. Aliás, fora da graça não há a menor noção, nem crescimento em Cristo. Disse George Herbert, “o conhecimento não passa de estultícia, a não ser que seja orientado pela graça”. Justiça e direito são o fundamento do teu trono; graça e verdade te precedem. Salmos 89:14.


Quando Cristo se encarnou como o Verbo de Deus, ele veio pleno de graça e verdade, suprindo a deficiência de nossa condição humana. Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. João 1:17.


Pela graça, nós cremos na pessoa e obra de Cristo crucificado. Pela graça, nós somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem. Pela graça, nós desenvolvemos a nossa salvação, uma vez que, ela mesma financia e patrocina, tanto o nosso querer como o efetuar, segundo a boa vontade de nosso amado Abba.


Conhecer a Cristo crucificado é um assunto pessoal, ensinado de modo particular pela Escola permanente do Espírito Santo, favorecido e subvencionado somente pela graça suficiente do Cordeiro de Deus. Não se trata de uma educação preliminar, ou como querem alguns, simplesmente, um jardim da infância da fé cristã.


Se alguém disser que o novo nascimento é o inicio da vida cristã, esta pessoa encontra-se totalmente equivocada. Tudo começa em Deus, na eternidade passada, e culmina em Deus, na eternidade futura. Sendo assim, a nossa eleição, vocação, justificação e vivificação precedem à fé, ao arrependimento, ou seja, à conversão e à regeneração.


O nosso teste na história é antecipado por fatos espirituais eternos. A redenção das almas, pelo sangue do Cordeiro de Deus, foi notória antes da fundação do mundo, (1Pe 1:17-21), embora, o Cordeiro tenha sido imolado apenas nos alicerces do crônos. Mas, deste sacrifício, não tomam parte aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. Apocalipse 13:8.


A visão celestial tem a ver com a realidade espiritual em sua dimensão eterna. Conhecer a Cristo crucificado é uma avaliação que parte antes do Alfa e vai até depois do Omega, ou seja, é um assunto de eternidade a eternidade, de modo contínuo e constante.


O conhecer a Cristo crucificado, além de ser eterno, é, também, compartilhado. Não basta eu conhecê-lo. É preciso que Cristo seja conhecido, deste modo, pelo maior número de pessoas. Quem foi beneficiado pelos favores do evangelho da cruz, torna-se um evangelista. Não é cabível ao salvo não se interessar pela salvação dos ensimesmados.


Não basta conhecer a Cristo crucificado e ressurreto, como o nosso estilo de vida cristã. Agora, é imperioso, na prática, fazê-lo conhecido a todos e em todo o lugar, por meio da graça, isto é, rigorosamente, pela graça. “Tudo é pela graça na vida cristã, do início ao fim”, já dizia D. Martyn Lloyd-Jones, mas é bom relembrar, pois muitos objetam.


A vida eterna é definida por Jesus, como o conhecimento íntimo e relacional dele mesmo e do seu Pai, o Deus absoluto e singular. E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. João 17:3.


Ninguém poderá conhecer o Pai, senão pelo Filho. Ninguém poderá conhecer o Filho, a não ser através da sua expiação na cruz com o Filho, isto é, com Cristo. Conhecer a Cristo crucificado é o auge da realidade espiritual na Bíblia, destinada à fé cristã.


Para o apóstolo Paulo, o fundamento do evangelho encontra-se na loucura da cruz de Cristo. Ele não avistava outra realidade mais significativa do que a extravagância da cruz, por isso, colocou a ênfase de sua visão celestial, nestas palavras imorredouras. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. 1 Coríntios 2:2.


Tanto o seu saber teológico como a sua ética pessoal se baseiam na excelência da pessoa e obra de Cristo crucificado. Para ele, a sua própria glória reside nesta ocorrência: Mas longe esteja de mim, gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo. Gálatas 6:14.


Se alguém supõe que existe alguma sabedoria maior do que em Cristo crucificado, então eu gostaria de sublinhar este texto, dentro do seu contexto, como a grande visão celestial que norteou a vida do apóstolo Paulo: Entretanto, expomos sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada; mas falamos a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glória; sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória; mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. 1 Coríntios 2:6-9. Glória ao Pai por tão grande visão celestial.


Solo Deo Glória